quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Auguste Comte - O homem que quis dar ordem ao mundo

Pai do positivismo, ele acreditava que era possível planejar o desenvolvimento da sociedade e do indivíduo com critérios das ciências exatas e biológicas.

Foto: Hulton Archive/Getty Images
Foto: Hulton Archive/Getty Images

O nome do pensador francês Auguste Comte (1798-1857) está indissociavelmente ligado ao positivismo, corrente filosófica que ele fundou com o objetivo de reorganizar o conhecimento humano e que teve grande influência no Brasil. Comte também é considerado o grande sistematizador da sociologia.

O filósofo viveu num período da história francesa em que se alternavam regimes despóticos e revoluções. A turbulência levou não só a um descontentamento geral com a política como a uma crise dos valores tradicionais. Comte procurou dar uma resposta a esse estado de ânimo pela combinação de elementos da obra de pensadores anteriores a ele e também de alguns contemporâneos, resultando num corpo teórico a que chamou de positivismo. "Ele reviu as ciências para definir o que, nelas, decorria da realidade dos fatos e permitia a formulação de leis naturais, que orientariam os homens a agir para modificar a natureza", diz Arthur Virmond de Lacerda, professor da Faculdade Internacional de Curitiba.

Disciplina, hierarquia e ciência na escola

Como Comte tinha a ordem na conta de valor supremo, para ele era fundamental que os membros de uma sociedade aprendessem desde pequenos a importância da obediência e da hierarquia. A imposição da disciplina era, para os positivistas, uma função primordial da escola.

Segundo Comte, a evolução do indivíduo segue um trajeto semelhante à evolução das sociedades. Assim, na infância passa-se por uma espécie de estágio teológico, quando a criança tende a atribuir a forças sobrenaturais o que acontece a seu redor. A maturidade do espírito seria encontrada na ciência. Por isso, na escola de inspiração positivista, os estudos científicos prevalecem sobre os literários. O filósofo acreditava ainda que todos os seres humanos guardam em si instintos tanto egoístas quanto altruístas. A educação deveria assumir a responsabilidade de desenvolver nos jovens o altruísmo em detrimento do egoísmo, mostrando a eles que o objetivo existencial mais nobre é dedicar a vida às outras pessoas. "A educação positivista visa a informar o aluno sobre a ordem - isto é, como o mundo funciona - e formar seu caráter, tornando-o mais bondoso", diz Virmond de Lacerda. O pensamento de Comte tinha forte aspecto empirista, por levar em conta apenas os fenômentos observáveis e considerar anticientíficos os estudos dos processos mentais do observador.

Na educação, isso acarreta ênfase na aferição da eficiência dos métodos de ensino e do desempenho do aluno. No século 20, a psicologia comportamental aperfeiçoaria ao máximo esses procedimentos, com experimentos e testes aplicados em grande escala.

Um dos fundamentos do positivismo é a idéia de que tudo o que se refere ao saber humano pode ser sistematizado segundo os princípios adotados como critério de verdade para as ciências exatas e biológicas. Isso se aplicaria também aos fenômenos sociais, que deveriam ser reduzidos a leis gerais como as da física. Para Comte, a análise científica aplicada à sociedade é o cerne da sociologia, cujo objetivo seria o planejamento da organização social e política.

Planejamento social traria o bem-estar

O funcionamento da sociedade, para Comte, obedeceria a diretrizes predeterminadas para promover o bem-estar do maior número possível de indivíduos. Além de uma reformulação geral das ciências e da organização sociopolítica, o filósofo planejou uma nova ordem espiritual, inspirada na hierarquia e na disciplina da Igreja Católica, que considerava muito eficientes. A nova doutrina, porém, se dissociava totalmente da teologia cristã, que Comte rejeitava por se basear no sobrenatural, e não no materialismo científico. No fim da vida, ele chegou a preconizar a construção de templos positivistas, onde a humanidade, e não a divindade, seria venerada. O filósofo via a humanidade como uma entidade una, que chamou de Grande Ser.

Comte formulou uma lei histórica de três estágios. Segundo essa lei, o pensamento humano partiu de um estágio teológico, quando recorria às idéias de deuses e espíritos para explicar os fenômenos naturais, e passou para um estágio metafísico, caracterizado por fundamentar o conhecimento em abstrações - como essências, causas finais ou concepções idealizadas da natureza. De acordo com Comte, a humanidade só alcançaria plenitude intelectual ao chegar ao estágio positivo, que pressupõe a admissão das limitações do entendimento humano. Para ele, a razão não é capaz de operar a não ser pela via da experiência concreta. Todo esforço da ciência e da filosofia deveria se restringir, portanto, a encontrar as leis que regem os fenômenos observáveis.

Antes de Comte, a sociologia já havia dado os primeiros passos, mas foi ele quem a organizou como ciência. O pensador a dividiu em duas áreas: estática social e dinâmica social. A primeira estuda as forças que mantêm a sociedade unida, enquanto a segunda se volta para as mudanças sociais e suas causas. A estática social se fundamenta na ordem e a dinâmica no progresso - daí o lema "ordem e progresso", que figura na bandeira brasileira por inspiração comtiana (leia quadro acima). Conhecidos a estrutura e os processos de transformação da sociedade, seria possível, para o pensador, reformar as instituições e aperfeiçoá-las. "As leis sociológicas permitem planejar o futuro porque indicam critérios de atuação política", diz Virmond de Lacerda.

Proclamação da República teve influência positivista

Pintura de Henrique Bernardelli representa a proclamação da República pelo marechal Deodoro da Fonseca: Comte nos quartéis. Foto: Reprodução/Lula Rodrigues
Pintura de Henrique Bernardelli
representa a proclamação da República
pelo marechal Deodoro da Fonseca:
Comte nos quartéis.
Foto: Reprodução/Lula Rodrigues

O projeto sociopolítico de Comte pressupunha uma evolução ordeira da sociedade, incompatível com revoluções e mudanças bruscas. Curiosamente, no Brasil os ideais positivistas serviram para alavancar uma troca de regime, com a proclamação da República. O aparente paradoxo se explica, em parte, pelo fato de a influência positivista ter resultado em pensamentos muito diversos no Brasil, conforme se combinou com outras correntes ideológicas. Nenhum setor teve maior presença da ideologia comtiana do que as Forças Armadas, de onde saiu o vitorioso movimento republicano e a idéia de adotar o lema "ordem e progresso". Várias das medidas governamentais dos primeiros anos da República tiveram inspiração positivista, como a reforma educativa de 1891 e, no mesmo ano, a separação oficial entre Igreja e Estado. O positivismo ficou de tal forma conhecido no Brasil que o prenome de Comte foi aportuguesado para Augusto e a corrente filosófica tornou-se tema de um samba de Noel Rosa e Orestes Barbosa. A canção, intitulada Positivismo e lançada em 1933, termina com os versos: "O amor vem por princípio, a ordem por base/O progresso é que deve vir por fim/Desprezaste esta lei de Augusto Comte/E foste ser feliz longe de mim".

Cientistas deveriam formar elite dirigente

A concepção planejada das reformas sociais que o filósofo julgava necessárias não era compatível com a democracia, imprevisível por natureza, e por isso Comte a rejeitou. Ele acreditava que a ciência positiva seria o fundamento da fraternidade entre os homens, mas a responsabilidade por conduzir o aperfeiçoamento das instituições estaria restrita a uma elite de cientistas.

O filósofo via todas as sociedades constituídas por núcleos permanentes, como a família e a propriedade, que devem promover o progresso. O positivismo compara a sociedade a um organismo biológico, no qual nenhuma parte tem existência independente. Num estágio positivo, próximo da perfeição, não haveria lugar para o individualismo, apenas para o desenvolvimento da solidariedade e do altruísmo (termo cunhado por Comte) de cada um em favor da coletividade.

O pensamento de Comte foi alvo de desconfiança e até de escárnio - em especial a criação da religião da humanidade. Mas o positivismo teve grande influência em seu tempo e peso decisivo no surgimento de correntes de pensamento futuras, como o evolucionismo.

Biografia

Clotilde de Vaux: musa de Comte tornou-se símbolo da humanidade. Foto: Acervo e Publicação da Igreja Positivista do Brasil
Clotilde de Vaux: musa de
Comte tornou-se símbolo
da humanidade.
Foto: Acervo e Publicação da Igreja
Positivista do Brasil

Auguste Comte nasceu em 1798 em Montpellier, na França. Seus pais eram católicos e monarquistas fervorosos. Comte, que rejeitou as convicções dos pais ainda bem jovem, foi aluno brilhante, dos estudos básicos aos superiores, na Escola Politécnica de Paris. Nesse período, seu melhor amigo foi Henri de Saint-Simon (1760-1825), expoente do socialismo utópico, com quem viria a romper mais tarde por questões ideológicas. Comte trabalhava intensamente na criação de uma "filosofia positiva" quando sofreu um colapso nervoso, em 1826. Recuperado, mergulhou na redação do Curso de Filosofia Positiva, que lhe tomou 12 anos. Em 1842, por divergências com os superiores, perdeu o emprego de pesquisador na Politécnica e começou a ser ajudado por admiradores, como o pensador escocês John Stuart Mill (1773-1826). No mesmo ano, Comte se separou de Caroline Massin, após 17 anos de casamento. Em 1845, apaixonou-se por Clotilde de Vaux, que morreria de tuberculose no ano seguinte. Clotilde seria idealizada por Comte como a expressão perfeita da humanidade. O filósofo, que dedicou os anos seguintes a escrever Sistema de Política Positiva, morreu de câncer em 1857, em Paris.

"Toda educação humana deve preparar cada um a viver para os outros"


Para pensar

O modelo de escola rígida e autoritária que os positivistas defendiam está ultrapassado, mas vale a pena refletir sobre as idéias de Comte. Ele acreditava que a solidariedade era um impulso natural no ser humano e que a escola é um dos órgãos sociais responsáveis por promovê-la. Numa época individualista como a atual, você já pensou em conversar com seus alunos sobre a importância de sempre ter em mente que todos fazemos parte de uma sociedade?

Quer saber mais?

Augusto Comte - Criador da Física Social, Lelita Oliveira Benoit, 144 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-172002, 21,50 reais
Augusto Comte e o Positivismo, João Ribeiro Jr., 330 págs., Ed. Edicamp, tel. (19) 3235-2500, 46 reais
Discurso sobre o Espírito Positivo, Auguste Comte, 132 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 26,50 reais

Fonte:Revista Nova Escola Edição Especial | 09/2005

domingo, 27 de dezembro de 2009

Declaração de Afeto

Recebi esta linda declaração de afeto da minha querida amiga Márcia do Blog Vem desfrutar do amor de Deus. Quero agradecer e repassar para algumas pessoas muito queridas, que marcaram a sua passagem não só aqui no blog, mas na minha vida.

Retribuindo ao carinho que recebi :

Márcia - pelo carinho e presença constante no meu blog, e como dizem quem dá recebe em dobro... do blog Vem desfrutar do amor de Deus
Valdeir - Ponderantes
Miguel - Rotary Club da Póvoa de Varzim
Em@ - Em@ preto e branco ou a cores
Profº Ernesto von Rückert- Wolf Edler
Elaine - Um pouco de mim
Austeriana - Bicho-carpinteiro
Ricardo - Spinoza e amigos
ProfºAluísio Cavalcanti Jr - Coração de Professor
Profº Sérgio - Histórico- filosóficos
Louise - Blog da Louise


O Texto Continua o mesmo da Márcia , que ela recebeu do Marcone, porque gostei demais do texto e ele diz tudo que gostaria de dizer.



Declaração de Afeto


A amizade é um sentimento, que chega devagarzinho
pelos atos, pelo carinho, pela lembrança...
E na net não é diferente,
você visita um dia um blog, gosta, volta...
E assim vai crescendo o número de amigos,
das atenções recebidas e dos carinhos ganhos.


Um grande abraço e agradeçotodos, por fazerem parte da minha vida.
Marise.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Bombou na década– Os virais que ninguém esquece

O sucesso dos vídeos na internet fez de anônimos celebridades e deixou famosos em situações embaraçosas. Fizemos uma retrospectiva com os vídeos que mais bombaram nos anos 00.

1. Mesmo tendo surgido em um programa de TV, Susan Boyle se tornou um símbolo das celebridades que devem mais à internet que à televisão. A escocesa de 48 anos impressionou a todos neste ano no Britain’s got talent, um show de calouros de sucesso no Reino Unido. O contraste entre sua aparência descuidada e sua voz poderosa a tornou um fenômeno instantâneo, com 100 milhões de visualizações na internet em apenas nove dias. No fim de novembro, ela lançou seu primeiro CD, que vendeu mais de 700 mil cópias na primeira semana.


2. À medida que o YouTube se popularizava, começavam a surgir os primeiros virais brasileiros. Em 2006, uma gravação de uma pessoa incapaz de articular a frase “O jardineiro é Jesus e as árvores somos nós” arrancou boas risadas. O protagonista era o empresário baiano José Maria Queiroz, que pretendia lançar um CD gospel.


3. Os vídeos de sexo caseiro já estão deixando de ser notícia, de tão comuns. Um dos primeiros a virar notícia planetária, em 2004, mostrava Paris Hilton, herdeira de uma rede de hotéis. Em vez de prejudicar a imagem da socialite, o vídeo só aumentou sua popularidade.
(Vamos ficar devendo porque as cenas são muito explícitas)


4. As paródias do filme A queda, de 2004, são o mais famoso exemplo de outra febre da web – as dublagens humorísticas de filmes. A cena em que um derrotado Hitler (o ator Bruno Ganz) discute estratégia com seus generais foi desvirtuada para falar de todo tipo de assunto – das derrotas de times de futebol à expulsão da estudante Geisy Arruda de uma universidade particular.


5. No vídeo que ficou conhecido como Sanduíche-íche, a nutricionista Ruth Lemos teve um ataque involuntário de gagueira durante uma entrevista à TV – um fone preso em seu ouvido a fazia ouvir a própria voz. O resultado foram frases hilariantes que todo internauta acabaria recebendo em sua caixa de e-mails.


6. “Eu fumo maconha há 30 anos, todos os dias, e não sou viciada.” A grande sacada do vídeo Tapa na pantera, produzido em 2006, foi o “documentário de ficção”. Ele catapultou a carreira da atriz Maria Alice Vergueiro.


7. Diet Coke com Mentos explode? A discussão surgiu na web em 2002, mas só bombou mesmo quando o site eepybird.com criou um vídeo que transforma a combinação explosiva numa fonte luminosa. A experiência foi repetida em dezenas de programas no mundo todo, sempre com grande sucesso.


8. Clássico dos virais caseiros, Charlie bit my finger (Charlie mordeu meu dedo) já ultrapassou 140 milhões de visualizações no YouTube. O vídeo mostra dois irmãos ingleses brincando, quando o mais novo, Charlie, de 1 ano, começa a morder o dedo do mais velho, de 3. Não parece interessante? Assista ao vídeo e você entenderá.


9. O vídeo da cantora Vanusa derrapando no Hino Nacional, numa cerimônia pública em 2009, foi o maior exemplo dos virais de famosos em situações embaraçosas. Seu maior “rival” talvez seja o apresentador de TV Fernando Vanucci, sob efeito de remédios, comemorando o pentacampeonato de futebol da Itália, em 2006.


10. Ronaldinho Gaúcho chutando quatro bolas seguidas na trave, em 2006, foi o mais famoso dos vídeos promocionais da década. A discussão sobre se o vídeo era autêntico ou uma montagem mobilizou o planeta por uma semana (era montagem). Tudo o que queria a empresa que patrocinava o jogador, então no auge.

Bruno Ferrari


Fonte: Revista Época

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O mundo pelo avesso, por Luciano Corrêa Iochins *



Às vésperas de chegarmos ao ano 2010, penso ser necessário fazermos algumas reflexões acerca dos acontecimentos que nos rodeiam.

Foram inúmeros os avanços tecnológicos nos últimos anos. Vivemos, atualmente, a era da informação, e do conhecimento. Com a criação da internet, os processos de comunicação ao redor do mundo tornaram-se instantâneos, o acesso às notícias foi facilitado e a busca por informação foi simplificada através dos “sites” de pesquisa.

Por outro lado, os jovens passaram a ler menos e deixaram o estudo em segundo plano. Os livros foram substituídos pelo Orkut, os cadernos de aula cederam espaço para o msn. E, como se não bastasse, ainda inventaram o tal do Twitter. Um “bombardeio” de criações que tornaram os adolescentes reféns da cultura inútil.

Leio nos jornais sobre os prédios imensos em Dubai; a construção da ponte mais longa do mundo pelos chineses; o encontro dos chefes de Estado, em Copenhague, para discutir a situação do clima no planeta; a escolha do Brasil para sediar os Jogos Olímpicos, em 2016, e a Copa do Mundo, em 2014; e, ao mesmo tempo, me questiono: que relevância tem isso se a mente humana não evolui?

Sinceramente, parece que o ser humano não faz questão de usar o seu cérebro para praticar o bem. Como explicar, por exemplo, a covardia dos acusados de introduzir, recentemente, cerca de 50 agulhas no corpo de uma criança, na Bahia? Como entender um bando de torcedores, nitidamente exaltados pelo fanatismo, que invade um campo de futebol para agredir os árbitros e os jogadores? E as torcidas que brigam entre si? Como compreender a demência de alguém que dispara um soco no rosto de uma autoridade? Como aceitar tanta selvageria em plena iminência do ano 2010? É muito complicado suportar a maldade dos indivíduos.

O que houve com o homem? Não há mais amor ao próximo, ninguém mais tem apreço pelos outros. Onde estão os valores? E a ética? Chega de violência! Adeus, radicalismos! Não podemos mais achar normal o aluno que bate no professor! Basta! Não devemos mais permitir brutalidades.

Quiçá possamos acreditar na vinda de um momento mais alegre para a população. Certamente, no ano que vem, não mudaremos o mundo; não obstante, se todos nós tentarmos ser pessoas melhores, já é o suficiente.

É preciso, sim, que continuemos os protestos, as reivindicações, as vaias, as indignações e a luta pelos nossos direitos. Contanto que não deixemos de lado duas palavras que estão em extinção no vocabulário do povo: respeito e limite! Feliz Ano-Novo!

* Jornalista e professor de língua inglesa e língua espanhola

Fonte: Jornal Zero Hora

domingo, 20 de dezembro de 2009

Entrevista: Bjorn Lomborg - Podemos fazer melhor

O principal representante dos céticos diz que o combate ao aquecimento global tem de se basear em tecnologia, e não em mudanças no consumo


Por Ronaldo França, de Copenhague


 Andres Birch/Laif/Other Images

"Não sou um cético da ciência,
sou um cético das políticas
de combate ao aquecimento global"





O cientista político dinamarquês Bjorn Lomborg, de 44 anos, não tem carro. Usa bicicleta ou metrô para se deslocar em Copenhague. Lomborg é um dos mais respeitados entre os pesquisadores céticos em relação aos efeitos catastróficos do aquecimento global. Seus livros e artigos provocam a ira de ambientalistas, mas seus argumentos afiados também são ouvidos com atenção pelos cientistas. Sua descrença se dá em torno da histeria criada acerca do assunto e do que se pretende fazer para solucionar o problema da elevação da temperatura. "Não sou um crítico da ciência que prova o aquecimento. Sou um crítico da política de combate ao aquecimento." Ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA na sede da COP15, em Copenhague.

Qual foi o estrago do "climagate", o escândalo do vazamento de e-mails em que cientistas confessam a manipulação de dados para reforçar a tese do aquecimento global? 

O que está claro é que havia uma inclinação evidente para não compartilhar dados com pesquisadores cujos trabalhos não reforçariam a teoria do aquecimento global. Possivelmente, os dados foram mascarados, o que não significa exatamente uma falsificação.

Sim, mas mascarar dados não é suficiente para invalidar toda a pesquisa? 

Não. É um erro achar que esse escândalo invalida todo o trabalho que os cientistas do clima produziram nas duas últimas décadas. O aquecimento global está aí. É um desafio.

Então, o senhor aconselha a esquecer o episódio e continuar levando seus autores a sério? 

Não é isso. O escândalo não pode ser considerado apenas uma tempestade em copo d’água. O que eles fizeram é muito sério e perturbador. Tem implicações muito maiores. Esses cientistas formam uma máfia que se apossou da questão do clima. Tive muitos problemas com essa máfia do clima. Quando estava escrevendo meu livro, tentei me corresponder com alguns daqueles pesquisadores que detinham dados pelos quais eu tinha interesse. Recebi de volta algumas mensagens em cujo campo de destinatário eu fui incluído por engano. Foram mensagens reveladoras. Elas diziam: "Esse homem é perigoso. Não forneçam nenhum dado a ele. Devemos ter cuidado em não deixar que nossas informações apareçam em pesquisas públicas".

Por que o senhor é cético em relação às previsões sobre o aquecimento global?


Discordo da forma como as discussões sobre esse tema são colocadas. Existe a tendência de considerar sempre o pior cenário – o que aconteceria nos próximos 100 anos se o nível dos mares se elevar e ninguém fizer nada. Isso é irreal, porque é óbvio que as pessoas vão mudar, vão construir defesas contra a elevação dos mares. No entanto, isso é só uma parte do que tenho dito. Sou cético em relação a algumas previsões, sim. Mas sou cético principalmente em relação às políticas de combate ao aquecimento global. O problema principal não é a ciência. Precisamos dos cientistas. A questão é que tipo de política seguir. E isso é um aspecto econômico, porque implica uma decisão de gastar bilhões de dólares de fundos sociais. Em outras palavras, não sou um cético da ciência do clima, mas um cético da política do clima. Basicamente, digo que não estamos adotando as melhores políticas porque não estamos pensando onde gastar o dinheiro para produzir os maiores benefícios.

"ONGs verdes querem mudar a natureza humana, dizendo que não se deve querer ter ou gastar mais. É muito difícil. Prefiro ter tecnologia e fazer o que quiser, mesmo emitindo CO2"

O relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) diz que a humanidade é "provavelmente" responsável pelo aquecimento. O que significa esse "provavelmente"?

Os cientistas estão dizendo que têm 90% de certeza. Que há fortes evidências de que somos responsáveis em pelo menos 50% pela elevação da temperatura. É a partir daí que temos de elaborar as políticas. Se a maior parte dos cientistas diz que algo provavelmente vai acontecer, temos de agir de acordo com essa informação. O que não significa que não se deva garantir financiamento às pessoas que trabalham para descobrir erros nessa proposição. Deveríamos gastar dinheiro com as pesquisas dos céticos justamente para aperfeiçoar a informação que tem dominado os debates.

Com que cenários é razoável trabalhar quando se fala da elevação do nível dos oceanos? 

Quando perguntamos aos cientistas do IPCC qual seria o resultado mais provável do aquecimento sobre o mar, eles disseram que o nível das águas subiria entre 18 e 59 centímetros. Esse é o parâmetro mais aceitável. Não faz sentido trabalhar com cenários de até 6 metros, como quer o Al Gore, ex-vice-presidente americano. Porque é tão improvável que isso aconteça quanto que não haja elevação alguma. As pessoas que fazem projeções catastróficas acreditam que fazer mais alarde estimula a população a agir. Mas vale lembrar: análises e argumentos baseados no pior dos piores cenários induzem ao pânico, e o pânico não é a melhor forma de fazer um bom julgamento. Esse foi o mesmo argumento que George W. Bush usou quando invadiu o Iraque. Ele disse que estava absolutamente certo sobre a localização das armas de destruição em massa, e o resultado foi o que se viu. Por isso prefiro trabalhar com os impactos mais prováveis.

Quais são esses impactos? 

Costumamos esquecer que a maioria dos lugares ricos no mundo conseguirá lidar com o aquecimento global. Sabemos disso porque é o que os holandeses vêm fazendo desde o século XVII. A Holanda tem 60% de sua população vivendo abaixo do nível do mar. O principal aeroporto de Amsterdã fica 3 metros e meio abaixo do nível do mar. É simplesmente uma questão de tecnologia. Ninguém que vai à Holanda fica pensando: "Ai, meu Deus, estou abaixo do nível do mar". Não que isso não seja problemático ou custoso. Mas é um custo que chega a 0,5% ou no máximo 1% do PIB. Então, é bom enfatizar, o Rio de Janeiro nunca vai submergir, tampouco Nova York. Nos últimos 150 anos, o nível do mar subiu 30 centímetros. Pergunte a uma pessoa muito idosa quais as coisas mais importantes que aconteceram no século XX. Ela vai mencionar as guerras mundiais, ou talvez a revolução tecnológica. Sua resposta não vai ser que o nível do mar subiu.

"Tive problemas com a máfia do clima. Quando escrevi meu livro, recebi por engano, de pessoas a quem pedi informações, mensagens que diziam: ‘Esse homem é perigoso, não lhe forneça nenhum dado’"

Fala-se muito do impacto causado pela forma como as pessoas desperdiçam produtos e energia. Como o senhor faz no seu dia a dia? 

Há muita confusão em torno desse debate sobre consumo ético, como se a questão toda se resumisse ao que a pessoa faz. É uma visão torta porque, no fim das contas, o que nós fazemos está profundamente regulado pela forma como a sociedade funciona. Posso pegar um ônibus em vez de um carro na Dinamarca (eu nunca tive carro). Mas não poderia fazer isso nos Estados Unidos. Por isso, acho que reduzir tudo à ideia de que você deve fazer algo sobre seu consumo não é o melhor caminho. Para dar uma noção de proporção, se todos no mundo ocidental trocassem suas lâmpadas atuais por um modelo mais econômico, ao final de um ano as emissões se reduziriam apenas o equivalente à quantidade de CO2 que a China joga na atmosfera em um dia. Acho inútil adotar o argumento de que não se deve agir desta ou daquela maneira porque é imoral. Resumindo: organizações verdes querem mudar a natureza humana, dizendo que não se deve querer ter ou gastar mais. É muito difícil mudar a natureza humana. Prefiro mudar a tecnologia. Assim, poderemos fazer o que quisermos, mesmo emitindo CO2.

As empresas estão fazendo sua parte?


A maioria das coisas que se veem por aí é marketing. É o chamado banho verde. Estão fazendo economia de energia como sempre fizeram, desde o início do século XIX, de quando datam as estatísticas. Todas as empresas, em todos os lugares, inclusive nos Estados Unidos e na Europa, vêm reduzindo o desperdício de energia. Ou usando cada vez menos energia para cada dólar que produzem. O que é uma das maneiras de manter a liderança no mundo dos negócios. Cada vez que conseguem essa redução, anunciam que estão economizando CO2. Mas é óbvio que o que estão economizando são dólares. Não há nada de errado nisso. Só não devemos achar que elas estão salvando o planeta.

Por que o crescimento populacional não é levado em consideração nas discussões sobre clima?
 
Se fosse possível limitar substancialmente o crescimento da população mundial, provavelmente as emissões não aumentariam tanto. Mas você só consegue alterar essa variável dramaticamente num regime autoritário como o da China, onde o governo determina que os casais só podem ter um filho. Não acho que se vá reduzir a taxa de natalidade com informação. As pesquisas mostram que as pessoas agem de forma muito racional sobre o número de filhos que têm. Para os pobres, crianças são fonte de renda. Para os ricos, representam despesa. Então você pode interferir no tamanho da prole tornando as pessoas mais ricas. Independentemente disso, é preciso lembrar que a principal razão para os nascimentos até 2050 não é que muitas pessoas têm muitos filhos, mas porque há muitos jovens que ainda não têm filhos e querem ter. Até lá teremos provavelmente mais 2,5 bilhões de pessoas. Há muito pouco que se possa fazer sobre isso.

Se o senhor tivesse filhos, estaria preocupado com o futuro?

Tenho primos que têm filhos, e alguns dos meus melhores amigos também têm. Claro que desejo que eles tenham uma vida boa. E eles terão. Vão ficar bem, serão ricos. Porque todos os filhos geneticamente gerados que conheço são brancos. Não é com eles que temos de ficar mais preocupados. É com os outros três quartos das pessoas deste planeta, a quem não sou intimamente ligado, que não são brancas, são pobres e vivem hoje uma situação difícil. O paradoxo é que a ONU espera que todos enriqueçam. Os filhos dos meus primos estarão entre quatro e oito vezes mais ricos no fim do século. As pessoas nos países em desenvolvimento estarão 35 vezes mais ricas. A média das pessoas em Bangladesh não será pobre em 2100, mas classe média alta. Ou seja, estamos pensando em ajudar pessoas que serão ricas daqui a 100 anos, mas deixando de ajudar as pessoas pobres que estão aqui agora, hoje. Esse é, para mim, o grande dilema ético: nós nos importarmos tanto com os ricos do futuro e tão pouco com os pobres do presente.

O senhor pode dar um exemplo? 

O caso dos países insulares é claro. Se você olhar para Tuvalu, que tem 12 000 habitantes e pode desaparecer, verá que as pessoas de lá não vão sumir. Elas terão de se mudar, o que será triste. Mas é curioso lembrar que a cada sete horas e meia um número equivalente de pessoas morre no mundo em decorrência de doenças infecciosas facilmente curáveis. São cerca de 15 milhões de pessoas que morrem desta maneira todo ano no mundo. As pessoas de Tuvalu terão apenas de se mudar. Para mim, é muito curioso que estejamos gastando tanto dinheiro para ajudar as pessoas de Tuvalu e fazendo tão pouco pelas 12 000 que morreram nas últimas sete horas e meia. Fala-se muito em aquecimento global. Mas as pessoas de verdade têm problemas mais urgentes. A maioria das pessoas nos países em desenvolvimento, ou três quartos da população mundial, quer saber como vão sobreviver até a semana que vem.

O que se pode esperar das decisões tomadas na conferência? 

Quando 120 líderes se reúnem, eles não podem não fazer um acordo, em torno de números que soam agradáveis. O problema é que não conseguiremos cumpri-lo. Faremos um lindo documento, todos vão brindar com champanhe, depois vão para casa, e nada vai acontecer. Vem sendo assim nos últimos dezoito anos. Não cumprimos o que foi acertado no Rio de Janeiro em 1992. Em Kioto, houve um compromisso legalmente assumido, no qual se prometeu cortar ainda mais, e ainda nada foi feito. Acreditar que Copenhague será diferente me parece uma fantasia política.

Fonte: Revista Veja

domingo, 13 de dezembro de 2009

A eterna corrupção, por Sérgio da Costa Franco*

“... Quid non mortalia pectora cogis
Auri sacra fames!
A que não obrigas os corações humanos,
Ó execranda fome de ouro!”

(Virgílio, Eneida. Livro III)


Confesso que o meu pobre latim tropeçava até mesmo na tradução de “auri sacra fames”, pois me inclinava por traduzir “sacra” como “sagrada”, até descobrir, com a ajuda do dicionário latino, que Virgílio usou a palavra com o sentido de abominável, execrável, infame. Convertida a “sagrada fome de ouro” em “execrável fome de ouro”, munia-se o articulista de uma epígrafe honrosa para fustigar a corrupção pretérita e presente.

Fique claro, desde logo, que o poeta não escreveu em Brasília do século 21, mas na Roma anterior a Cristo, e que, portanto, a abominável cobiça pelo dinheiro é vício dos mais antigos, que não foi inventado na Pindorama e antecede o uso de cuecas e de meias como veículos de transferência de grana.

É frequente que me perguntem se a corrupção administrativa era tão agressiva e ostensiva no passado como se apresenta nos tempos contemporâneos. Talvez não fosse tão afrontosa. Mas, em termos mais discretos, nunca deixou de existir, porque a canalhice humana é tão antiga quanto o Velho Testamento.

Sucede que a corrupção varia na razão direta da intervenção estatal na economia, e na ordem, também direta, da dimensão dos orçamentos públicos. Quanto mais intensas e próximas as relações entre políticos e empresários, maiores são as possibilidades de superfaturamento, de fraude às concorrências, de fiscalização omissa, e, logicamente, da propina que acompanha tais eventos. E quanto maiores os orçamentos da administração direta ou das autarquias e fundações públicas, maior o campo oferecido aos peculatos, às concussões, aos subornos e a todo o leque de crimes contra a máquina pública.

O tema em que tenho insistido é que os administradores do passado, mesmo alguns que granjearam fama de incorruptíveis, tinham seus pecados, e mesmo quando não tivessem a ousadia de sujar as próprias mãos, não resistiam às razões de favorecer os amigos e os aliados políticos. A “razão de Estado”, a “conveniência da administração” e o famoso “bem público”, tinham costas largas para justificar favorecimentos pessoais, concorrências fantasiosas e outros expedientes inconfessáveis.

Abro um relatório da Diretoria de Viação Terrestre, da Secretaria de Obras Públicas, de 1912, e leio a observação sem disfarces do engenheiro J.L. de Faria Santos a propósito da estrada de Venâncio Aires a Soledade, então em construção: “Merece notar-se a coincidência de serem esta estrada e a de Porto Alegre a Belém Velho, construídas por empreitada mediante concorrência pública, mais caras e de inferior qualidade às que temos feito por administração”. Vale dizer: o Estado construía mais barato e melhor do que seus afortunados empreiteiros! Isto podia escrever um exemplar funcionário, sem medo de contestação.

A propósito do senador Pinheiro Machado, um dos heróis da República, o criterioso historiador Joseph Love escreveu que “pairava ao seu redor um ar inconfundível de corrupção”. E isto ao tempo da República Velha, quando não começara a maciça intervenção estatal na economia.


*Historiador

Fonte: Jornal Zero Hora 
Imagem: Taringa !

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Torcidas e soberania popular, por João Gilberto Lucas Coelho *



É grave a confusão feita entre soberania popular e reações coletivas instantâneas, ocasionais ou sob forte emoção.

A melhor cultura democrática exige que eleições, plebiscitos e referendos sejam cercados da garantia de exposição equilibrada das posições divergentes que possibilitem a reflexão, para ser legítima a manifestação da soberania popular. Em vários países, após a campanha eleitoral ainda existe um curto período de silêncio para proteger a decisão do eleitor.

Mesmo assim, até mesmo o fundamental instituto do plebiscito já foi utilizado por ditadores para ratificar suas decisões, realizando consultas sob clima emocional ou com restrições à oposição.

Muito diferente de soberania popular é a reação “de manada”, como referem estudiosos, de massas ensandecidas ou sob forte impacto momentâneo, muito comum nos estádios de futebol, mas presente até mesmo em certas pesquisas de opinião realizadas imediatamente após eventos de grande comoção e ainda não esclarecidos plenamente.

Dizer que a multidão, a torcida ou a massa sempre têm razão é, no limite, justificar o linchamento, a mais cruel manifestação coletiva.

Este alerta tem de ser feito porque cresce a tendência de vincular comportamento dos meios de comunicação, decisões de entidades diversas e até políticas públicas a meras aferições instantâneas da “opinião pública”, sem dar a esta o pleno conhecimento das alternativas e a oportunidade de avaliar ônus e bônus de cada uma ou consequências futuras.

Sinto na cultura atual uma tolerância a certas reações grupais que podem virar perigosos incêndios. Justificam-se ou até se incentivam excessos de torcidas como vaiar o próprio time, ofender e agredir jogadores e técnicos. Daí a demolir um estádio, ferir ou matar, é um passo, ainda mais numa sociedade com crescentes sinais de violência. Elogia-se que torcedores exijam que seu time entregue um jogo, ferindo as regras do esporte, com a mesma veemência com que se critica a corrupção noutros setores... Isso seria, no esporte, o mesmo que, na política, a ideologia do “rouba, mas faz”.

O episódio recente de Curitiba é um alerta geral. Clama por maior cuidado ao lidar com as emoções coletivas, porque o vírus da violência está inoculado entre nós.

Também serve para refletirmos que uma coisa é a vontade popular em processos deliberativos com garantida informação, comparação de opções e oportunidade de reflexão, fundamento da verdadeira democracia. Outra coisa, bem diferente, é a reação de manada, sob forte emoção e irracionalidade, de grupos ou multidões. Ou a opinião pública momentaneamente emocionada e ludibriada, como no caso do menino que estaria sozinho num balão que abalou os Estados Unidos e era apenas mais uma jogada de marketing na sociedade do espetáculo em que vivemos.



* Advogado, ex-deputado federal
Fonte: Jornal Zero Hora 
Imagem: http://www.ncpam.com/2008_06_01_archive.html

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Dossiê - Mais presente do que nunca, por Fabiano Curi

 Sua morte foi decretada, mas o túmulo nunca foi fechado: a questão ideológica continua muito presente na educação (e também fora dela). E não é demais questionar: é possível haver educação sem ideologia, ou a simples expressão desse desejo já é reveladora de um lugar de onde se vê (e pensa ) o mundo?




Berlim, 1989: a queda do muro foi vista por alguns, como o americano Francis Fukuyama, como um marco do fim da história em termos de conflitos ideológicos. O tempo se encarregou de mostrar que esse dia ainda está por vir.


Há cerca de duas décadas, o mundo testemunhou a implosão do socialismo de Estado encabeçado pela União Soviética. Mais do que isso, passou a viver num planeta que abandonava a bipolaridade das superpotências para caminhar na direção do sistema político-econômico sobrevivente. Sim, sobrevivente, pois para muitos a queda do modelo soviético levava consigo para o túmulo toda a ideologia que o cercava. Comunismo, socialismo, marxismo e todas as suas ramificações pareciam se haver evaporado do cenário geopolítico global, sumiço este que reduziria a pó a existência dos conflitos ideológicos. O mundo viveria sob a égide de um modelo hegemônico e, assim, decretava-se o fim das ideologias.
Desde então, análises ideológicas passaram a ser vistas como objeto de estudo exclusivamente de historiadores que olhavam para o passado na tentativa de caracterizar enfrentamentos de grupos com conjuntos de ideias antagônicas. O esmorecimento de um mundo marcado por ideologias acabou afetando uma instituição que sempre esteve intimamente ligada ao debate ideológico: a escola.

Recentemente, a promulgação de uma nova Lei de Educação na Venezuela inflamou a grita daqueles que se opõem a Hugo Chávez. Os pontos divulgados - o controle do Estado na seleção e supervisão de professores, a proibição de conteúdos que vão contra a soberania do país e algumas propostas amplas de princípios de responsabilidade social, solidariedade e comunhão entre escola, comunidade e família, entre outros - foram vistos como mais um golpe autoritário e totalmente deslocado dos rumos da educação no mundo contemporâneo.

Contudo, o discurso de que tensões ideológicas são obsoletas não deixa de ser também ideológico. Para Marcos Cassim, professor de sociologia da educação da USP de Ribeirão Preto, "ideologia é concepção de mundo e a educação faz parte dessa concepção de mundo; assim, toda a educação é ideológica". Ele explica a razão disso argumentando que "todas as sociedades constroem o homem a partir de sua concepção de ser humano. O homem se constitui humano e se constitui historicamente".

Na opinião de Sílvio Gallo, professor da Faculdade de Educação da Unicamp e autor do recente livro Subjetividade, ideologia e educação (Alínea, 2009), o problema começa na definição do próprio conceito de ideologia, que é visto de forma distinta por diferentes autores. "Temos essa ideia de ideologia dominante muito claramente em (Karl) Marx e em alguns autores marxistas", diz. Ele lembra que, para Marx, há a ideia de um falseamento da realidade por parte das classes dominantes que, ao impor seus valores, buscam fazer com que sejam vistos como únicos e legítimos, enquanto para outros autores, mesmo no campo  marxista, como (Antonio) Gramsci e (Louis) Althusser (leia texto na página 51), a ideologia representa os interesses de uma determinada classe e não, necessariamente, um falseamento.

"Em Marx, há oposição entre ideologia e ciência. A classe dominante, para falsear, produz ideologia, a classe dominada, para se libertar, produz ciência", desenvolve Gallo. "Nos autores posteriores vamos ter a extensão do conceito de ideologia para dizer que toda a produção de conhecimento por uma determinada classe é ideologia, independentemente de ela ser um falseamento da realidade ou uma afirmação da realidade, dependendo dos interesses do grupo", completa.

Dermeval Saviani, professor emérito da Faculdade de Educação da Unicamp, ressalta que essa tentativa de evitar os conflitos de ideias fica evidente ainda no início da massificação da educação europeia: "a partir do momento em que a burguesia se consolida no poder, começa a adotar uma ideologia, no sentido de mascaramento da realidade, de naturalização da realidade como se a ordem burguesa fosse a ordem definitiva".

Gallo lembra que existe também uma outra conceituação na qual uma determinada ideologia social é produzida com a participação consciente ou inconsciente da sociedade como um todo, mesmo que ela atenda a determinadas prerrogativas ou desejos da classe dominante, mas com a aceitação da classe dominada, pois, se não houver reação, há, em algum nível, o consentimento.

Avaliações

Nos últimos anos, o esvaziamento do debate ideológico no campo educacional tem sido marcado pela associação direta da educação com o mercado de trabalho. Ainda que a formação de mão de obra seja uma das finalidades sociais da educação em qualquer regime político, no período recente a perspectiva utilitarista do espaço escolar ganhou muita força.
Entre os indicadores educacionais que podem ser apreciados, há hoje em dia muita ênfase naqueles que relacionam escolaridade com renda e empregabilidade. Assim, muitos dos investimentos em educação só são justificados quando garantem saldos significativos na produtividade e na renda.

Na avaliação de Saviani, a educação sofre a "determinação das exigências de mercado, que envolve a busca de resultados com o mínimo dispêndio. Os investimentos em educação estão subordinados à busca de resultados e os resultados são aferidos pelos indicadores de mercado".

Para medir os efeitos da educação na vida das pessoas e no funcionamento da sociedade, os anos de reforma do Estado democrático foram ricos na proliferação de sistemas de avaliação de escolas, professores e estudantes. No Brasil, por exemplo, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a educação teve papel central e, dentro das políticas de universalização da Educação Básica, criaram-se mecanismos que buscavam de alguma forma mensurar a qualidade do ensino. Alvo de muitas críticas da oposição na época, tais políticas, com algumas mudanças pontuais, foram preservadas pelo governo Lula e, ainda que possam existir debates acerca das metodologias empregadas, as avaliações não são mais questionadas. De acordo com Odair Sass, psicólogo e professor do programa de educação da PUC-SP, as avaliações servem para "definir o que é funcional e o que é disfuncional para tentar consertar os problemas, mas não é colocado em questão o modelo de educação".

 Fernando Veloso, economista e professor do Ibmec-RJ que co-organizou o livro Educação básica no Brasil: construindo o país do futuro (Campus, 2009), argumenta que "a mudança de política de avaliações não acontece apenas no Brasil, é uma tendência mundial, e eu não vejo ideologia nisso". Ele lembra que esse movimento começou nos Estados Unidos, e agora acontece em outros lugares "a ideia de que você tem de mensurar de alguma forma a qualidade da educação".
 Veloso recorda que existiam no Brasil anteriormente vários indicadores de quantidade, como taxa de
frequência, de matrícula e índice de escolaridade, mas que não havia uma medida de qualidade como as que foram implantadas nas últimas duas décadas.

O professor do Ibmec-RJ cita o exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos no período recente: "Em seu governo, Bush criou o No child left behind, um sistema de responsabilização, ou seja, você não só mede os resultados, mas responsabiliza as escolas pelo resultado. Isso não quer dizer culpar, mas saber qual é a contribuição da escola no contexto dela e estabelecer premiações e punições". O professor conta que, atualmente, "Obama, do partido adversário e com uma visão de mundo completamente diferente, deu um nome diferente para o programa, mas que, na essência, é muito parecido. Ele aprofundou e corrigiu alguns problemas do programa de Bush."

Veloso aponta que a nova administração está estabelecendo padrões mínimos de qualidade, pois lá os estados têm autonomia para fazer o sistema de avaliação e de responsabilização. "Alguns fizeram um programa bom e outros, um programa fraco." O economista complementa seu exemplo dizendo que esses sistemas não são ideológicos, pois o governo atual tem dado grande apoio às charter schools, que são escolas públicas com a gestão a cargo de organizações não governamentais ou mesmo do sistema privado, o que é visto em qualquer lugar do mundo como "atividade de mercado", diz ele.

"Não vejo ideologia nos Estados Unidos, mas sim a ideia de que você tem de mensurar e fazer o possível para melhorar", avalia. "E acho que no Brasil é igual: se pegarmos o governo Lula, talvez tirando os dois primeiros anos nos quais houve um desvio da atenção ao ensino básico que era dada no governo anterior mas que depois a retomou, no fundo, mesmo que ele não reconheça, o governo atual tem dado continuidade e aprofundado políticas adotadas no governo Fernando Henrique."

Veloso afirma que tais medidas são políticas de Estado, "o que não quer dizer que educadores e economistas concordem, mas acho que há um certo consenso de que qualquer política educacional bem feita tem de avaliar o resultado e usar essa avaliação para aprimorar". "É uma questão de princípio e não de ideologia", conclui.

José Leon Crochik, professor da Instituto de Psicologia da USP, também acredita que "estamos na era das grandes avaliações, não só no Brasil, mas em todo o mundo". E pondera que "isso é muito ruim quando se cria um ranking que torna a escola uma questão de mercado, mas, por outro lado, há uma preocupação com o índice de qualidade e com metas a serem perseguidas".

Escola e Estado

A determinação dos modelos de educação pelo Estado, ainda que seja para, na abordagem de certos espectros políticos, servir aos interesses privados, coloca nas mãos dos governos um importante instrumento ideológico. Em regimes despóticos, a ingerência do Estado é mais perceptível, mas ela não deixa de acontecer também em sistemas políticos democráticos.

Marcos Cassim problematiza que "se a escola não está sob a tutela do Estado, a sociedade não a reconhece, pois não há um certificado". "A escola não apenas produz o conhecimento, mas também o certifica."

Entretanto, ele enfatiza que se confunde educação com escola. "Escola é uma instituição do Estado e a educação é processo. A escola como aparelho do Estado é organizada de acordo com a visão desse Estado e das classes dominantes, mas no interior da escola acontecem processos diversos, às vezes não como afirmação, mas como negação", explica.

Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Passo Fundo Rosimar Esquisani, é possível haver contraideologia em relação ao Estado. "No Rio Grande do Sul, temos a gestão democrática do ensino público que tem dado certo em muitas instituições de ensino", revela. A escolha de diretores, a descentralização administrativa e a participação da comunidade nas decisões da escola podem alimentar ideologias muitas vezes contrárias ao que é de interesse do Estado ou de grupos dominantes.



O venezuelano Hugo Chávez: proposta de lei busca introduzir um maior controle da educação por parte do estado.






















Vale ainda ressaltar que muitas escolas hoje estão aparelhadas com redes de computadores e atendem a um alunado cada vez mais inserido em realidades tecnológicas que dividem espaço com conteúdos preparados pelo professor, com o material didático e com as diretrizes da escola. Ainda que a maior parte dos modelos educacionais se sustente na lógica livresca e do professor como guardião do conhecimento, os canais de consulta ao redor e dentro da escola são mais numerosos do que em outros tempos.

Sílvio Gallo acredita igualmente que a educação também pode produzir contraideologia o tempo todo, mesmo no espaço da escola. Ele observa que "na medida em que a educação é tratada como coisa pública, existe o lado importante do investimento do Estado na formação dos cidadãos e também o controle efetivo que o Estado exerce". Contudo, ressalta que "ao mesmo tempo que isso acontece, nós temos no âmbito das relações cotidianas da escola reações por parte dos professores, dos estudantes e do corpo diretivo. Não há uma assimilação direta e acrítica por parte desses indivíduos".

Para Gallo, nenhum modelo progride se não houver uma aceitação de todas as esferas envolvidas na educação, principalmente do docente. "O professor é o verdadeiro ator desse processo todo. Uma política educacional só acontece se o professor a assumir e a realizar."

Professores ideológicos

No cenário da educação brasileira é muito comum emergirem críticas a professores que expõem dentro da sala de aula suas afinidades ideológicas. Não são poucos os que defendem que a escola deve manter uma postura neutra e ensinar o que deve ser ensinado sem pender para discursos políticos. Mas será que a neutralidade na educação é atingível ou, até, desejável?

 "O que vemos nessas críticas ao professor ideológico são pessoas de extrema-direita criticando professores de extrema-esquerda ou pessoas de extrema-esquerda criticando professores de extrema-direita", crê Sílvio Gallo. Para a sua colega da Faculdade de Educação da Unicamp Ana Lúcia Goulart de Faria, "todo conhecimento é engajado, seja para as coisas melhorarem para todos, seja para melhorarem só para alguns."

Já José Leon Crochik alerta que "quando a educação se pretende neutra, equidistante, como se fosse possível abrir mão de si mesma e assumir um lugar imaginário sobre todo o mundo, aí se esposa talvez uma das piores ideologias".

No ponto de vista de Odair Sass, as críticas aos "professores ideológicos" acontecem porque "a ideologia não é vista na própria sequência pedagógica", ou seja, nas políticas educacionais, no material didático, na infraestrutura da escola. "Ela é individualizada na figura do professor."

Marcos Cassim identifica a ideia de neutralidade na educação como uma herança do pensamento positivista. Para ele, mesmo que a escola não se envolva em questões políticas, principalmente de política partidária, é preciso pensar a política como a capacidade de contribuir nas decisões.

Saviani também descarta a possibilidade de uma educação em que a questão ideológica não esteja presente. "Não existe conhecimento desinteressado. A ideologia é um elemento integrante da vida humana. O homem age sobre a natureza para transformá-la no interesse de sua própria sobrevivência. Ele conhece para dominar, conhecimento é poder."

Gallo acrescenta um aspecto desse processo: a formação de docentes. "A gente não tem homogeneidade na formação de professores. Vemos muitas críticas à universidade pública dizendo que formam professores ideológicos, que elas não preparam tecnicamente o professor, mas sim politicamente. Mas será que faz sentido uma formação estritamente técnica do professor? Uma boa formação técnica não está desvinculada de uma boa formação política e vice-versa", reflete.

A discussão, entretanto, recai sobre a capacidade de mediar debates e tensões ideológicas dos professores que se formam. Crochik nota que "a formação dos professores de uma maneira geral é muito imediata, concreta, precária, pouco afeita ao raciocínio, à imaginação, àquilo que seria próprio de um homem formado".

Os problemas de preparo desses professores acabam colocando na sala de aula profissionais acríticos ou doutrinários, o que, evidentemente, não é nada vantajoso para qualquer modelo de educação que se pretenda plural. "Não sou favorável a defender doutrinas na escola, mas sim que se passem as ideias dos pensadores de cada doutrina. Sou partidário da leitura do movimento da sociedade e das contradições visíveis nela", revela Crochík.

E como ficam os estudantes nesse processo de enfrentamento ideológico? Disse certa vez o crítico literário e cultural galês Raymond Williams sobre o processo de alfabetização na Europa depois das revoluções burguesas: "não há como ensinar uma pessoa a ler a Bíblia sem também ensiná-la a ler a imprensa radical".

Para saber mais
> A elite eclesiástica brasileira, de Sérgio Miceli, Cia. das Letras, 2009

> A ideologia alemã, de Karl Marx e Friedrich Engels (várias editoras)

> Aparelhos ideológicos de Estado, de Louis Althusser, Graal, 2007 (esgotado)

> A reprodução, de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Vozes, 2008

> Educação, ideologia e contra-ideologia, de Antônio Joaquim Severino, EPU, 1986 (esgotado)

> Estado militar e educação no Brasil, de José Willington Germano, Cortez, 1994 (esgotado)

> História das ideias pedagógicas no Brasil, de Dermeval Saviani, Autores Associados, 2007

> Ideologia e currículo, de Michael W. Apple, Artmed, 2006
Ideologia no livro didático, de Ana Lúcia Goulart de Faria, Cortez, 1996

> Ideologia, trabalho e educação, de Olinda Maria Noronha, Alínea, 2004
Massa e poder, de Elias Canetti, Cia das Letras, 2005

> Multidões em cena, de Maria Helena Capelato, Unesp, 2009

> Os intelectuais e a organização da cultura, de Antonio Gramsci, Civilização Brasileira, 1968 (esgotado)

> O que é ideologia, de Marilena Chauí, Brasiliense, 1997
Subjetividade, ideologia e educação, de Sílvio Gallo, Alínea, 2009

> Um mapa da ideologia, de Slavoj Zizek (org), Contraponto, 1997

Fonte: Revista Educação

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O “não” como regra, por Leandro Molina*


Há dias, uma pergunta atormenta a sociedade. Quais são os limites do ser humano para atingir seus objetivos na vida? Ainda é possível falarmos em ética, honestidade e humildade sem sermos considerados tolos?

Mas o que realmente assusta é o “não”. O caso de políticos recebendo dinheiro ou acertos de propina revela a facilidade de muitas pessoas levianas para dizer o não. Ao serem flagrados com dinheiro em pacotes, na cueca ou nas meias, políticos dizem em tom uníssono: “Não sei disso, não tenho envolvimento”.

O “não” é mais que uma negação. É o pseudoargumento de quem não tem argumento. É importante ressaltar que a sujeira não está escondida somente sob os tapetes em Brasília. Ela está presente no cotidiano das instituições, nas empresas e em nossas vidas. Quando um funcionário de uma empresa ou servidor de uma instituição pública usa métodos perversos para usufruir de algum benefício, seja financeiro ou na carreira, também está infringindo a ética que norteia a sociedade.

Nos processos mentais, independentemente dos instintos reprimidos do homem, sempre há causas para os pensamentos, sentimentos ou ações. Esse impulso que move de forma negativa e gera corrupção e desonestidade foge às leis do pensamento e à estrutura de personalidade dos cidadãos probos.

A tradição de corrupção está incutida em todas as sociedades. Não existe sociedade sem crime, sem violência e sem doença. O grande problema é quando conhecemos o crime e a doença e há conformação. Não é admissível que a desonestidade seja transformada em valor positivo. A educação seria um fator de extrema importância no combate a esse estado de leniência. Mas o ensino precisa ter capacidade para competir com as mais variadas formas de crime.

Cabe à sociedade o papel de decidir coletivamente os rumos do país. O cidadão está letárgico. Exemplos de crimes de “colarinho” e de mensaleiros geram uma divisão entre o mundo da nossa casa e o mundo da rua. O que acontece dentro de casa é nosso problema. O que acontece na rua é problema da rua. Esta divisão causa uma omissão do cidadão. Mas os cidadãos também têm responsabilidades.

A experiência democrática tem demonstrado que é preciso aprimorar as instituições de um país onde milhões de reais circulam por baixo do pano e a impunidade virou regra. O problema não é alheio. A isso acrescento uma frase do romancista francês Honoré de Balzac: “A resignação é um suicídio cotidiano”.

*Jornalista

Fonte: Jornal Zero Hora 
Imagem em: www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?ar.. 
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