sábado, 27 de março de 2010

Ideologia na cartilha

Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro,as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos rasos e tom panfletário. Matemática que é bom...


Marcelo Bortoloti

Fotos
À caça de bons mestres
O colégio paulistano São Domingos e o estadual Pedro Álvares Cabral (no detalhe), no Rio: um desafio em comum


Os 8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia - disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos colégios privados também se espelha em algum grau. A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores - verdadeiro absurdo. Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história). Sem dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman: "Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo".

O viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais currículos. Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo - e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883). Diz a doutora em ciências sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original". Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos apenas realistas".

Sob a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971. Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001, projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso. À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os estados seriam altos demais e que não havia no país professores em número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais 20 000 professores no país inteiro. Trata-se de algo temerário, segundo alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo.

Ao obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já provou. Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil". Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.



Fonte: Revista Veja

sexta-feira, 19 de março de 2010

P.A.S., por Carlos Eduardo Richinitti*


Sou da geração que nasceu e se criou sob a égide da inflação, aquela que corroía salários e fazia com que o dinheiro valesse menos a cada pôr do sol. Em determinado momento, cheguei a pensar que jamais teria a possibilidade de viver em um país civilizado, onde o preço das coisas fosse o mesmo por meses, quando não por anos. Pois bem, o Brasil, após abandonar planos inconsistentes e aventureiros, a partir de um planejamento bem estruturado, que não pretendia resultados imediatos, praticamente acabou com o mal da inflação.

Este é o exemplo que devemos seguir para enfrentar a violência e a insegurança descontrolada que imperam em nosso país. Chega de discursos ou ações imediatistas. Observe-se que no Brasil, a cada morte violenta que impacta a nação, a reação quase sempre é a mesma, se faz uma passeata e depois se propõe aumento de penas, para depois tudo acabar em esquecimento, até que uma nova vítima da barbárie nos lembre do horror de nosso tempo.

Não tenhamos dúvidas, estamos sob o jugo de um exército de zumbis, filhos da droga, da natalidade irresponsável e da impunidade, verdadeiros monstros, para os quais matar ou morrer não faz qualquer diferença.

Para enfrentar esse verdadeiro estado de guerra, mais do que PAC, o que necessitamos é de P.A.S. (Plano de Aceleração da Segurança), em que haja um planejamento estruturado e competente, que busque resultados não só imediatos. Entre tantas outras medidas, carecemos de uma polícia valorizada, eficiente, atuando com inteligência, de forma concatenada e ostensiva. Afastemos o sentimento de impunidade que impera no país, colocando-se atrás da grade os marginais de gravata que desviam milhões dos cofres públicos e com quem quase sempre nada acontece. Precisamos de um Judiciário forte, que tenha prisões dignas para colocar criminosos e não calabouços medievais, verdadeiras fábricas de monstros, mas também que esteja atento à realidade das ruas, de forma que garantismo seja sinônimo de garantia de punição justa e não do interesse individual se sobrepondo ao de toda uma coletividade.

Vencemos a inflação e podemos acabar com a insegurança que aí está, basta que façamos o mesmo que acabou com aquele mal, estruturando, priorizando e executando um plano consistente, afastando-se soluções midiáticas e imediatistas que a nada levam. Isto é prioridade, até porque de nada adianta ter estabilidade econômica e poder de compra se cada vez for menor a probabilidade de se sair de casa pela manhã e voltar com vida à noite.


*Juiz de Direito

Fonte: Jornal Zero Hora
imagem em: resgatedahonra.blogspot.com

sexta-feira, 12 de março de 2010

Verdade e política, por Astor Wartchow*


Entre os vários substantivos que viabilizam a democracia, e outros tantos adjetivos que a caracterizam, uma palavra-chave merece mais atenção e mais zelo de todos nós. Refiro-me a verdade.

O direito à verdade dos fatos sociais deve ser uma garantia democrática. Mais que uma garantia, deve ser uma virtude pública.

A busca da verdade faz parte da essência humana. Em todas as áreas da vida. Mas, quando a verdade é fabricada, deixa de ser verdade. Torna-se matéria-prima da mentira.

Histórica e secularmente, o exercício do poder tem-se utilizado da mentira e da verdade pré-fabricada. Quando a verdade é manipulada, a mentira vence e aumenta seu poder de simulação e esconderijo de outras verdades.

Nunca é demais, nem tardio, relembrarmos que o regime democrático está concentrado na sociedade e em cada cidadão. E o seu exercício através dos eleitos.

Infelizmente, nosso sistema político representativo se afastou da sociedade. E a nossa participação tem-se limitado ao comparecimento periódico às urnas e a volta para casa. Mansamente.

Dirão que não. Que estou exagerando. Afinal, nunca houve tanta liberdade de ação e opinião. Sim, e daí? Para que serve tudo isso se o que estamos vivenciando é a inversão de valores?

Estamos ou não estamos à margem da atuação das esferas políticas, à mercê dos que estão no exercício das formas de poder? Somos meros espectadores. Não somos participantes. E por que não participamos? Por que somos espectadores? Porque nossa democracia deixou de produzir a verdade e a autenticidade deixou de cultuar os melhores e essenciais valores.

A verdade e a autenticidade são essenciais na sociedade como fatores de produção de questionamentos e transformações sociais. Geram descobertas, participação e fiscalização. E refutam, com vigor, as imposturas e as imposições.

E o que é o voto, ou deveria ser o voto? Não é, a rigor, o depósito de nossas convicções, de nossas crenças, de nossas verdades, nas mãos e consciência dos representantes? Ou dos parlamentares e governantes, como acontece na política?

E o que sucede se isso é frustrado, rotineiramente frustrante e decepcionante? Na medida em que se sobrepõem os interesses individuais, ou se desconstrói a verdade, a política perde seu sentido.

Mas o mais significativo e odioso, sim, odioso, é que na medida em que a política perde seu sentido, mas preserva sua institucionalidade, sua exigência social, as meias e falsas verdades, as verdades ocultas e a permanente manipulação “aprisionam” a população.

Isso que chamamos de política, mas que não é a verdadeira política, acaba funcionando como um controle das possibilidades ação e reação popular.

As falsas, meias e ocultas verdades modificam os fatos e consequentemente a própria história. O passado já não podemos mudar porque é passado. E o futuro resta manipulado.

De um modo ou de outro, a sociedade percebe isso. Sente a manipulação. Sente, vê, mas não reage. Ao final, a generalizada e hegemônica memória curta popular esquece sua revolta, renova mandatos, repete formulismos e mágicas crenças.

Mas ensina o filósofo de plantão que a mentira e a manipulação são da natureza humana. Estão ao nosso alcance. Assim como a liberdade.

Se estão ao nosso alcance tanto a verdade quanto a liberdade, por que continuamos mentindo para nós mesmos?



sábado, 6 de março de 2010

O que temos a comemorar?, por Cesar Pereira Lima*



“Somos da geração nós fazemos (e não temos) tudo.

Ainda não temos os melhores salários, assumimos a

maioria dos trabalhos domésticos e cuidados com as crianças.

Estupro e violência doméstica não são tratados como

crimes. Na verdade – ainda somos cidadãs de segunda classe.”

Marian Keyes, escritora irlandesa (2007)

Oito de março de 1857, uma fábrica de tecidos é fechada, cercada por policiais e incendiada em Nova York. Oito de março de 1910, é instituído o Dia Internacional dos Direitos da Mulher, na Dinamarca. A fábrica foi incendiada com as trabalhadoras dentro como represália às suas reivindicações – redução da jornada de trabalho de 16 para 10 horas, equiparação salarial com os homens e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.

Fevereiro de 2010, o governo francês nega cidadania a homem que obrigava sua mulher, francesa, a cobrir o rosto com um véu – ele não merecia receber o benefício da nacionalidade. Ao mesmo tempo, foi proposto projeto que multa em 750 euros quem usar a burca em público. O presidente Sarkozy classificou-a de “signo de servidão”, contrário à ideia da República Francesa sobre a dignidade da mulher. Além disso, declarou que a veste “não é bem-vinda ao território francês”.

Esta luta é antiga. Durante a Revolução Francesa (1789), os filósofos Condorcet e Lyégès tentaram, infrutiferamente, estender os direitos civis às mulheres. Pode-se constatar que esta discriminação continua viva e ativa transcorridos mais de 220 anos da revolução e cem anos do Dia Internacional da Mulher, que ora transcorre.

Instrução e o acesso à universidade também são marcos importantes nesta caminhada. Foi uma gaúcha de Rio Grande, Rita Lobato, que, vencendo a hostilidade inicial dos colegas e professores, graduou-se em 10 de dezembro de 1887 na Faculdade de Medicina da Bahia. Feminista e política, só pôde iniciar seus estudos após o Decreto-Lei nº 7.247, de 19 de abril de 1879, rubricado por dom Pedro II, superando a discriminação da época.

O direito ao voto, que pretendia tornar as mulheres cidadãs de primeira categoria, ocorreu com a instituição do sufrágio universal, em 1918 na Inglaterra e em 1934 no Brasil.

Outra grande vitória foi a possibilidade da prática sexual sem as consequências de gravidezes indesejadas. Isto ocorreu graças a Gregory Goodwin Pincus, que em 1956 descobriu a pílula anticoncepcional, criando um contraceptivo seguro e simples que revolucionou o planejamento familiar e a prática sexual. Em 1960, o FDA licenciou o Enovid, a primeira pílula anticoncepcional.

Tão ou mais importante que os véus faciais, são os criados para aprisioná-las em situações inferiores e subalternas, realidades em que falta o ar da liberdade, com a falsa premissa de que isto é feito para sua proteção.

Um exemplo é o libelo contra a discriminação da figura feminina tão bem explicitado na personagem Precious, do excelente e emocionante filme Preciosa, concorrente ao Oscar de melhor filme em 2010. Preta, gorda, pobre, menor, semianalfabeta, de família desestruturada, com dois filhos resultantes de estupro paterno e HIV positiva, ela luta para sobreviver em seu mundo hostil.

Essas conquistas e avanços são acessíveis a todas as mulheres do mundo? Quantos centenários do Dia Internacional da Mulher não teremos de passar até que a igualdade e o respeito pela condição feminina sejam universalmente incorporados pelo planeta?

*Médico e professor universitário

Fonte: Jornal Zero Hora


Blog Widget by LinkWithin