quinta-feira, 8 de março de 2012

Entrevista publicada na edição nº 425, abril de 2012. Ideias e ideais de indignação global

Entrevista publicada no Jornal Mundo Jovem na edição nº 425, abril de 2012.
Ideias e ideais de indignação global

Christiana Soares de Freitas
     “É verdade que a maioria dos manifestantes não possui metas políticas definidas, não está organizada em torno de lideranças ou partidos. Mas isso não é suficiente para impedir uma transformação profunda nas sociedades contemporâneas. No mínimo, é o início de um processo de conscientização.”
     Este é o tom da entrevista com a socióloga e professora na Universidade de Brasília, Marcos Sandrini, sobre as manifestações que se espalharam pelo mundo em 2011, entre elas a que ficou conhecida como Ocupe Wall Street.


Christiana Soares de Freitas,
socióloga e professora na Universidade de Brasília.
Endereço eletrônico: cfreitas@unb.br

Mundo Jovem: Qual é a motivação do movimento Ocupe Wall Street e de outros similares espalhados pelo mundo?
Christiana Soares de Freitas: Entre os candidatos à personalidade do ano de 2011 da revista Time, destacaram-se celebridades como a duquesa Kate Middleton. Para surpresa de todos, a “personalidade” eleita foi o manifestante (the protester). Em extensa matéria que justifica a escolha, diversos jornalistas e alguns acadêmicos expuseram a força e o poder dos movimentos sociais ao longo de 2011.

     Se pensarmos em razões comuns a praticamente todos os protestos, podemos citar a busca por maior igualdade de condições entre os indivíduos, mais chances de obtenção de empregos e salários melhores, justiça social e democracia. Portanto existe um conjunto de ideias e de ideais que, de alguma forma, conecta manifestantes de todo o planeta como um efeito-dominó.

Mundo Jovem: Onde começaram essas manifestações?
Christiana Soares de Freitas: O primeiro movimento que observamos ocorreu na Tunísia, no dia 19 de dezembro de 2010. Mohamed Bouazizi, jovem de 26 anos, graduado, sem emprego, vendia frutas e vegetais em um pequeno carrinho empurrado a mão. Quando indagado pela polícia sobre sua licença para aquele trabalho, Bouazizi informou que não a possuía. A polícia confiscou seu carrinho. Desesperado, ele ateou fogo ao próprio corpo.

     Jovens da cidade, ao ouvir e ler sobre a fatalidade, iniciaram protestos contra o sistema político e econômico vigente no país. “Armados” de celulares e internet, eles começaram o movimento que em menos de 40 dias ocasionou a derrubada do então presidente Ben Ali, no poder havia 22 anos.

     A revolução na Tunísia foi resultado de uma grave crise econômica. A taxa de desemprego, entre a população de 15 a 29 anos, estava em 30%. Foram formados, como se disse, batalhões de jovens diplomados. Indivíduos escolarizados supostamente falariam “a linguagem refinada dos direitos humanos, da liberdade, da democracia”, como afirmou a jornalista Sarah Ben Néfissa, do Le Monde.

Mundo Jovem: Que bandeiras são defendidas?
Christiana Soares de Freitas: Após a revolta na Tunísia, populações de países vizinhos, como Síria e Argélia, também começaram a protestar contra a fome, o desemprego e a repressão política. No mês de janeiro, logo após a insurreição na Tunísia e inspirados pelas revoltas nesse país tão próximo, jovens do Egito aderiram às manifestações e aprenderam com os tunisianos a realizá-las. Em entrevistas, muitos afirmaram que as lições aprendidas com o país vizinho não eram apenas inspiradoras, mas práticas também. Possuíam um manual de como transformar uma ditadura em um regime democrático de forma pacífica.

     Alguns meses depois, surgiu o movimento Los Indignados na Espanha. Seu slogan apontava a direção dos protestos: “Nós não somos bens nas mãos de políticos e de banqueiros”. Logo após a Espanha, protestos na Grécia expressavam a indignação da sua população com a situação política e econômica. Enquanto os protestos na Grécia continuavam, movimentos similares espalharam-se por Israel e Inglaterra. Pesquisadores da London School of Economics afirmaram: “Esses manifestantes estão motivados pela raiva contra a pobreza, o desemprego e a desigualdade”.

Mundo Jovem: Como iniciou o movimento Ocupe Wall Street?
Christiana Soares de Freitas: Através do apoio dos meios de comunicação alternativos e da internet, os protestos tiveram início nos Estados Unidos. Mensagens no Twitter chamavam a população, e-mails afirmavam: “A América precisa de sua própria Tahir!” Um outro tweet conclamava a todos abertamente: “A nossa demanda: ocupar Wall Street no dia 17 de setembro. Tragam barracas”. Em poucos dias montou-se um acampamento em um espaço público, sem previsão de desocupação, visando a protestar democraticamente contra a situação norte-americana de crise econômica, desemprego e a ameaça de redução dos custos governamentais com gastos sociais. Com o slogan “Nós somos os 99%”, protestavam sem clareza exata de ações futuras para transformar a situação caótica da qual reclamavam.

     Além desses países, não podemos nos esquecer do México, do Chile, da Rússia, e de tantos que demonstraram a mesma indignação estampada nos rostos cobertos de substâncias para proteção contra gás lacrimogêneo e nas faces de mães desesperadas por perderem seus filhos por uma causa que começava a nascer com intensidade em todo o planeta: a luta por um mundo contra a injustiça social.

Mundo Jovem: Existe uma presença marcante da juventude?
Christiana Soares de Freitas: A faixa etária predominante entre os manifestantes é de 18 a 38 anos. Começam a perceber, nos meios de comunicação, formas de mobilização e de mostrar sua revolta com situações políticas e econômicas que não os favorecem em nada. O movimento contra a Reforma da Previdência, na França, no final de 2010, já pode ser apontado como o início desse momento histórico. Tendo como alvo inicial os aposentados, as manifestações terminaram com a presença maciça de jovens revoltados contra o sistema, segurando cartazes que perguntavam: “Estamos trabalhando para viver ou vivendo para trabalhar?.

Mundo Jovem: Quem organiza? Há lideranças?
Christiana Soares de Freitas: Essa é uma característica interessante dos movimentos: não há lideranças destacadas, previamente selecionadas. Observamos isso com clareza no Ocupe Wall Street. Esse pode ser um problema: ao mesmo tempo em que não ter um líder talvez possa significar mais democracia, essa característica gera uma ausência de planos e metas para transformar a situação a longo prazo.

Mundo Jovem: Como repercute no Brasil?
Christiana Soares de Freitas: No Brasil, assim como em outros países em que observamos as manifestações, percebemos características de um tipo específico de associativismo, observado a partir da década de 1990. Ele resulta de processos de mobilizações de indivíduos não associados, na maioria das vezes, a militantes que seguem diretrizes de alguma organização. Essas formas de mobilização não se configuram como um ativismo de militância político-ideológica, mas um ativismo voltado para questões humanitárias, em que podem ocorrer mobilizações pontuais, como protestos contra a corrupção, por exemplo.

     Em Brasília, tivemos inúmeros exemplos desse tipo de protesto. No início de 2008 foram descobertos atos de corrupção cometidos pelo então reitor da UnB. A principal arma dos estudantes foram os blogs criados para informar os grupos envolvidos e traçar estratégias de ação para o alcance dos objetivos estabelecidos pelo movimento. No dia 13 de abril, após a ocupação da Reitoria pelos estudantes, o reitor pediu exoneração do cargo.

     Exemplo mais recente ocorreu no dia 7 de setembro de 2011: um protesto organizado exclusivamente pelo Facebook levou mais de 20 mil pessoas às ruas de Brasília pela cassação de Jaqueline Roriz. Na página oficial do evento, no Facebook (“Todos juntos contra a corrupção”), 27.206 pessoas confirmaram a participação.

     No Amazonas, jovens de uma pequena cidade da região organizaram a Rádio Japiim, uma rede comunitária que utiliza a internet para informar a população local sobre questões essenciais de saúde. É um meio que conecta a população e que tem poder de fazer com que essa minoria se organize politicamente. A juventude descobriu um instrumento de luta e conscientização de sua população.

Mundo Jovem: São sinais de que o sistema econômico e político atual está em declínio?
Christiana Soares de Freitas: Não necessariamente. Entretanto temos uma certeza: os movimentos começaram, especialmente na Europa e na América, porque a população já não está mais extasiada com as mudanças e os benefícios do capitalismo informacional, especialmente os da primeira década do século 21, quando a internet abria a todos portas inimagináveis de comunicação, informação e interação. Fica claro que os indivíduos, agora, querem mais do que isso. Uma vez dominadas as tecnologias da informação, pessoas das mais diversas nacionalidades começam a perceber que elas podem contribuir para transformações mais profundas no mundo que beneficiem a paz, a democracia e a justiça.

     Tão importante quanto observar um possível declínio do sistema econômico atual é refletir sobre o significado de se fazer política no início do século 21. A expansão e o redimensionamento das relações sociais e das mobilizações espontâneas revelam-se tão ou mais significativas do que a participação por meios democráticos clássicos, como o voto ou a filiação partidária. As novas formas de ação e de mobilização política favorecem e expandem a democracia participativa.


Ciberativismo e transformação social

     O principal fator que faz a internet colaborar imensamente para o sucesso dessas manifestações é a sua possibilidade de transformar qualquer tweet, qualquer post, qualquer vídeo em algo viral. A notícia ou o vídeo da morte de um rapaz em plena praça pública, como em Tahir, por exemplo, pode mobilizar, rapidamente, milhares de pessoas.

     O ciberativismo político, observado nos países das manifestações, foi um movimento em prol da dignidade humana, contra a corrupção, reivindicando liberdade de expressão, emprego e democracia. Uma característica marcante desses movimentos é que não estão relacionados, diretamente, a formas institucionais de mobilização política. Outro traço importante é a possibilidade de ampliação das formas de exercício da cidadania por meio das mobilizações políticas em mídias sociais.

     As ações no ciberespaço, associadas a mobilizações no espaço físico, geram formas específicas de organização dos cidadãos, podendo ampliar seu poder de reivindicação e conquista de direitos. Ou seja, as possibilidades de mobilização sofrem um impulso significativo quando associadas aos recursos da mobilidade tecnológica, principalmente dos celulares com acesso à internet.

     A camada da população que utiliza as tecnologias da informação e comunicação para promover suas lutas e reivindicações tem aprendido a exercer a cidadania nos diversos espaços públicos existentes, inclusive naqueles do ciberespaço. Isso pode vir a colaborar para uma progressiva conscientização política, levando os indivíduos à organização e ao clamor por transformações. É a conscientização política que faz com que as mídias sociais sejam utilizadas para impulsionar mudanças.

     A ideia central aqui sugerida, portanto, é a de que as relações humanas transformam as mídias sociais e são por elas transformadas. Práticas individuais e coletivas orientam o desenvolvimento e a expansão das mídias sociais e, ao mesmo tempo, são por elas orientadas. Existe a possibilidade de ampliação da participação de indivíduos e grupos nas esferas públicas e, com isso, a potencial alteração de padrões de comunicação, de manifestações políticas e de exercício de cidadania. 
Fonte: Jornal  Mundo Jovem - Edição número 425 - Abril/ 2012


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