sábado, 26 de junho de 2010

O Brasil e as leis, por Ademar Pedro Scheffler*

A “produção” e emissão de leis no Brasil é profícua, certamente em busca da medalha de ouro, já que o país ostentaria, apenas, o título de vice-campeão mundial em número de leis. Nem mesmo os especialistas, também envoltos nesse verdadeiro “cipoal legislativo”, sabem quantas são as leis efetivamente vigentes no país. Mas, só em âmbito federal, chegam a quase duas dezenas de milhares, floreadas por mais de 120 mil decretos e cerca de 1,5 milhão de outros normativos. Por isso, o Brasil não precisa de mais leis, basta aplicar e cumprir as existentes. De que adiantam mais e mais leis se a cultura do respectivo cumprimento continuar a mesma?

Aliás, a interpretação das normas legais sempre levou em conta o chamado “espírito do legislador”, para que a sua aplicação não fosse desvirtuada dos motivos que o levaram à respectiva edição. Esse princípio tão festejado pelos aplicadores do Direito, entretanto, sofreu duro golpe recente, quando o legislador, depois de parir a chamada “lei da Ficha Limpa”, consultou o Judiciário (TSE) sobre se a sua “intenção era, ou não, de que a lei valesse para a próxima eleição”.

Seria muito mais eficaz se o Legislativo e o Executivo, em todos os âmbitos, adotassem e praticassem a “ética na política e na administração”, que tanto pregam, em vez de praticarem a “ética da política”. A corrupção, aliás, chegou a patamares preocupantes e inaceitáveis. Por outro lado, enquanto “comissões de notáveis” estão a gestar novos códigos na esfera penal e de processo civil, que continuam a favorecer devedores e réus, seria muito mais conveniente e oportuno que o Judiciário olhasse mais para dentro de si próprio e se preocupasse com a qualidade das decisões judiciais, a gestão dos órgãos jurisdicionais em toda as instâncias e a qualificação de magistrados, especialmente sobre a sua conscientização de que a conciliação e o adequado desempenho dos órgãos que presidem são de sua responsabilidade e iniciativa.

Finalmente, oportuno dizer que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), essa instituição fundamental para a manutenção e o aperfeiçoa- mento do Estado democrático de direito, tão empenhada na moralização da coisa pública e privada, de atuação importante e imprescindível, inclusive em “afastamentos” de presidentes, governadores e outros gestores públicos, também deve se preocupar mais com o chamado “dever de casa”, olhando de forma mais crítica e efetiva para dentro de si própria, especialmente em relação às questões éticas e atuação de seus inscritos, já que são eles que, juntamente com o Ministério Público, têm a função institucional de atuar na garantia dos direitos e deveres individuais e coletivos da sociedade.

Portanto, menos leis, menos demagogia, menos discursos e mais ética, seriedade e comprometimento de todos com o Brasil.

*Advogado

Fonte: Jornal Zero Hora
imagem em: mazelasdojudiciario.blogspot.com/2009/12/inse...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Onde fica o gol? - por Martha Medeiros

Em função da mobilização com a Copa do Mundo, andei me lembrando de uma conversa que tive com um amigo, anos atrás. Ele liderava uma equipe numa agência de publicidade e trabalhava em ritmo alucinado. No decorrer do papo, ele desabafou dizendo que era difícil conviver com colegas que não sabiam para que lado ir, o que fazer, como agir, e que por causa dessas incertezas perdiam tempo e faziam os outros perderem também. E exemplificou: “Sabe por que eu sempre gostei do Pelé? Porque o Pelé pegava a bola em qualquer lugar do gramado e ia com ela reto para o gol. Ele sabia exatamente para onde tinha que chutar”.

– Isso que você nem é muito fã do esporte – comentei.

– Pois é, não jogo futebol, mas tenho alma de artilheiro: entro em campo e já saio perguntando onde é que é o gol. É pra lá? Então é pra lá que eu vou, sem desperdiçar meu tempo, sem ficar enfeitando.

Taí o que a gente precisa se perguntar todo dia quando acorda: onde é que é o gol?

Muitas pessoas vivem suas vidas como se dopadas, chutando para todos os lados, sem nenhuma estratégia, contando apenas com a sorte. Elas acreditam que, uma hora dessas, de repente, quem sabe, a bola entrará. E, até que isso aconteça, esbanjam energia à toa.

“Goal”, em inglês, significa objetivo. Você deve ter um. Conquistar um cliente, ser o padeiro mais conceituado do bairro, melhorar a aparência, sair de uma depressão, ganhar mais dinheiro, se aproximar dos seus pais. Pode até ser algo mais simples: comprar as entradas para um show, visitar um amigo doente, trocar o óleo do carro, levar flores para sua mulher. Ou você faz sua parte para colocar a bola dentro da rede, ou seguirá chutando para as laterais, catimbando, sem atingir nenhum resultado.

Quase invejo quem tem tempo a perder: sinal de que é alguém irritantemente jovem, que ainda não se deu conta da ligeireza da vida. Já os veteranos não podem se dar ao luxo de acordar tarde, e, no caso, “acordar tarde” não significa dormir até o meio-dia: significa dormir no ponto, comer mosca. Não dá. Depois de uma certa idade, é preciso ser mais atento e proativo.

Parece um jogo estafante, nervoso, mas não precisa ser. O gol que você quer marcar talvez seja justamente aprender a ter um dia a dia mais calmo, mais focado em seus reais prazeres e afetos, sem estresse. É uma meta tão valiosa quanto qualquer outra. Só que não pode ser um “quem sabe”, tem que ser um gol feito.

Essa é a diferença entre aqueles que realizam as coisas e os que ficam só empatando.


sábado, 5 de junho de 2010

Você sabe quais são os seus direitos políticos?, por Tiago de Menezes Conceição*

Fala-se muito em direitos políticos, nas hipóteses de inelegibilidades, em cidadania e em eleições. Pensa-se pouco no real sentido dessas palavras enquanto institutos jurídicos consagrados no texto constitucional. Prova disso é a singela pergunta que titula esta breve reflexão. Eis a aposta: a maioria das pessoas, mesmo aquelas com formação jurídica, vai patinar na hora de declinar seus direitos políticos. O impulso inicial é invocar os direitos de votar e ser votado. Sem qualquer desprestígio ao voto, é preciso que fique claro, desde logo, que direitos eleitorais são apenas uma espécie de direitos políticos.

Diz a Constituição Federal de 1988, já em seu artigo 1º, que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Claro, portanto, que a nossa democracia deve materializar-se tanto por meio da escolha de representantes quanto pela participação direta da sociedade nos processos de deliberação e decisão sobre questões de governo e de Estado. Assim, são exemplos de direitos políticos que consagram a participação direta da sociedade civil: o plebiscito, o referendo, o orçamento participativo, a atuação nos conselhos comunitários que fixam políticas públicas nas suas respectivas áreas, a ação popular, a iniciativa legislativa popular e, por que não, o exercício regular e profissional do comentário político em veículos de comunicação de massa.

Aqui reside um aspecto importante da tomada de consciência dos direitos políticos por nós, cidadãos. É preciso perceber que o ato isolado e solitário do voto pode ter menor peso político do que a possibilidade de participar de um espaço público de discussão, formação e informação da opinião pública política. Pode ser impressão, mas a delegação da decisão política, ainda que necessária, expõe uma dose de infantilização social, ao passo que as variadas formas de participação direta apontam para um amadurecimento comunitário. Tudo bem, o direito eleitoral é o direito político mais visível e vivenciado na sociedade brasileira e, por isso, ainda o mais importante. Mas será que, entre uma eleição e outra, não estamos negligenciando outros tantos direitos políticos que nos pertencem? Essa reflexão aparece como boa candidata neste ano de eleições.


*Promotor de Justiça


Fonte: Jornal Zero Hora

quinta-feira, 3 de junho de 2010

De lixo, roupas, solidariedade.



“Desde o 11 de setembro de 2001 que o mundo não tem sido original. Não que eu deseje que atentados dessa magnitude se repitam: já bastam os homens-bomba, que viraram rotina. É só um desabafo: hoje, os absurdos se sucedem em escala industrial e os fatos novos são como mariposas, nascem e morrem no mesmo dia”. (Martha Medeiros, ZH 12.05.10)


Roupas são simplesmente artigos para quem não precisa fazer uso delas. Não tem nenhum significado para além do valor mercadológico (do quanto custam). Se não valem mais nada, porque não servirem ao lixo?
A imagem de um monte de roupas depositadas no lixão em Passo Fundo revela faces da crueldade humana que já fazem parte de nossa humanidade. A imagem impressiona tanto porque ela lembra outra imagem: a de crianças, jovens e velhos, em dias de frio, passando frio por não terem roupas suficientes para se aquecer em nosso rigoroso inverno.
Surge, então, a mais intrigante pergunta: o que é que motivou alguma  pessoa a decidir que estas roupas, ao invés de servir para agasalhar, tivessem o destino de um lixão?
Uma das razões talvez seja a de que estamos desaprendendo solidariedade. Ser solidário não é desfazer-se de coisas que a gente não deseja mais para oferecê-las aos outros. Ser solidário não é, muito menos, livrar os guarda-roupas das roupas e sapatos velhos. Ser
solidário, verdadeiramente, é dar algo de si para os outros, sem esperar nada em troca. É ser capaz de doar um pouco do que temos para alguém que pouco ou nada tem. É compadecer-se do sofrimento alheio, fazendo sempre uma ação que possa, efetivamente, aliviar o sofrimento dos outros.
Pois, talvez, as roupas encontradas no lixão não serviam à solidariedade e não tinham nenhuma conotação ou significado humanitário. Estavam por aí, “incomodando” em algum depósito ou sala.
Só pode ser...
Mas como é que, repentinamente, estas mesmas roupas, descartadas por alguém no lixão, produziram perplexidade, comoção e revolta de um grande número de pessoas? Por que somente nós é que temos esta capacidade de transformar as coisas profanas em coisas sagradas. E o sagrado e profano sempre estão muito misturados. Neste caso, de uma hora para outra, as coisas (roupas sem aparente valor) assumiram uma dimensão sagrada (promover a humanidade).
Alguém cometeu o equívoco de não considerar que peças de roupas contém, em si mesmas, um valor sagrado. Estas roupas, para muita gente, ampliariam as possibilidades de viver um pouco melhor, de  cobrir melhor o seu corpo. A decisão de jogá-las no lixão fere a dignidade humana. Por isso, quem descartou as roupas no lixão deve ser responsabilizado. A vida é sempre o bem maior e as coisas, os objetos, sempre tem um valor secundário. Mas mesmo quando tratamos de coisas, de coisas que servem à dignidade humana, estas adquirem valor e sentido sagrados.
O episódio das roupas no lixão não esmorecerá nosso desejo de construir humanidade. A vida na solidariedade é o caminho para quem deseja construir verdadeira felicidade. Sejamos solidários: sempre, verdadeiramente.

Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos


Fonte: O Dia D

Blog Widget by LinkWithin