“Se eu lhe dissesse que o tempo passa mais devagar no primeiro andar de um prédio do que no último, você:
a) acreditaria na minha palavra, afinal eu devo saber o que digo para estar a escrever um artigo;
b) não acreditaria; é muito absurdo para ser verdade;
c) acreditaria; um amigo seu já teve essa sensação antes;
d) não acreditaria; não há nada na Bíblia sobre isso;
e) acreditaria, pois você conhece a Teoria da Relatividade de Einstein que diz que o tempo passa mais devagar próximo de campos gravitacionais, mas sabe que a diferença em questão é tão pequena que só pode ser sentida por relógios de altíssima precisão.
Mais importante do que a sua resposta à pergunta é a questão que se origina dela: quais os critérios que você usa para decidir no que acredita ou não? Você sempre aceita a palavra das autoridades no assunto? (mesmo daqueles que se auto-intitularam autoridades?) Baseia as suas crenças no "bom senso comum"? (e acredita que o seu senso é bom e comum?) Acredita no que a maioria das pessoas acredita (afinal alguns milhões de pessoas não podem estar erradas)? Confia suas crenças a respeito da natureza a livros sagrados de alguma religião? Não acredita em nada mas também não é muito rápido em duvidar, pois segundo Shakeaspeare "há mais no céu e na Terra do que sonha nossa vã filosofia"? (ou seja, permanece num estado de stand by crédulo?).
A Ciência é a esfera da actividade humana responsável por investigar o mundo ao nosso redor. Neste papel, assim como você, ela depara-se o tempo todo com alegações sobre as quais deve decidir se "acredita" ou não. Mas é claro que a responsabilidade da ciência é muito maior do que a sua, pois o conhecimento obtido por ela será usado para medicar pessoas, construir reactores nucleares, manipular geneticamente alimentos e seres humanos, tentar contactar vida extraterrestre e muitas outras actividades que têm profundo impacto na raça humana.
Na tarefa de descobrir a verdade, dentro de sua esfera de actuação, a ciência precisa de critérios claros, métodos de investigação precisos que descartem as ilusões dos sentidos, os preconceitos, as crenças pessoais (religiosas ou não), as superstições de todo o tipo. A ciência precisa de um método científico.
As leis científicas
O que chamamos de leis da natureza não são leis no sentido usual da palavra. Veja a Lei da Gravidade por exemplo. Alguém se equilibra sobre uma corda estendida entre dois arranha-céus e logo se diz que ele está "a desafiar a lei da gravidade" (quando na verdade não poderia fazer o que faz se não fosse por ela). As leis da física não podem ser "desafiadas", como as leis legisladas no nosso mundo. Uma lei física é um estatuto do qual temos uma forte sensação que seja verdadeiro e que até o momento não foi contraditada por nenhuma experiência humana.
Se por um lado este estado das coisas assegura aos cientistas que nenhuma verdade estará livre de contestação, por outro nos impede de assumir qualquer conhecimento como final e definitivo. Uma lei física, ou uma verdade científica, nada mais é portanto que um estado de repouso do conhecimento (o que não deixa de ser um pensamento um tanto pessimista). De qualquer maneira esta postura do método científico, enraizada em sua própria definição, é que garante a investigação constante e vigilante do conhecimento humano.
Vejamos um exemplo: você está na cidade de Belo Horizonte e ao passar pela ladeira conhecida por Ladeira do Amendoim percebe um fenómeno interessante: quando o seu carro é deixado em repouso nesta ladeira, em vez de descer sob a acção de seu peso ele anda para cima! Estarão os carros na Ladeira do Amendoim a desafiar a lei da gravidade?
Se você se propõe a investigar o fenómeno provavelmente pensará em pelo menos quatro hipóteses para explicar o fenómeno: (1) existe algum tipo de força sobrenatural, ou seja, não conhecida pela ciência: mágica, espectral, astral, telepática, telúrica, etc – a puxar o carro para cima; (2) existe alguma força conhecida pela ciência, mas não evidente no momento, a actuar sobre o carro (uma força magnética vinda de algum depósito de minerais, por exemplo); (3) a lei da gravidade está errada ou não se aplica a este local do planeta e deve portanto ser revista; (4) a observação de que o carro sobe não é verdadeira, ou seja, houve um erro na interpretação dos dados, por parte de quem realizou a experiência.·
Qualquer uma das quatro hipóteses (ou outra que se possa imaginar) poderá ser considerada e deverá ser testada; o que um investigador munido do método científico não poderá fazer é desconsiderar o facto observado com o argumento de que "a lei da gravidade é uma lei da natureza bem estabelecida e acima de qualquer dúvida".
Bem, se você examinar o fenómeno até o fim chegará à conclusão de que a hipótese (4) é a verdadeira; a disposição das ladeiras próximas a Ladeira do Amendoim e a dela própria criam a ilusão de que o carro está a subir quando na verdade ele desce normalmente, como em qualquer outra ladeira do mundo. A Lei da gravidade está a salvo (por enquanto).
Como funciona o método científico
Vamos nos permitir alguma liberdade criativa e imaginar que um alienígena recém-chegado à Terra, interessado em conhecer os nossos costumes, decide ir ao Maracanã assistir a uma partida de futebol. Certamente no início da partida o ET ficaria bastante confuso, vendo todas aquelas pessoas a correr atrás de uma bola, e muito intrigado ao ver como alguns jogadores ficam tão sensíveis quando ela se aproxima demais daquelas redes localizadas nas extremidades do campo. Mas ao longo da partida, percebendo que alguns lances se repetem e têm sempre o mesmo desfecho (por exemplo, a partida é sempre interrompida quando a bola sai dos limites traçados no campo), ele provavelmente formularia algumas hipóteses sobre o jogo: "será que o objectivo é enviar a bola o mais distante possível?", ele talvez pensasse isso após assistir um infeliz remate de fora da área; "ou talvez o objectivo seja matar o humanóide que tem a bola", pensaria ao ver um defesa a aplicar um golpe em tesoura à altura do pescoço de um outro jogador. É quase certo que após algum tempo observando a partida e depois de vários palpites errados, o visitante extraterrestre fosse capaz de compreender a maior parte das regras do nosso futebol.
Pois nós somos como este alienígena. Estamos imersos no grande "jogo" da natureza tentando entender as suas "regras": será que tudo o que sobe desce? Porque as coisas têm cor? Será que a posição que os corpos celestes ocupavam no instante de nosso nascimento podem afectar nossa personalidade? Noutras palavras, ou melhor, nas palavras do físico Richard Feynmann, "Entender a natureza é como aprender a jogar xadrez somente assistindo ao jogo".
Porém ainda que a nossa metáfora seja didática, ela não é completa. Pois nela o ET assiste passivamente ao desenrolar dos lances na partida e propõe hipóteses que somente tem como verificar esperando que se repitam. Nós, por outro lado, não somos meros espectadores da natureza mas participamos dela; podemos interagir com ela realizando experiências.
Claro que isto pode parecer um tanto óbvio. Afinal quando o seu carro não pega pela manhã e você desconfia que a bateria está descarregada, provavelmente testa a sua hipótese tentando acender os faróis ou medindo o potencial da bateria com um voltímetro. Porque seria diferente com a ciência?”
Para refletir:
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De acordo com o texto, o que é que caracteriza o método científico? Explicite a sua resposta.
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O método científico permite alcançar a verdade científica. Como? Justifique.
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O fato de ser provisório, enfraquece o conhecimento científico? Justifique.
Fonte: http://www.espanto.info/f11ner/f21.htm