O DNA não tem ideologia. Ou tem? Ele prova que todos nascem com o mesmo sistema de códigos e portanto são iguais – ponto para a esquerda – mas que cada indivíduo tem uma senha diferente, ponto para a direita, se bem que não necessariamente para os racistas. Na velha questão biologia x cultura, o DNA dá razão a quem diz que características adquiridas não são hereditárias, nenhuma experiência cultural afeta os genes transmitidos e a humanidade não ficará mais virtuosa com o tempo, muito menos socialista. Mas a própria descoberta do DNA e todas as projeções do que será possível fazer com a manipulação do material genético mostram como o ser humano pode, sim, interferir na sua própria evolução, e como existe nele uma determinação inata para o autoaperfeiçoamento. Parafraseando Marx: os cientistas sempre se preocuparam em compreender o ser humano, agora podem tratar de mudá-lo. Biologia não é, afinal, destino.
Mas a eugenia é uma ciência com uma péssima reputação. Seu apogeu anterior foi nos experimentos nazistas com prisioneiros durante a guerra. E o exato significado de “aperfeiçoamento” é discutível. Uma pessoa “melhor” é uma mais preparada, pela aparência e a capacidade físicas padronizadas, e pelo espírito empreendedor, para as competições da vida, ou uma pessoa mais solidária e mais tolerante com a variedade humana?
Essa indefinição ideológica dos nossos genes é apenas outra contribuição para uma longa lista de paradoxos. É “de esquerda” ser a favor do aborto legalizado e contra a pena de morte, enquanto direitistas defendem o direito do feto à vida, porque é sagrada, e o direito do Estado de matá-lo se ele der errado, embora sejam contra a interferência do Estado no resto da sua vida. A direita valoriza o indivíduo acima da sociedade, que é uma abstração, como dizia a Sra. Thatcher, mas aceita a desigualdade, ou o sacrifício de muitos indivíduos pelo sucesso de poucos, como natural. A esquerda muitas vezes atribui a um Estado impessoal ou a um líder superpersonalizado a incongruente realização de um ideal igualitário. Etcetera, etcetera. E, aparentemente, o DNA não vai nos dizer se estamos condenados a ser contraditórios de uma maneira ou de outra. Era só o que nos faltava, o DNA ser do centrão.
Feliz é a mosca, que tem mais ou menos a nossa estrutura genética mas absolutamente nenhuma curiosidade sobre o que ela significa.
Fonte: Jornal Zero Hora ,12 de março de 2009 - N° 15905
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