quinta-feira, 14 de junho de 2012

O circo chegou, por Danuza leão


Como é  que se vai vestida a uma Fashion Week? Eis um problema.
Toda de preto e oclão? Nem pensar. Modete? Nãão. Bolsona? Nãããão. Mas, afinal, o que é que está se usando agora? Não sei, ninguém sabe. Então, como ir vestida? De nada.
O clima no pavilhão da Bienal é bááárbaro; mulheres lindas de 1m90 de altura, 37 cm de cintura, 64 cm de quadris e 1m20 de perna. De chorar (de inveja).
De dois em dois minutos passam bandejas com guloseimas e bebidinhas (sem álcool); de três em três, alguém te convida para fazer uma maquiagem superfashion, e de repente não há mais lugar nos braços para todas aquelas pulseirinhas, que funcionam como convites para ingressar no paraíso e assistir aos desfiles.
Nem tente arranjar uma cadeira na primeira fila. Elas existem para os alguéns. No mundo da moda, é simples assim: quem não é alguém não é ninguém, e um ninguém, diga-se de saída, é capaz das maiores baixarias para ser considerado um alguém.
Cuidado, pois para ter um lugar ao sol dos holofotes, os golpes podem ser baixíssimos.
Os poucos eleitos que conseguem acesso à linha de frente entram em um universo onde tudo (de bom, é claro) pode acontecer: fotos, entrevistas para jornais, revistas e canais de televisão.
O mundo quer saber o que você pensa, o que você acha de toda e qualquer coisa: da moda, da CPI, da situação no Oriente Médio.
Entrevistados não ouvem as perguntas dos entrevistadores, que também não se importam em ouvir as respostas -e, para ser franca, nem precisa. Pra quê?
Enquanto São Paulo dá um show de mulheres bonitas e estilistas criativos, no Rio homens de terno escuro e gravata se reúnem para debater vagamente sobre o desenvolvimento sustentável. Quem diria...
Sem dúvida, a São Paulo Fashion Week é muito, muito luxuosa. Mas me pergunto: será que essa conta se paga? 

terça-feira, 29 de maio de 2012

Exercício da cidadania requer aprendizagem e prática


 Transformar princípios e valores em atitudes que beneficiam toda a sociedade é um exemplo de cidadania
Agência USP


 Atitudes como não jogar lixo na rua, dar lugar ao idoso em meios de transporte coletivo e esperar que as pessoas saiam do metrô antes de entrar são questões corriqueiras na vida da população que se encaixam perfeitamente na concepção de cidadania pretendida pelo cientista jurídico Ovídio Jairo Rodrigues Mendes. "No entanto, pela correria diária, essas atitudes não são observadas e acabam por se tornar problemas sociais. E a cidadania requer aprendizagem e prática, sob pena de funcionar como mero rótulo", destaca.
Mendes estudou o tema em sua dissertação de mestrado " Concepção da Cidadania", apresentada em 2010 na Faculdade de Direito (FD) da USP. De acordo com o cientista jurídico, simbolicamente, comportar-se como cidadão implica em quatro momentos: o surgimento do problema social (questões que afetam a comunidade), entendimento e análise lógica desta questão, procura racional de uma solução adequada para o caso, e a confirmação, para o cidadão, de que a solução encontrada satisfaz o problema social enfrentado.
Para Mendes a questão da cidadania está, hoje, mais vinculada a uma relação de consumo do que a um processo de formação de personalidade. "Quando a pessoa vai fazer um documento no Poupatempo, ela pega um pedaço de papel e, com este ato, se considera um pouco mais cidadã. Mas cidadania não é isso: é viver em harmonia com o outro, transformar princípios e valores em atitudes que não beneficiam só interesses individuais, mas interesses coletivos. Por exemplo, eu varro a rua para evitar que o lixo se acumule e prejudique tanto a mim quanto aos meus vizinhos", explica.
Segundo o pesquisador, a concepção de cidadania adquire seu formato de acordo com o problema a afligir a comunidade. O jurista argumenta que "talvez por isso seja tão difícil ser cidadão, principalmente em um país de tradição democrática recente como o Brasil e onde a educação formal não é valorada como elemento fundamental na diferenciação entre 'súdito' [aquele que  simplesmente segue a vontade do governante] e 'cidadão' [capacidade para procurar e agir de maneira mais autônoma possível em prol de interesses próprios, limitado tão somente pelo ordenamento legal e pelo respeito ao bem comum]".
A pesquisa de Mendes não teve a intenção de limitar-se à doutrina jurídicas (teorias de direito) e à jurisprudência (decisões do tribunais). O foco foi direcionado para "buscar uma maneira de elaborar uma teoria que o público comum e não só cientistas jurídicos ou pessoas esclarecidas se identificassem para uma conceituação do que seja cidadania".
Para realizar o estudo, o cientista jurídico considerou diferentes tipos de narrativa sobre a conceituação de cidadania nas teoria dos filósofos Aristóteles, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau; passando a uma análise das transformações sofridas pela concepção do termo no pós-independência no Brasil Império, no Estado Novo e no processo de redemocratização do Brasil, considerando questões políticas e econômicas; para, ao final, levantar algumas hipóteses sobre a espetacularização da cidadania e a transformação dos cidadãos em plateias para projetos de poder de políticos profissionais, principalmente na fase brasileira atual.
Segundo o pesquisador, o estudo não intenciona julgar as sociedades dos teóricos pesquisados e suas concepções de cidadania, mas sim apenas tê-las como modelo-padrão para a formação de um conceito baseado em valores e princípios simples de vida em sociedade, como o respeito ao outro e o respeito à liberdade.
Mendes assinala que a concepção de cidadania para não ser apenas formal, requer a capacidade de a pessoa dispor de objetivos racionalmente possíveis de como tornar concretos seus ideais. "Como toda regra, a formulação teórica de uma concepção de cidadania tem como primeiro passo a intuição para a identificação de regras sobre o assunto dentro da Constituição ou de leis inferiores, tornando a sua definição mais palpável ou palatável ao cidadão comum ", diz.

Visão egocêntrica de mundo

O pesquisador, no entanto, não se limita a questões individuais. "Muitas decisões governamentais não privilegiam a sociedade como um todo, mas o interesse de setores da população", conta. Ele cita o atual discurso de muitos meios de comunicação, sobre diversos acontecimentos cotidianos, como acidentes, enchentes, crimes. "Esse discurso vale-se de argumentações opinativas e não da lógica, e só acabam por inflamar a teia de queixas e reclamações vazias. Assim, os 'cidadãos' reclamam da ausência do Estado porque precisam encontrar um culpado pois pagam impostos e, por isso, devem ser servidos; enquanto que, do outro lado, o Estado se defende das reclamações, acusando os cidadãos de serem os provocadores para todas as desgraças cotidianas", destaca.
"A culpa está ao mesmo tempo dos dois lados. Falta a consciência de cada um ou uma orientação que esclareça dentro do conceito de cidadania a diferença entre achismos e racionalidade. O achismo é o não viver, pois não há reflexão; a racionalidade é ter a capacidade de interagir, de buscar causas e soluções, que se proponham críticas e equilibradas quanto a interesses individuais e coletivos", conclui.

Fonte:http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/0/exercicio-da-cidadania-requer-aprendizagem-e-pratica-207231-1.asp

quinta-feira, 8 de março de 2012

Entrevista publicada na edição nº 425, abril de 2012. Ideias e ideais de indignação global

Entrevista publicada no Jornal Mundo Jovem na edição nº 425, abril de 2012.
Ideias e ideais de indignação global

Christiana Soares de Freitas
     “É verdade que a maioria dos manifestantes não possui metas políticas definidas, não está organizada em torno de lideranças ou partidos. Mas isso não é suficiente para impedir uma transformação profunda nas sociedades contemporâneas. No mínimo, é o início de um processo de conscientização.”
     Este é o tom da entrevista com a socióloga e professora na Universidade de Brasília, Marcos Sandrini, sobre as manifestações que se espalharam pelo mundo em 2011, entre elas a que ficou conhecida como Ocupe Wall Street.


Christiana Soares de Freitas,
socióloga e professora na Universidade de Brasília.
Endereço eletrônico: cfreitas@unb.br

Mundo Jovem: Qual é a motivação do movimento Ocupe Wall Street e de outros similares espalhados pelo mundo?
Christiana Soares de Freitas: Entre os candidatos à personalidade do ano de 2011 da revista Time, destacaram-se celebridades como a duquesa Kate Middleton. Para surpresa de todos, a “personalidade” eleita foi o manifestante (the protester). Em extensa matéria que justifica a escolha, diversos jornalistas e alguns acadêmicos expuseram a força e o poder dos movimentos sociais ao longo de 2011.

     Se pensarmos em razões comuns a praticamente todos os protestos, podemos citar a busca por maior igualdade de condições entre os indivíduos, mais chances de obtenção de empregos e salários melhores, justiça social e democracia. Portanto existe um conjunto de ideias e de ideais que, de alguma forma, conecta manifestantes de todo o planeta como um efeito-dominó.

Mundo Jovem: Onde começaram essas manifestações?
Christiana Soares de Freitas: O primeiro movimento que observamos ocorreu na Tunísia, no dia 19 de dezembro de 2010. Mohamed Bouazizi, jovem de 26 anos, graduado, sem emprego, vendia frutas e vegetais em um pequeno carrinho empurrado a mão. Quando indagado pela polícia sobre sua licença para aquele trabalho, Bouazizi informou que não a possuía. A polícia confiscou seu carrinho. Desesperado, ele ateou fogo ao próprio corpo.

     Jovens da cidade, ao ouvir e ler sobre a fatalidade, iniciaram protestos contra o sistema político e econômico vigente no país. “Armados” de celulares e internet, eles começaram o movimento que em menos de 40 dias ocasionou a derrubada do então presidente Ben Ali, no poder havia 22 anos.

     A revolução na Tunísia foi resultado de uma grave crise econômica. A taxa de desemprego, entre a população de 15 a 29 anos, estava em 30%. Foram formados, como se disse, batalhões de jovens diplomados. Indivíduos escolarizados supostamente falariam “a linguagem refinada dos direitos humanos, da liberdade, da democracia”, como afirmou a jornalista Sarah Ben Néfissa, do Le Monde.

Mundo Jovem: Que bandeiras são defendidas?
Christiana Soares de Freitas: Após a revolta na Tunísia, populações de países vizinhos, como Síria e Argélia, também começaram a protestar contra a fome, o desemprego e a repressão política. No mês de janeiro, logo após a insurreição na Tunísia e inspirados pelas revoltas nesse país tão próximo, jovens do Egito aderiram às manifestações e aprenderam com os tunisianos a realizá-las. Em entrevistas, muitos afirmaram que as lições aprendidas com o país vizinho não eram apenas inspiradoras, mas práticas também. Possuíam um manual de como transformar uma ditadura em um regime democrático de forma pacífica.

     Alguns meses depois, surgiu o movimento Los Indignados na Espanha. Seu slogan apontava a direção dos protestos: “Nós não somos bens nas mãos de políticos e de banqueiros”. Logo após a Espanha, protestos na Grécia expressavam a indignação da sua população com a situação política e econômica. Enquanto os protestos na Grécia continuavam, movimentos similares espalharam-se por Israel e Inglaterra. Pesquisadores da London School of Economics afirmaram: “Esses manifestantes estão motivados pela raiva contra a pobreza, o desemprego e a desigualdade”.

Mundo Jovem: Como iniciou o movimento Ocupe Wall Street?
Christiana Soares de Freitas: Através do apoio dos meios de comunicação alternativos e da internet, os protestos tiveram início nos Estados Unidos. Mensagens no Twitter chamavam a população, e-mails afirmavam: “A América precisa de sua própria Tahir!” Um outro tweet conclamava a todos abertamente: “A nossa demanda: ocupar Wall Street no dia 17 de setembro. Tragam barracas”. Em poucos dias montou-se um acampamento em um espaço público, sem previsão de desocupação, visando a protestar democraticamente contra a situação norte-americana de crise econômica, desemprego e a ameaça de redução dos custos governamentais com gastos sociais. Com o slogan “Nós somos os 99%”, protestavam sem clareza exata de ações futuras para transformar a situação caótica da qual reclamavam.

     Além desses países, não podemos nos esquecer do México, do Chile, da Rússia, e de tantos que demonstraram a mesma indignação estampada nos rostos cobertos de substâncias para proteção contra gás lacrimogêneo e nas faces de mães desesperadas por perderem seus filhos por uma causa que começava a nascer com intensidade em todo o planeta: a luta por um mundo contra a injustiça social.

Mundo Jovem: Existe uma presença marcante da juventude?
Christiana Soares de Freitas: A faixa etária predominante entre os manifestantes é de 18 a 38 anos. Começam a perceber, nos meios de comunicação, formas de mobilização e de mostrar sua revolta com situações políticas e econômicas que não os favorecem em nada. O movimento contra a Reforma da Previdência, na França, no final de 2010, já pode ser apontado como o início desse momento histórico. Tendo como alvo inicial os aposentados, as manifestações terminaram com a presença maciça de jovens revoltados contra o sistema, segurando cartazes que perguntavam: “Estamos trabalhando para viver ou vivendo para trabalhar?.

Mundo Jovem: Quem organiza? Há lideranças?
Christiana Soares de Freitas: Essa é uma característica interessante dos movimentos: não há lideranças destacadas, previamente selecionadas. Observamos isso com clareza no Ocupe Wall Street. Esse pode ser um problema: ao mesmo tempo em que não ter um líder talvez possa significar mais democracia, essa característica gera uma ausência de planos e metas para transformar a situação a longo prazo.

Mundo Jovem: Como repercute no Brasil?
Christiana Soares de Freitas: No Brasil, assim como em outros países em que observamos as manifestações, percebemos características de um tipo específico de associativismo, observado a partir da década de 1990. Ele resulta de processos de mobilizações de indivíduos não associados, na maioria das vezes, a militantes que seguem diretrizes de alguma organização. Essas formas de mobilização não se configuram como um ativismo de militância político-ideológica, mas um ativismo voltado para questões humanitárias, em que podem ocorrer mobilizações pontuais, como protestos contra a corrupção, por exemplo.

     Em Brasília, tivemos inúmeros exemplos desse tipo de protesto. No início de 2008 foram descobertos atos de corrupção cometidos pelo então reitor da UnB. A principal arma dos estudantes foram os blogs criados para informar os grupos envolvidos e traçar estratégias de ação para o alcance dos objetivos estabelecidos pelo movimento. No dia 13 de abril, após a ocupação da Reitoria pelos estudantes, o reitor pediu exoneração do cargo.

     Exemplo mais recente ocorreu no dia 7 de setembro de 2011: um protesto organizado exclusivamente pelo Facebook levou mais de 20 mil pessoas às ruas de Brasília pela cassação de Jaqueline Roriz. Na página oficial do evento, no Facebook (“Todos juntos contra a corrupção”), 27.206 pessoas confirmaram a participação.

     No Amazonas, jovens de uma pequena cidade da região organizaram a Rádio Japiim, uma rede comunitária que utiliza a internet para informar a população local sobre questões essenciais de saúde. É um meio que conecta a população e que tem poder de fazer com que essa minoria se organize politicamente. A juventude descobriu um instrumento de luta e conscientização de sua população.

Mundo Jovem: São sinais de que o sistema econômico e político atual está em declínio?
Christiana Soares de Freitas: Não necessariamente. Entretanto temos uma certeza: os movimentos começaram, especialmente na Europa e na América, porque a população já não está mais extasiada com as mudanças e os benefícios do capitalismo informacional, especialmente os da primeira década do século 21, quando a internet abria a todos portas inimagináveis de comunicação, informação e interação. Fica claro que os indivíduos, agora, querem mais do que isso. Uma vez dominadas as tecnologias da informação, pessoas das mais diversas nacionalidades começam a perceber que elas podem contribuir para transformações mais profundas no mundo que beneficiem a paz, a democracia e a justiça.

     Tão importante quanto observar um possível declínio do sistema econômico atual é refletir sobre o significado de se fazer política no início do século 21. A expansão e o redimensionamento das relações sociais e das mobilizações espontâneas revelam-se tão ou mais significativas do que a participação por meios democráticos clássicos, como o voto ou a filiação partidária. As novas formas de ação e de mobilização política favorecem e expandem a democracia participativa.


Ciberativismo e transformação social

     O principal fator que faz a internet colaborar imensamente para o sucesso dessas manifestações é a sua possibilidade de transformar qualquer tweet, qualquer post, qualquer vídeo em algo viral. A notícia ou o vídeo da morte de um rapaz em plena praça pública, como em Tahir, por exemplo, pode mobilizar, rapidamente, milhares de pessoas.

     O ciberativismo político, observado nos países das manifestações, foi um movimento em prol da dignidade humana, contra a corrupção, reivindicando liberdade de expressão, emprego e democracia. Uma característica marcante desses movimentos é que não estão relacionados, diretamente, a formas institucionais de mobilização política. Outro traço importante é a possibilidade de ampliação das formas de exercício da cidadania por meio das mobilizações políticas em mídias sociais.

     As ações no ciberespaço, associadas a mobilizações no espaço físico, geram formas específicas de organização dos cidadãos, podendo ampliar seu poder de reivindicação e conquista de direitos. Ou seja, as possibilidades de mobilização sofrem um impulso significativo quando associadas aos recursos da mobilidade tecnológica, principalmente dos celulares com acesso à internet.

     A camada da população que utiliza as tecnologias da informação e comunicação para promover suas lutas e reivindicações tem aprendido a exercer a cidadania nos diversos espaços públicos existentes, inclusive naqueles do ciberespaço. Isso pode vir a colaborar para uma progressiva conscientização política, levando os indivíduos à organização e ao clamor por transformações. É a conscientização política que faz com que as mídias sociais sejam utilizadas para impulsionar mudanças.

     A ideia central aqui sugerida, portanto, é a de que as relações humanas transformam as mídias sociais e são por elas transformadas. Práticas individuais e coletivas orientam o desenvolvimento e a expansão das mídias sociais e, ao mesmo tempo, são por elas orientadas. Existe a possibilidade de ampliação da participação de indivíduos e grupos nas esferas públicas e, com isso, a potencial alteração de padrões de comunicação, de manifestações políticas e de exercício de cidadania. 
Fonte: Jornal  Mundo Jovem - Edição número 425 - Abril/ 2012


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