quinta-feira, 30 de abril de 2009

Mapa mostra casos de gripe suína

Confira o avanço da doença que já atinge dez países no mundo. A Espanha registrou nesta quarta (29) o primeiro caso de transmissão do vírus entre pessoas fora do México
REDAÇÃO ÉPOCA

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Nexo causal, por Aloyzio Achutti*

Chegam todos os dias notícias sobre novas falcatruas, sobre crimes, roubos, mentiras e os mais diversos desvios de comportamento, a ponto de se perguntar se alguém escapa. Onde está a normalidade? Foi sempre assim? Por quê?

Sabe-se que o comportamento se molda socialmente, pelo exemplo, pela imitação e pela formação cultural. A mera observação nos mostra – e também foi experimental e cientificamente demonstrado – que as pessoas tendem a se adaptar ao ambiente físico e cultural onde transitam. Num espaço limpo e ordenado, procura-se mantê-lo como foi encontrado. Na sujeira e na bagunça, não há respeito e, onde não há definição de limites, tudo é permitido.

Tem se discutido bastante a falta de disciplina nas escolas e agressão aos professores e outros funcionários de serviços públicos. Os baixos salários já expressam numericamente o desrespeito da sociedade por certas atividades. O aspecto dos prédios escolares e de ambulatórios, as moradias (se este nome pode ser atribuído a tugúrios, ranchos e favelas), os equipamentos urbanos e tantos outros sinais externos denunciam a desvalorização social de certas áreas. O que mais se pode esperar das pessoas que assim vivem? A desigualdade sociocultural não só causa doença, mas também é sintoma de uma sociedade doente que aceita conviver com parte de seu corpo degradado.

Em busca da determinação da saúde e das doenças, fala-se muito em desigualdade e, ao analisá-la, em geral o foco da atenção é o extremo pior dotado: os pobres e socioculturalmente marginalizados. Obviamente, a perspectiva populacional tem que ser global, e a dispersão é fruto de um fenômeno dinâmico que se automantém.

Dei-me conta de que pouco se considera o polo “bem-sucedido”, merecedor também de atenção especial porque, embora minoritário, detém o poder e, no mínimo, se satisfaz com essa situação enquanto não surgem ameaças ao privilégio e à hegemonia. Não é a cor da pele nem a dos olhos que os identifica, pois a desigualdade só se sustenta dentro de um equilíbrio no qual cadeias de interesse se estendem por redes secundárias, com graus variados de benefício.

Assim, no topo, a classe política – frequentemente agindo como se estivesse acima das leis – chega a seus nichos, carregada pelos nossos votos e de toda uma corriola desconhecida que só aparece quando há escândalo.

Outro grupo não menos poderoso, o dos traficantes de drogas e de armas, agindo à margem das leis, consegue sucesso porque beneficia uma extensa rede que inclui todas as classes sociais até chegar aos usuários.

O convívio com a corrupção, com a exceção que vira regra, com o privilégio junto à marginalidade, com o sucesso da safadeza, com o abuso da autoridade, termina por desmoralizar qualquer pacto social.

Buscando as causas das causas e até onde se estendem as interligações dessas redes, é de se perguntar se todo o mundo já não está envolvido e contaminado, já que se permite e muitas vezes se tira algum proveito desta situação?!...

*Médico A desigualdade sociocultural não só causa doença, mas também é sintoma de uma sociedade doente


Fonte: Jornal Zero Hora - 29 de abril de 2009- N° 15954

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Resumo do livro 1984 de George Orwell

Autor: Duplipensar - Publicado em 24.07.2004

No mais famoso romance de George Orwell, a história se passa no "futuro" ano de 1984 na Inglaterra, ou Pista de Pouso Número 1, parte integrante do megabloco da Oceania.


É comum a confusão dos leitores com o continente homônimo real. O megabloco imaginado por Orwell tem este nome por ser uma congregração de países de todos os oceanos. A união da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), Reino Unido, Sul da África e Austrália não parece estar tão distante da realidade.


E a transformação da realidade é o tema principal de 1984. Disfarçada de democracia, a Oceania vive um totalitarismo desde que o IngSoc (o Partido) chegou ao poder sob a batuta do onipresente Grande Irmão (Big Brother).

Narrado em terceira pessoa, o livro conta a história de Winston Smith, membro do partido externo, funcionário do Ministério da Verdade. A função de Winston é reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do Partido. Nada muito diferente de um jornalista ou um historiador. Winston questiona a opressão que o Partido exercia nos cidadãos. Se alguém pensasse diferente, cometia crimidéia (crime de idéia em novilíngua) e fatalmente seria capturado pela Polícia do Pensamento e era vaporizado. Desaparecia.

Inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 30 e 40, o livro não se resume a apenas criticar o stalinismo e o nazismo, mas toda a nivelação da sociedade, a redução do indivíduo em peça para servir ao estado ou ao mercado através do controle total, incluindo o pensamento e a redução do idioma. Winstom Smith representa o cidadão-comum vigiado pelas teletelas e pelas diretrizes do Partido. Orwell escolhera este nome na soma da 'homenagem' ao primeiro-ministro Winston Churchill com o uso do sobrenome mais comum na Inglaterra. A obra-prima foi escrita no ano de 1948 e seu titúlo invertido para 1984 por pressão dos editores. A intenção de Orwell era descrever um futuro baseado nos absurdos do presente.

Winston Smith e todos os cidadãos sabiam que qualquer atitude suspeita poderia significar seu fim. E não apenas sair de um programa de tv com o bolso cheio de dinheiro, mas desaparecer de fato. Os vizinhos e os próprios filhos eram incentivados a denunciar à Polícia do Pensamento quem cometesse crimidéia. Fato comum nos regimes totalitários.

Algo estava errado, Winston não sabia como mas sentia e precisava extravassar. Com quem seria seguro comentar sobre suas angústias? Não tendo respostas satisfatórias, Winston compra clandestinamente um bloco e um lápis (artigos de venda proibida adquiridos num antiquário).

Para verbalizar seus sentimentos, Winston atualiza seu diário usando o canto "cego" do apartamento. Desta forma ele não recebia comentários nem era focalizado pela teletela de seu apartamento. Um membro do Partido (mesmo que externo como Winston) tinha de ter um teletela em casa, nem que fosse antiga. A primeira frase que Winston escreve é justificavel e atual: Abaixo o Big Brother!

A vida de repressão e medo nem sempre fora assim na Oceania. Antes da Terceira Guerra e do Partido chegar ao poder, Winston desfrutava uma vida normal com os seus pais.

Mesmo Winston tinha dificuldades para lembrar das recordações do passado e da vida pré-revolucionária. Os esforços da propaganda do Partido com números e duplipensamento tornavam a tarefa quase impossível já que o futuro, presente e passado eram controlados pelo Partido.

O próprio ofício de Winston era transformar a realidade. No Miniver (Ministério da Verdade), ele alterava dados e jogava os originais no incinerador (Buraco da Memória) de tudo que pudesse contradizer as verdades do Partido. A função de Winston é uma crítica à fabricação da verdade pela mídia e da ascenção e queda de ídolos de acordo com alguns interesses.

O Partido informa: a ração de chocolate semanal aumenta para 20g para cada cidadão. O trabalho de Winston consistia em coletar todos os dados antigos em que descreviam que a ração antiga era de 30g e substitui-los pela versão oficial. A população agradece ao Grande Irmão pelo aumento devido aos propósitos midiáticos do poder. Winston entendia que adulterava a verdade, por muito tempo ele encobria a verdade para si, mas, aos poucos, ele começava a questionar calado e solitariamente. O medo de comentar algo era um dos trunfos do Partido para o controle total da população. Winston tinha esperança na prole. Na sua ingênua visão, que confunde-se com a biografia de Orwell em sua visão durante a guerra civil espanhola, a prole é a única que pode mudar o status quo.

Winston lembra dos "Dois minutos de ódio", parte do dia em que todos os membros do partido se reunem para ver propaganda enaltecendo as conquistas do Grande Irmão e, principalmente, direcionar o ódio contido contra os inimigos (toteísmo usado amplamente pelo ser humano: odeie o seu inimigo e se identifique com o seu semalhante). Durante este ato, Winston repara num membro do Partido Interno, seu nome é O'Brien. Winston separou-se devido à devoção de sua esposa ao Partido. Ela seguia as determinação que o sexo deveria ser apenas para procriação de novos cidadãos. O sexo como prazer era crime. Ao ver uma bela mulher, lembrou-se da última vez que fizera sexo. Havia três anos e com uma prostituta repugnante. Boicotar o sexo, como pretendem os atuais donos-do-mundo é uma das forças-motrizes para dominar a mente. Winston anotava tudo o que se passava pela sua cabeça. Um exercício proibido mas necessário. Anotar e lembrar pode ser muito perigoso. O caso mais escandaloso que revoltava Winston era o de Jones, Aaronson and Rutherford, os últimos três sobreviventes da Revolução. Presos em 1965, confessaram assasinatos e sabotagens em seus julgamentos. Foram perdoados, mas logo após foram presos e executados. Após um breve periodo Winston os viu no Café Castanheira (Local mal-visto pelos cidadãos que não queriam cometer crimidéia). No ano do julgamento Winston refez uma matéria sobre os três 'traidores'. Recebeu através do tubo de transporte que eles estavam na Lestásia naqueles dias, mas ele sabia que eles confessaram estar na Eurásia (naquela época a Eurásia era a inimiga, mas num piscar de olhos, a Lestásia deixava de ser a aliada e passava a ser a inimiga).

Esta é uma crítica às alianças políticas, principalmente ao pacto de Hitler e Stalin. Os nazistas chegaram ao poder financiados também por setores dos EUA para combater o avanço do comunismo. Durante a vigoração do pacto, a aliança entre Moscou e Berlim sempre existiu para a população dos dois países. Eles não eram amigos, eles sempre foram amigos! No ano seguinte, rumo ao 'espaço vital alemão', os russos sempre foram os inimigos. Sempre tinham sido. Bastante atual se compararmos o apoio logístico e bélico dado aos estaduinedenses a Saddam Hussein e Osama bin Laden para combater o comunismo. Agora, eles são os inimigos eternos.

A mentira do Partido era a prova que Winston procurava para si. Havia algo podre na Oceania. Winston, que era curioso mas não era burro, joga o papel que podia incriminá-lo no buraco da memória. Revoltado, escreve no seu diário que liberdade é poder escrever que dois mais dois são quatro. As fábricas russas ainda contém placas com o lema: dois mais dois são cinco se o partido quiser.

Não era bem-visto que membros do Partido freqüentassem o bairro proletário. Winston estivera havia poucos dias no mesmo local para comprar seu diário. Depois de um costumaz bombardeio, Winston entrevista pessoas sobre como era a vida antes da guerra, mas os idosos não lembram mais, apenas futilidades e coisas pessoais. Ao voltar ao antiquário o propietário tem uma surpresa para o curioso por antiquidades. Winston esperava ver algum objeto anterior ao Partido, mas o que o sr. Carrrington lhe mostra é um quarto com arrumação e mobílias antigas. Sem teletelas.

Winston, ao sair do antiquário, vê uma mulher e desconfia que ela seja uma espiã da Polícia do Pensamento. No dia seguinte, a encontra no Ministério da Verdade, o que aumenta o seu temor em ser denunciado. Ao passar por Winston, ela simula uma dor para desviar a atenção das teletelas, e lhe passar um bilhete escrito: "Eu te amo".

As normas do Partido deixavam claro que membros do Partido, principalmente dos sexos opostos, não deveiam se comunicar a não ser a respeito de trabalho. Passaram-se semanas em conversas fragmentadas até conseguirem marcar um encontro num lugar secreto longe dos microfones escondidos. Winston só descobre seu nome após beijá-la. Júlia confessa que ficou atraída por Winston pelo seu rosto que parecia ir contra o partido. Estava na cara que Winston era perigoso à ordem e ao progresso.

Winston se surpreende ao saber que Júlia se 'apaixonava' com facilidade. O desejo dela era corromper o estado por dentro, literalmente. Para continuar seu romance com Júlia, Winston têm a idéia de alugar aquele quarto do antiquário.

Winston ficou impressionado e passou a acreditar que Júlia seria uma ótima companheira de guerra. Por enquanto, era a pessoa que Winston podia compartilhar seus sentimentos e secreções. Apaixonado, ele recupera peso e saúde. Enquanto isso, o partido organizava a "A Semana do Ódio " (paródia dos mega-eventos políticos, principalmente as Reuniões de Nuremberg promovidas pelo partido Nazista e das paradas militares comunistas) e algumas pessoas desapareciam. Syme, filologista que dedicava-se a finalizar a décima-primeira edição do Dicionário de Novilíngua, tornou-se impessoa. Seu nome não estava mais nos quadros. Nunca esteve.

Certo dia, O'Brien, um membro do Partido Interno, percebe também que Winston era diferente dos outros. O'Brien o convida, para despistar as teletelas, a ir ao seu apartamento ver a nova edição do dicionário de novilíngua. O convite de O'Brien era incomum e fez Winston se animar com a possibilidade de uma insurreição. Ele passa a crer que a Fraternidade não era apenas peça de propaganda, a organização anti-Grande Irmão responsável por todos os danos causados na Oceania tal qual Bola-de-Neve em a "Revolucão dos Bichos".

Winston leva Júlia ao encontro. Para espanto do casal, O'Brien desliga a teletela de seu luxuoso apartamento. Alguns integrantes do partido Interno tinham permissão para se desconectar de suas 'bandas-largas' por alguns instantes. Winston confessa seu desejo de conspirar contra o Partido, pois acreditava na existência da Fraternidade e para tal suas esperanças estavam depositadas em O'Brien. Os planos eram regados a vinho digno, artigo inviável para os integrantes do Partido Externo, e o brinde destinado ao líder da Fraternidade, Emanuel Goldstein. Dias depois, Winston recebe a obra política de Goldstein em seu cubículo.

Winston "devora" o livro enquanto Júlia não demonstra o mesmo interesse. Winston ainda acredita nas proles mesmo ao ver uma mulher cantando uma música pré-fabricada em máquinas de fazer versos. Nada muito distante da música atual. "Nós somos os mortos" filosofa Winston ao contemplar a vida simples da prole. A ignorância dos menos abastados não era perigo para o Partido e, portanto, não sofria tanta repressão quanto os membros, superiores e inferiores do Partido, a classe-média. "Nós somos os mortos" repete uma voz metálica. Sim, era uma teletela escondida atrás de um quadro. Guardas irrompem o quarto e Winston vai para uma cela, provavelmente, no Ministério do Amor.

Até as celas tinham teletelas que vigiavam cada passo de um Winston doente e faminto. Os prisioneiros têm a fisionomia dos do campo de concentração. Ao encontrar O'Brien, Winston que pensara que ele também fora capturado, escuta a frase mais enigmática do livro: "Eles me pegaram há muito tempo".

Winston vai para uma sala e O'Brien torna-se o seu torturador. O'Brien explica o conceito do duplipensar, o funcionamento do Partido e questiona Winston das frases de seu diário sobre liberdade. O'Brien não esquece o que o Winston escreveu. A liberdade é o tema para que O'Brien explique durante a tortura o controle da realidade. Se fosse necessário deveriam haver quantos dedos em sua mão estendida o partido quisesse. A verdade pertence ao Partido já que este controla a memória das pessoas. Winston, torturado e drogado começa a aceitar o mundo de O'Brien e passa ao estágio seguinte de adaptação que consiste em: aprender, entender e aceitar Winston sabia que já estava se adaptando e confessando que a Eurásia era inimiga e que nunca tinha visto a foto dos revolucionários. Mas ainda faltava a reintegração e este ritual de passagem só podria ser concluído no Quarto 101. Segundo O'Brien, o pior lugar do mundo.

O Quarto 101 é um inferno personalizado. Como Winston tem pavor de roedores, os torturadores colocaram uma máscara em seu rosto com uma abertura para uma gaiola cheia de ratos famintos separada apenas por uma portinhola. A única forma de escapar era renegar o perigo maior ao Partido, o amor a outra pessoa acima do Grande Irmão. "Pare. Faça isso com a Júlia." Grita Winston.

Winston, libertado, termina seus dias tomando Gim Vitória e jogando sozinho xadrez no Castanheira Café. Ao fundo, seu rosto aparece na teletela confessando vários crimes. Ele foi solto e teve sua posição rebaixada para um trabalho ordinário num sub-comitê. Trajetória de milhares de pessoas de regimes totalitários, como o tcheco Thomaz de "A Insustentável Leveza do Ser" de Milan Kundera, o caso do médico que vira pintor de paredes ao renegar as ordens do partido não é muito diferente daqueles que não se adaptam em suas profissões no mundo livre S/A.

Júlia escapa também do Quarto 101. O Partido os separou e os dois só voltaram a se encotrar ocasionalmente. Já não eram mais as mesmas pessoas. Tinham "crescido" e se traído. Wisnton, no Café Castanheira, sorri. Está completamente adaptado ao mundo. Finalmente ele ama o Grande Irmão.

Livro citado pelo autor do artigo:

• Livro 1984 - Edição Comemorativa - GEORGE ORWELL


Principais personagens: Winston Smith; Júlia; O'Brien; e Grande Irmão (Big Brother).
Outras personagens: Sr. Carrington; Parsons; Syme; Tillotson; Martin; Jones; Rutherford; e Mãe de Winston.
Características da obra: Novilíngua; As Teletelas; Divisão das classes; e O livro de Goldstein.
Adaptações : cinema e tv.

Saiba mais sobre o livro 1984 de George Orwell
Saiba mais sobre a Biografia de George Orwell
Saiba mais sobre George Orwell

Obras de George Orwell - Romances:
Dias na Birmânia - Burmese Days (1934)
A Filha do Reverendo - A Clergyman's Daughter (1935)
Mantenha o Sistema (O Vil Metal) - Keep the Aspidistra Flying (1936)
Um Pouco de Ar, Por Favor! (Na sombra de 1984) - Coming up for Air (1939)
A Revolução dos Bichos (O Triunfo dos Porcos) - Animal Farm (1945)
1984 (Mil Novecentos e Oitenta e Quatro) - Nineteen Eighty-Four (1949)

Obras de George Orwell - Não-Ficção:
Na Pior em Paris e Londres (Na Penúria em Paris e Londres) - Down and Out in Paris and London (1933)
A caminho de Wigan - The Road to Wigan Pier (1937)
Lutando na Espanha (Homenagem à Catalunha) - Homage to Catalonia (1938)


Fonte: http://www.duplipensar.net/george-orwell/1984-orwell-resumo.html

domingo, 26 de abril de 2009

Filme: 1984 de George Orwell

1984
A atualidade do “Grande Irmão” de Orwell

Cena-do-rosto-de-um-homem-num-telao

Obra-prima do escritor inglês George Orwell, “1984” tem o claro propósito de chocar ao mesmo tempo em que pretende “abrir os olhos”, se não todos os sentidos, daqueles que leem o livro ou assistem sua versão cinematográfica, dirigida por Michael Radford, estrelada por John Hurt e último filme do astro Richard Burton.

Orwell era declaradamente esquerdista, mas a despeito disso compreendeu o totalitarismo stalinista que eliminava arbitrariamente todos os opositores do regime e, é claro, sabia igualmente da existência de regimes ditatoriais de direita e das atrocidades por eles cometidas.

Apesar deste tema específico, o totalitarismo político que passa a impregnar a vida de todos os cidadãos e ditar o rumo de suas vidas, dizendo a todo o momento, a partir de um onipresente sistema de informação e comunicação de ideias do regime político dominante, “1984” vai muito além disto, e, certamente, se torna um clássico justamente por não ser raso e panfletário.

De certa forma é possível traçar parentesco entre esta obra e algumas outras de ficção que preveem para o amanhã um mundo sombrio, desumanizado, em que imperam as relações produtivas e nada mais. As fórmulas e encaminhamentos encontrados por diferentes escritores e criadores cinematográficos – como, por exemplo, em “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, ou “Matrix”, dos irmãos Andy e Larry Wachowski, não escondem o temor de que de alguma forma sejamos dominados por um sistema político-ideológico que nos massacrem e nos escravizem.

Cena-de-um-rapaz-jogando-xadrez-e-outro-rapaz-sentado-olhando-de-longe

Se na obra de Huxley os seres humanos são adequados ao sistema desde a sua concepção – quando são separados por níveis e destinados desde o nascimento a ocupar determinada função econômica e situação social – e, literalmente, “dopados” (drogados mesmo) para tudo aceitar e achar conveniente aos seus propósitos pessoais e coletivos, “1984” é mais cruel e vil com a humanidade.

A obra de Orwell escancara a ideia de lavagem cerebral coletiva operada pelo sistema a mando do “Grande Irmão” (Big Brother), que tudo vê e tudo sabe (será que ele realmente existe ou é apenas uma imagem criada para tudo justificar?) através do uso das modernas tecnologias, com telas espalhadas por todos os lados a monitorar e “fazer a cabeça” de cada ser humano “integrado” ao seu universo.

Enquanto “Matrix” vê os homens como fonte de energia vital que, como meras pilhas ou baterias recarregáveis, abastecidas com o sonho de uma vida normal injetado em seus neurônios por uma gigantesca rede de computadores que tomou conta do mundo, “1984” nos coloca num cenário em que as máquinas são acessórios e a maldade é humana em sua origem.

E há originalidade e pertinência naquilo que nos é trazido pelo filme baseado na obra de Orwell? Ou será apenas especulação e ficção criadas pelo gênio enlouquecido de um brilhante escritor e militante de esquerda? O quanto ainda é importante para as novas gerações conhecer, ler, discutir e apreciar “1984”?

Cena-de-um-senhor-sentado-junto-a-uma-mesa-com-os-oculos-nas-maos

A obra foi publicada em 1949 e constitui distopia que se propõem a nos colocar no pior dos cenários futuros, aquele em que apenas nos preocuparemos em sobreviver e acabaremos nos submetendo a um sistema político repressor, policialesco e controlador até mesmo de nossos pensamentos.

Uma de suas principais características e, certamente, das mais atuais e importantes para as novas gerações - aquelas plugadas no universo tecnológico e virtual – remete a questão da desumanização. Apesar de as máquinas constituírem apenas meios para a consecução do domínio do “Grande Irmão”, subjacentes como aparecem no livro (e no filme), é através destes recursos que se operacionaliza a lavagem cerebral, construída a partir de constante, emburrecedora e vigilante ladainha.

É ponto de partida para, por exemplo, pensarmos em câmeras espalhadas por todos os cantos, falta de privacidade pela Internet, desvalorização das relações familiares, diminuição dos contatos extravirtuais, mercantilização das relações humanas...

Cena-de-rapaz-sentado-num-canto-de-um-ambiente-tendo-a-imagem-de-seu-rosto-no-alto

Outro ponto igualmente relevante refere-se à ideia trabalhada na obra que define como uma das metas do sistema a abolição da família e do amor. Na realidade, amor somente deve ser devotado ao “Grande Irmão” e laços familiares desviam o foco do trabalho, definindo que a prioridade deve ser sempre a produção, a eficácia no desempenho de nossas funções.

Numa época em que a globalização nos compele a cada vez mais nos mostrarmos competitivos e aptos a vencer (a qualquer preço) no mercado de trabalho é bastante interessante esta discussão ensejada por “1984”. Salta igualmente aos olhos o crescimento de casos de mulheres que estão abrindo mão da maternidade em função do trabalho ou mesmo de outros interesses/objetivos. O que era considerado natural até poucas décadas atrás, ou seja, ter filhos, virou para muitas mulheres tema dos mais polêmicos e, em muitos casos, causa grande rejeição.

Que mundo é este que estamos constituindo... Guarda outras semelhanças com a visão um tanto quanto apocalíptica do amanhã de Orwell em sua obra “1984”? Será que de forma muito mais sutil, por exemplo, não estamos também sendo submetidos aos desígnios de algum “grande irmão” que nem ao menos percebemos ou compreendemos? Afinal de contas não é necessário viver dentro das nefastas condições preconizadas em “1984” para que sejamos escravos de um sistema... A sujeição e submissão podem acontecer de forma a tal ponto disfarçada que, na maioria dos casos, nem ao menos a perceberemos... E no caso específico de Orwell, não há “pílulas vermelhas” que possam nos fazer acordar de tal pesadelo...

Capa-de-1984

Ficha Técnica

1984

País/Ano de produção: Inglaterra, 1984
Duração/Gênero: 113 min., Drama
Direção de Michael Radford
Roteiro de Michael Radford, baseado em obra de George Orwell
Elenco: John Hurt, Richard Burton, Suzanna Hamilton, Cyril Cusack, Gregor Fisher, James Walker.
Faixa etária recomendada: 16 anos

Links
http://www.cineplayers.com/filme.php?id=4093
http://www.movieguide.com.br/filme.view.php?id_filme=375
http://www.interfilmes.com/filme_20784_1984-(Nineteen.Eighty.Four).html

Fonte:http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=1476

João Luís de Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).



Não deixe de ler o livro- 1984 de George Orwell, você nunca mais será o mesmo.


sexta-feira, 24 de abril de 2009

Autoridade política

A tradição, o carisma e as leis

Renato Cancian*

Um dos pensadores mais proeminentes das ciências humanas foi Max Weber (1864-1920). Considerado um dos fundadores da sociologia, sua vasta obra é composta por estudos sobre vários temas sociais. Aqui, será abordado um tema de importância crucial para o entendimento da legitimidade da autoridade política.

Que razões predispõem um grupo social, uma comunidade ou uma sociedade composta por um conjunto de indivíduos ou cidadãos a reconhecer como legítima a autoridade detentora do poder político e a obedecer a seus mandos e ordens? O sociólogo alemão sustenta que existem somente três tipos de dominação legítimas: a tradicional, a carismática e a legal.

A autoridade política tradicional

A dominação tradicional se assenta na crença cotidiana da santidade das tradições e costumes vigentes desde muito tempo. Segundo essas tradições, quem detém a autoridade política é chamado de senhor ou patriarca. Os que estão sob suas ordens são considerados súditos.

A obediência dos súditos ao senhor é baseada na devoção aos hábitos costumeiros. A tradição determina o conteúdo das ordens e os limites do poder da autoridade política. Mas, em geral, deixa espaço para o arbítrio do senhor e permite que ele tome decisões de acordo com sua vontade pessoal.

A dominação tradicional corresponde às formas pré-modernas de agrupamento social. Suas variações mais comuns são os sultanatos árabes, os principados feudais e as comunidades tribais africanas.

A autoridade política carismática

Seu esteio é a devoção afetiva ou veneração à pessoa portadora de dotes relacionados com feitos mágicos ou sobrenaturais, revelações, heroísmo, poder intelectual ou oratória. O carisma pode ser considerado uma qualidade pessoal incomum que predispõe seu dono a exercer algum tipo de liderança.

Os que obedecem ao líder carismático são chamados de seguidores ou apóstolos - e o fazem em razão da devoção puramente emotiva. Esse líder aparece como o grande profeta, o sábio, o herói guerreiro e o demagogo.

Juazeiro e Canudos

Historicamente, a dominação carismática tem sido fonte de grandes
transformações sociais. No Brasil, inúmeros movimentos e revoltas armadas foram provocados por líderes desse tipo.

No período da Primeira República destacam-se os movimentos messiânicos (de caráter religioso) promovidos pelos beatos Padre Cícero, que comandou a revolta de Juazeiro (1911), e Antônio Conselheiro, que chefiou a revolta de Canudos (1896).

De todas as formas de dominação, a carismática é a mais instável e
transitória. A obediência dos dominados se mantém apenas enquanto durarem as qualidades excepcionais da autoridade política - enquanto subsistir o carisma. Quando ele acaba, a crença na legitimidade da autoridade política é seriamente abalada.

A autoridade política legal

Também conhecida como dominação burocrática, ela se assenta na aceitação, por parte dos dominados, das normas e estatutos que foram criados e podem ser modificados mediante regras formais.

A legitimidade da dominação legal se fundamenta no direito, isto é, nas leis. São elas que estabelecem as regras para a nomeação da autoridade política e fixam a competência e os limites do seu poder de mando e obediência.

Os que obedecem são considerados cidadãos. Os cidadãos obedecem à pessoa que detém o poder de mando em virtude das leis que lhe outorgam autoridade.

Burocratização inevitável

O Estado moderno, com sua extensa estrutura burocrática (polícia, forças armadas, repartições administrativas), funciona com base na dominação legal, que predomina no mundo atual. Os quadros de funcionários públicos são selecionados por um critério racional com base em exigências de qualificação e competências profissionais.

O ideal do profissional que ocupa um cargo burocrático é a "disciplina do serviço". A burocracia é o modo mais eficiente para a execução de serviços rotineiros que caracterizam a estrutura administrativa do Estado moderno.

A burocratização é um processo "inexorável". Weber a concebe como inevitável e crescente, em razão de sua adequação ao padrão de sociabilidade característico da modernidade.

Mas a estrutura político-administrativa do Estado não conta apenas com burocratas para os serviços especializados. Nas democracias modernas, os cargos mais elevados da administração pública são preenchidos pela seleção de representantes em eleições periódicas: prefeitos, vereadores, governadores, senadores e presidente. Também há os que são nomeados para cargos de confiança.

Comando político

De acordo com Weber, a burocracia é acéfala: ela deve, portanto, ter um comando político que oriente suas atividades. Os burocratas pertencentes a um determinado órgão não se questionam por que desempenham tal tarefa, nem avaliam sua importância ou finalidade. Orientam-se por regras hierárquicas, códigos disciplinares e objetivos
predefinidos.

A interferência da política na esfera burocrática pode ser benéfica. Ela equilibra a racionalidade inerente ao aparato burocrático e o orienta para que possa se prestar à consecução de outros objetivos.

É preciso salientar que sociedades lidam com esse problema de modos diversos. Se compararmos países como França, Brasil e Estados Unidos, poderemos notar que a questão dos cargos políticos nos órgãos estatais e governamentais recebe tratamento diferenciado.

*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política - 1972-1985".

Fonte: http://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u18.jhtm

quinta-feira, 23 de abril de 2009

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Lei do Caminhão de Lixo....


Um dia peguei um táxi para o aeroporto.
Estávamos rodando na faixa certa quando de repente um carro preto saltou do estacionamento na nossa frente.
O motorista do táxi pisou no freio, deslizou e escapou do outro carro por um triz!
O motorista do outro carro sacudiu a cabeça e começou a gritar para nós, nervosamente.
O motorista do táxi apenas sorriu e acenou para o cara, fazendo um sinal de positivo.
E eu quero dizer que ele o fez bastante amigavelmente.
Assim eu perguntei: 'Porque você fez isto? Este cara quase arruína o seu carro e nos manda para o hospital!'
Foi quando o motorista do táxi me ensinou o que eu agora chamo 'A Lei do Caminhão de Lixo."


Ele explicou que muitas pessoas são como caminhões de lixo. Andam por ai carregadas de lixo, cheias de frustrações, cheias de raiva, traumas e de desapontamento.. À medida que suas pilhas de lixo crescem, elas precisam de um lugar para descarregar, e às vezes descarregam sobre a gente. Não tome isso pessoalmente. Isto não é problema seu!

Apenas sorria, acene, deseje-lhes bem, e vá em frente. Não pegue o lixo de tais pessoas e nem o espalhe sobre outras pessoas no trabalho, em casa, ou nas ruas. Fique tranqüilo...

O princípio disso é que pessoas bem sucedidas não deixam os caminhões de lixo estragarem o seu dia. A vida é muito curta para levantar de manhã com sentimentos ruins, aborrecimentos do trabalho, picuinhas pessoais ... ; assim... Ame as pessoas que te tratam bem. Ore pelas que não o fazem. Peça a proteção de Deus para tais pessoas...

A vida é dez por cento o que você faz dela e noventa por cento a maneira como você a recebe!

Tenha uma vida abençoada, livre de lixo!


Autor desconhecido.

Recados para Orkut


terça-feira, 21 de abril de 2009

Tiradentes - 21 de Abril

Imagem: http://www.panoramablogmario.blogger.com.br

Para refletir...
Por que somos tão indiferentes ?
O que fizemos com nossos heróis?

Custa quanto? Os olhos da cara...


Um cartaz publicitário [...] estampa apenas a imagem de um par de olhos em que dois cifrões tomaram o lugar das pupilas.

Quer dizer: o único objeto visível para esses olhos é o valor, porque os próprios olhos transformaram-se em valor; olhar só pode ser, então, avaliar e valorizar.

No capitalismo, olhar é calcular o que se vê, operação que não tem sentido senão o de adicionar novas quantidades abstratas a outras quantidades abstratas.

A seu modo, o cartaz publicitário é, portanto, extremamente realista, pois mostra a realidade do capitalismo – um processo em que a visão vê o que deve ser visto: a destruição de todos os códigos, de todos os territórios, de todos os sentidos, e a realização do valor.

Laymert Garcia dos Santos - Cientista Social e Professor da Unicamp

Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=1290

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ideologia


Termo tem vários significados em ciências sociais

Renato Cancian*

Cazuza trouxe o termo ideologia para a música pop.

Nas ciências sociais, filosofia e áreas afins, o termo ideologia é empregado com muita freqüência. Em uma de suas canções, o músico e letrista brasileiro Cazuza fez uma crítica sagaz à ausência de uma ideologia para seguir nos tempos atuais.

O verso de Cazuza - "Ideologia. Eu quero uma pra viver" - pode ser nosso ponto de partida para perguntar: mas afinal, qual é o significado desse termo e como ele surgiu?

O conceito ideologia foi criado pelo francês Antoine Louis Claude Destutt de Tracy (1754-1836). Este filósofo o empregou pela primeira vez em seu livro "Elementos de Ideologia", de 1801. para designar o "estudo científico das idéias".

Destutt de Tracy usou alguns métodos e teorias das ciências naturais (física e biologia basicamente) para compreender a origem e a formação das idéias (razão, vontade, percepção, moral, entre outras) a partir da observação do indivíduo em interação com o meio ambiente.

Novos significados de ideologia

Nas décadas seguintes à publicação do livro de Destutt de Tracy, o termo ideologia foi utilizado com outros significados. Ele também reaparece de maneira recorrente nos estudos dos filósofos e pensadores que fundaram a sociologia.

O francês Auguste Comte, criador da doutrina positivista, compartilha da definição de Destutt de Tracy: a ideologia é uma atividade filosófico-científica que estuda a formação das idéias a partir da observação do homem no seu meio ambiente.

Por outro lado, o sociólogo francês Émile Durkheim usa o termo de maneira distinta. Para Durkheim, os fatos sociais são considerados objetos únicos de estudo da sociologia. Na perspectiva durkheimiana, as idéias e valores individuais (ou seja, a ideologia) são irrelevantes porque os fatos sociais são manifestações externas, isto é, estão fora e acima das mentes de cada sujeito que integra a sociedade.

Portanto, para Durkheim, a ideologia é negativa porque nasce de uma noção "pré-científica" e, por isso mesmo, imprópria para o estudo objetivo da realidade social.

A ideologia segundo Marx

A referência ao pensador e filósofo alemão Karl Marx, é muito importante para qualquer estudo sobre os significados do termo ideologia. O estudo mais relevante de Marx sobre o tema é o texto chamado de "A Ideologia Alemã". Para Marx, a produção das idéias não pode ser analisada separadamente das condições sociais e históricas nas quais elas surgem.

Em "A Ideologia Alemã", o fundador do marxismo dirige inúmeras críticas a vários filósofos e ideólogos alemães justamente para demonstrar que o pensamento, as idéias e as doutrinas produzidas por eles não são neutras. Muito pelo contrário, elas estão impregnadas de noções, isto é, de ideologias provenientes das condições sociais particulares da Alemanha daquele período.

Marx também distingue tipos de ideologias que são produzidas: política, jurídica, econômica e filosófica. Com base nos pressupostos teóricos do materialismo histórico, o pensador alemão demonstra que a ideologia é determinada pelas relações de dominação entre as classes sociais.

Ao se referir à ideologia burguesa, Marx entende que as idéias e representações sociais predominantes numa sociedade capitalista são produtos da dominação de uma classe social (a burguesia) sobre a classe social dominada (o proletariado).

A existência da propriedade privada e as diferenças entre proprietários e não-proprietários aparecem, por exemplo, nas representações sociais dos indivíduos como algo que sempre existiu e que faz parte da "ordem natural" das coisas. Essas representações sociais, porém, servem aos interesses da burguesia, classe social que controla os meios de produção numa sociedade capitalista.

Função social da ideologia

Na perspectiva marxista , a ideologia é um conceito que denota "falsa consciência": uma crença mistificante que é socialmente determinada e que se presta a estabilizar a ordem social vigente em benefício das classes dominantes. Quando a ideologia da classe dominante sofre sérios abalos, devido ao surgimento de conflitos sociais (contradições sociais), há riscos de ocorrer uma ruptura da ordem social vigente por um movimento revolucionário.

Historicamente, a burguesia também foi uma classe revolucionária que rompeu com a ordem social do feudalismo e impôs o modo de produção capitalista. Portanto, Marx argumenta que na ordem social capitalista, o proletariado, ou seja, todos aqueles que não são proprietários dos meios de produção e precisam vender sua força de trabalho para sobreviver - são os sujeitos depositários da esperança de uma ruptura revolucionária.

Para que isso ocorra, entretanto, o proletariado precisa primeiramente romper com a ideologia burguesa. E isso só se torna possível quando ele toma consciência de sua condição de classe dominada e explorada.

Uso corrente do termo "ideologia"

Nas pesquisas sociológicas empíricas (ou seja, de caráter não-teórico), é bastante comum o emprego do termo ideologia. Porém, ele é utilizado como recurso metodológico.

O objetivo é somente descrever o conjunto de idéias, valores ou crenças que orientam a percepção e o comportamento dos indivíduos sobre diversos assuntos ou aspectos sociais, como, por exemplo, as opiniões e as preferências que os indivíduos têm sobre o sistema político vigente, a ordem pública, o governo, as leis, as condições econômicas e sociais, entre outros.

*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 1972-1985".

Fonte: http://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u26.jhtm

Ser humano: mero transformador de recursos

por Hugo Penteado

“O ser humano acha que ele é capaz de produzir alguma coisa. Infelizmente, a má notícia que eu tenho para dar é que o ser humano não produz nada. O ser humano não produz nem matéria, não produz energia. Ele é um mero transformador dos recursos. E isso significa que tudo que está em nossa volta, sem exceção, veio da natureza, inclusive o sistema econômico. Então não dá para escapar disso. As duas coisas estão extremamente interligadas e interdependentes. E a outra má notícia é que o sistema econômico não é a ponta forte. É a ponta fraca porque o meio ambiente oferece serviços que nós não somos capazes de produzir e que estão sendo abalados por causa da nossa atuação precária e descuidada em relação ao ecossistema. Basta lembrar dois fenômenos globais: o maior processo de extinção da vida nos últimos 65 milhões de anos, causada pela destruição do ecossistema, e o aquecimento global. Lembrando que esses não são os nossos únicos problemas. Tudo isso está ocorrendo porque a gente criou a economia do descarte, nós vivemos o mito do jogar fora. A gente acha que consegue jogar fora alguma coisa, mas o planeta é um sistema fechado. Nada pode ser jogado fora. Nós transformamos o planeta numa enorme lixeira conosco dentro”. “[...] esse planeta passou milhares de anos acumulando materiais embaixo da terra. A nossa vida aqui só foi possível por causa do acúmulo desse material. Hoje, estamos fazendo um processo reverso, atirando na superfície da terra uma série de materiais (mercúrio, dióxido de carbono, ouro) com os quais o seu processo geológico de bilhões de anos não sabe como lidar. O sistema planetário é finito, regenerativo e circular. O sistema econômico é infinito, degenerativo e linear: extrai, produz, descarta”.


http://www.nuep.org.br/jor001.php?jor=218

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Pergunta Sem Resposta - O capitalismo é bom?

É o sistema econômico mais compatível com a liberdade do ser humano. Não conheço sociedade que apresente liberdade política e que não tenha um mercado livre. Com o capitalismo, o consumidor é protegido pela presença de outros vendedores com quem pode negociar. O vendedor é protegido por outros consumidores a quem pode vender e o empregado é protegido devido aos outros empregadores para quem pode trabalhar.

Milton Friedman, americano, Prêmio Nobel de Economia em 1986, no livro Capitalismo e Liberdade (Abril Cultural, 1984).

Não. O capitalismo é uma religião fanática, intolerante e dogmática com 3 divindades: a Moeda, o Mercado e o Capital. É um culto que tem suas igrejas (as bolsas de valores), seus Santos Ofícios (FMI, OMC, etc.) e exige terríveis sacrifícios humanos ao transformar tudo em mercadoria.

Michael Löwy, cientista social brasileiro, marxista, diretor do Instituto de Ciências Políticas de Paris.

O capitalismo é amoral. A lógica do mercado é a lei da oferta e da procura, que não tem nada a ver com juízos de valor. Devemos aceitar o capitalismo? Sim, pois não temos nada melhor para pôr em seu lugar. Mas esse não é um motivo para nos pormos de joelhos diante dele.

André Comte-Sponville, filósofo francês, no livro O Capitalismo é moral? (Martins Fontes, 2005).

Bruno Vieira Feijó

Fonte: http://super.abril.com.br/superarquivo/2006/conteudo_421725.shtml

quarta-feira, 15 de abril de 2009

É possível ensinar a virtude cívica? É possível preparar alguém para o exercício da cidadania através da educação ?

A virtude pública pode, com certeza ser ensinada. Porém há pressupostos que devem ser obtidos antes que o ensino de tais virtudes, através de disciplinas como sociologia, filosofia ou ciência política possa fazer efeito. Tais pré-requisitos seriam o domínio da linguagem para que fosse possível entender aquilo que está sendo dito (sem o que nada , nem mesmo cidadania , pode ser ensinado). Seria mister ainda um mínimo nível de conhecimentos gerais sem o que tampouco sabe-se o que está sendo ensinado nem também para que está sendo ensinado.

Imagine-se pegar uma criança de tenra idade (4 , 5 ou 6 anos de idade) e tentar ensinar a esta criança as leis de Newton , na física ou o teorema de Pitágoras , na matemática. Certamente seria chamado de louco quem tentasse algo assim.

Assim, numa sociedade como a brasileira, em que existem (e são a maioria) estudantes que chegam ao ensino intermediário sem terem lido um único livro, sem o mínimo domínio da linguagem, que pensam que no Brasil se fala “brasileiro”, que não sabem onde fica a Europa num mapa, que escrevem coisas como “incino”(ensino) e “corrupitos”(corruptos) e “mia edeia”(minha idéia) - (são todos exemplos reais e retirados de estudantes para os quais leciono) - parece-me que o esforço para transmitir a virtude cívica torna-se fátuo e desanimador.

Tal esforço torna-se algo como o “sermão de Santo Antônio aos peixes” embora o santo, no final, tenha atingido seus objetivos. Gostaria de acentuar que os exemplos que mencionei são de alunos do ensino médio da rede pública estadual (São Paulo). Como ensinar o que quer que seja a um grupo de semi–analfabetos? O desapreço pela cultura é o responsável pelo estado de coisas que exemplifico acima, pois pode se argumentar que estes estudantes não têm dinheiro para adquirir livros, revistas, etc. Não penso que seja este o caso, pelo menos não para a maioria, uma vez que possuem recursos suficientes para comprar “i-pods”, tênis caros, telefones celulares com câmaras, etc. A maioria também tem acesso à internet , porém tal acesso é desperdiçado em coisas como Orkut , MSN, twitter, etc.

Tivesse eu uma ferramenta como a internet em minha época de estudante secundária!

Assim, parece-me que a justificativa econômica não é acertada. Trata-se, enfim, do que eu gosto de chamar de desapreço à cultura. Trata-se de um questionamento do tipo “aprender para que?” . Trata-se de uma preguiça mental nunca antes vista na história humana o que é paradoxal uma vez que os meios de aprendizado são mais fáceis e abundantes do que nunca.

Para concluir afirmo que é possível ensinar a virtude cívica. Porém somente é possível ensina-la a quem deseja aprender alguma coisa.

Marise von Frühauf Hublard - 12/04/2008.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”? (“Aufklärung”)


Immanuel Kant – 1724-1804 (5 de dezembro de 1783, p. 561 1)

“Esclarecimento” [Aufklärung] significa a saída do homem de sua menoridade, da qual o culpado é ele próprio. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a sua causa não estiver na ausência de entendimento, mas na ausência de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem a ousadia de fazer uso de teu próprio entendimento – tal é o lema do Esclarecimento [Aufklärung].

A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem, não obstante, de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam porque é tão fácil que os outros se constituam seus tutores. É tão cômodo ser menor! Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que decide por mim a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros hão de se encarregar em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (incluindo todo o belo sexo) considera difícil e também perigosa à passagem à maioridade, pois aqueles tutores de bom grado se encarregaram de supervisioná-la. Depois de terem em primeiro lugar embrutecido o seu gado doméstico e cuidadosamente preservado essas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar nem um só passo for do caminho em que as encerraram, e tal seria para aprender a andar, mostram-lhes depois o risco que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, na verdade não é tão grande esse perigo, já que por fim aprenderiam muito bem a andar, depois de algumas quedas. Basta um exemplo desse tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo, de um modo geral, em suas tentativas futuras. É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da minoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor por ela, por ora sendo de fato incapaz de utilizar o seu próprio entendimento, porque jamais o permitiram tentar assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem dele se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro, ainda que sobre o mias estreito fosso, pelo fato de não estar habituado a esse movimento livre. Por isso são bem poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender uma marcha segura.

Mas que um público se esclareça [aufkläre] a si mesmo é perfeitamente possível; mais do que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois sempre se hão de encontrar alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, após terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por conta própria. Notável nesse caso é que o público, que anteriormente foi por eles conduzido a esse jugo, obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns de seus tutores, eles próprios incapazes de qualquer esclarecimento [ Aufklärung]. Vê-se assim como é prejudicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram seus autores ou os predecessores destes. Por isso, um público só muito morosamente pode chegar ao esclarecimento [Aufklärung]. Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, mas jamais produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cinturões para conduzir a grande massa destituída de pensamento.

Para esse esclarecimento [Aufklärung], porém, nada mais se exige senão liberdade. E a mais inofensiva dentre tudo o que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público de sua razão em todos os assuntos. Ouço agora, porém, exclamações de todos os lados: “não raciocineis!” O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos. O financista exclama: “não raciocineis, mas pagai!” O sacerdote proclama: “não raciocineis, mas acreditai!” (Um único senhor no mundo diz: “raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!”). Eis aqui por toda a parte a limitação da liberdade. Mas que limitação impede o esclarecimento [ Aufklärung]? Qual não o impede, e mesmo o favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento [Aufklärung] entre os homens. O uso privado da razão pode, porém, ser muitas vezes bastante limitado, sem que isso venha a ser um empecilho ao progresso do esclarecimento [Aufklärung]. Entendo, contudo, sob o nome de uso público de sua própria razão aquele que qualquer homem, na condição de sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado. Denomino uso privado de sua razão aquele que o sábio pode fazer dela em determinado cargo público ou função a ele confiada. Ora, para muitas profissões exercidas no interesse da comunidade é necessário certo mecanismo em virtude do qual alguns membros da comunidade devem se comportar de modo exclusivamente passivo para serem conduzidos pelo governo, mediante uma unanimidade artificial para finalidades públicas, ou pelo menos devem ser contidos para não destruir essa finalidade. Em tais casos, certamente não é permitido raciocinar, mas deve-se, sim, obedecer. À medida, porém, que essa parte da máquina se considera simultaneamente membro de uma comunidade total, chegando até a sociedade constituída pelos cidadãos de todo o mundo, portanto na condição de sábio que dirige a palavra a um público por meio de obras escritas de acordo com seu próprio entendimento, pode certamente raciocinar sem que com isso sofram os negócios a que ele está sujeito em parte como membro passivo. Assim, seria bastante nocivo se um oficial, a quem seu superior deu uma ordem, quisesse se pôr a raciocinar em alto e bom tom em seu serviço quanto à conveniência ou à utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Para ser razoável, no entanto, não se lhe pode impedir, na condição de homem versado no assunto, de fazer observações sobre os erros no serviço militar, e de expor essas observações ao seu público, para que as julgue. O cidadão não pode se recusar a pagar os impostos que sobre ele recaem; até mesmo a desaprovação impertinente dessas obrigações, se devem ser pagas por ele, pode ser castigada como escândalo (passível de causar uma desobediência generalizada). Exatamente, apesar disso, não age contrariamente ao dever de um cidadão se, como homem instruído, expõe publicamente suas idéias contra a inconveniência ou a injustiça dessas imposições. Da mesma forma, também o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois foi admitido com essa condição. Mas, como sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar a conhecer ao público todas as suas idéias, cautelosamente examinadas e bem intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele credo, expondo suas propostas visando à melhor instituição da essência da religião e da Igreja. Aqui nada existe que possa significar um peso na consciência. Pois o que ensina em decorrência de seu cargo como funcionário da Igreja o apresenta como algo em relação ao qual não tem o livre poder de ensinar como melhor lhe pareça, estando porém obrigado a expor segundo a prescrição de um outro e em nome deste. Poderá dizer: nossa igreja ensina isso ou aquilo; e são esses os fundamentos comprobatórios de que ela se serve. Toda utilidade prática para a sua comunidade, ele a extrai de preceitos que ele próprio não subscreveria com inteira convicção, em cuja apresentação pode contudo se comprometer, já que não é de todo impossível que em seus enunciados a verdade esteja oculta. Em todo caso, porém, pelo menos nada deve ser encontrado aí que contradiga a religião interior. Pois se acreditasse encontrar essa contradição, em sã consciência não poderia desempenhar sua função: teria de renunciar. Por conseguinte, o uso de um professor empregado faz de sua razão diante de sua comunidade é um uso exclusivamente privado, já que é sempre um uso doméstico, por maior que seja a assembléia. Com relação a esse uso, ele, enquanto padre, não é livre nem tem direito a sê-lo porque executa uma incumbência estranha. Já na condição de sábio, ao contrário, que com suas obras fala ao verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza de irrestrita liberdade para fazer uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome. Pois o fato de os tutores do povo (nas coisas espirituais) deverem ser eles próprios menores, constitui um absurdo que resulta na perpetuação dos absurdos.

Mas não deveria uma sociedade de eclesiásticos, por exemplo, uma assembléia de clérigos, ou uma respeitável classe (como a si mesma se denomina entre os holandeses) estar autorizada, sob juramento, a comprometer-se com certo credo invariável, para com isso exercer uma incessante supertutela sobre cada um de seus membros e por meio dela sobre o povo, e até mesmo a perpetuar essa tutela? Isso é completamente impossível, posso dizer. Tal contrato, que decidiria afastar para sempre todo ulterior esclarecimento [Aufklärung] do gênero humano, é simplesmente nulo e sem validade, ainda que fosse confirmado pelo poder supremo, pelos parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não pode se aliar e conjurar para colocar a seguinte em um estado em que para esta se torne impossível ampliar seus conhecimentos (sobretudo os mais imediatos), purificar-se dos erros e avançar mais no caminho do esclarecimento [Aufklärung] isso seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste precisamente nesse avanço. E a posteridade encontra-se, pois, plenamente justificada em repelir aquelas decisões, tomadas de modo não autorizado e criminoso. Quanto ao que se possa estabelecer como lei para um povo, a pedra de toque está na questão de saber se um povo se poderia ter ele próprio submetido a tal lei. Seria certamente possível, como se à espera de lei melhor, por um prazo curto e determinado, e para introduzir certa ordem. Ao mesmo tempo, franquear-se-ia a qualquer cidadão, especialmente ao de carreira eclesiástica, em sua condição de sábio, o direito de fazer publicamente, isto é, por meio de obras escritas, seus reparos e possíveis defeitos das instituições vigentes. Essas últimas permaneceriam intactas, até que a compreensão da natureza de tais coisas se tivesse estendido e aprofundado, publicamente, a ponto de tornar-se possível levar à consideração do trono, com base em votação, ainda que não unânime, uma proposta visando a proteger comunidades inclinadas, por sincera convicção, a normas religiosas modificadas, mas sem prejuízo aos que optassem por se conservar fiéis às antigas. No entanto, é completamente proibido unificar-se em uma constituição religiosa fixa, de que ninguém tenha publicamente o direito de duvidar, mesmo durante o tempo de vida de um homem, e com isso, por assim dizer, aniquilar certo período de tempo na marcha da humanidade na via do aperfeiçoamento, tornando-o estéril e nocivo para a posteridade. Um homem pode, sem dúvida, no que diz respeito à sua pessoa, e mesmo assim só por algum tempo, na parte que lhe incumbe, adiar o esclarecimento [Aufklärung]. Mas renunciar a ele, quer para si mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa ferir e atar aos pés os sagrados direitos da humanidade. Mas o que não é lícito a um povo decidir com relação a si mesmo, menos ainda um monarca poderia decidir sobre ele, pois a sua autoridade legislativa repousa justamente no fato de reunir a vontade de todo o povo na sua. Ao cuidar para que toda melhoria, verdadeira ou presumida, coincida com a ordem civil, pode deixar que em todo o resto os seus súditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação de suas almas. Isso não lhe importa, mas deve apenas evitar que um súdito impeça outro por meios violentos de trabalhar, de acordo com toda a sua capacidade, na determinação e na promoção de si. Chega a causar dano à sua majestade quando se imiscui nesses assuntos, quando submete à vigilância do seu governo e os escritos em que seus súditos procuram deixar claras suas concepções. O mesmo ocorre quando procede dessa maneira não só por sua própria concepção superior, com o que se expõe à censura: Caesar non est supra grammaticos, mas também, e em extensão muito maior, quando rebaixa tanto o seu poder supremo que chega a apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos em seu Estado contra os demais súditos.

Se se fizer então a pergunta: “vivemos hoje uma época esclarecida [aufgeklärten]?”, a resposta será: “não, vivemos em uma época de esclarecimento [Aufklärung]. Ainda falta muito para que os homens nas atuais condições, tomados em conjunto, encontrem-se já em uma situação, ou que nela possam se inseridos, cuja matéria religiosa seja capaz de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem que sejam dirigidos por outrem. Claros indícios temos somente de que agora lhes foi aberto o campo em que poderia lançar-se livremente a trabalhar e reduzir progressivamente os obstáculos ao esclarecimento [Aufklärung] geral ou à saída dos homens de sua menoridade, da qual são culpados. Considerada dessa perspectiva, a época atual é a época do esclarecimento [Aufklärung] ou o século de Frederico.

Um príncipe que não acha uma indignidade afirmar que considera um dever nada prescrever aos homens em termos de matéria religiosa, concedendo-lhes nesse assunto plena liberdade, que portanto afasta de si o arrogante nome de tolerância, é realmente esclarecido [aufgeklärt] e merece ser louvado pelo mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e deu a cada homem a liberdade de utilizar sua própria razão em todas as questões da consciência moral. Em seu governo, os sacerdotes dignos de respeito podem, sem prejuízo ao seu dever funcional, expor livre e publicamente, na condição de súditos, ao mundo, para que os examinasse, sues julgamentos e opiniões em um ou outro ponto divergentes do credo admitido. Com mais forte razão isso se dá com os demais, que não são restringidos por nenhum dever oficial. Esse espírito de liberdade espalha-se também pelo exterior, mesmo em lugares em que é preciso enfrentar obstáculos externos estabelecidos por um governo que não se compreende a si mesmo. Serve de exemplo para isso o fato de que, em um regime de liberdade, a tranqüilidade pública e a unidade da comunidade em nada constituírem motivo de inquietação. É por si mesmos que os homens progressivamente se desprendem do estado de selvageria, quando intencionalmente não se requinta em conservá-los nesse estado.

Ressaltei preferencialmente, em matéria religiosa, o ponto principal do esclarecimento [Aufklärung], a saída do homem de sua menoridade, da qual é culpado. Pois no que se refere às artes e ciências, nossos senhores não têm o menor interesse em exercer a tutela sobre seus súditos, além do que também aquela menoridade é de todas a mais nociva e a mais indigna. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado que favorece a primeira chega a ir além e entende que, mesmo no tocante à sua legislação, não há perigo em permitir a seus súditos fazer uso público de sua própria razão e expressar publicamente ao mundo suas idéias sobre uma melhor compreensão dela, ainda que por meio de uma corajosa crítica ao estado de coisas existente. Um brilhante exemplo disso é que nenhum monarca superou aquele que reverenciamos.

Mas também somente aquele que, mesmo sendo ele próprio esclarecido [“aufgeklärt” ], não teme sombras, tendo à mão ao mesmo tempo um em numeroso e bem disciplinado exército para assegurar a tranqüilidade pública, pode dizer algo que não seja lícito a um Estado livre ousar: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; contanto que obedecei! Revela-se aqui uma peculiar e inesperada marcha das coisas humanas; como, aliás, quando se considera essa marcha em conjunto, nela quase tudo é paradoxal. Um grau mais elevado de liberdade civil parece vantajoso para a liberdade de espírito do povo, e não obstante impõe a ela limites intransponíveis; um grau menor daquela confere a esse espaço a oportunidade de expandir-se o máximo possível. Se, portanto, a natureza, sob esse duro envoltório, desenvolveu o germe de que trata delicadamente, a saber, a inclinação e a vocação para o pensamento livre, este atua em progressivo retorno sobre o modo de sentir do povo (com o que este se torna cada vez mais capaz de agir de acordo com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os princípios do governo, que para si próprio vê conveniência em tratar o homem, agora mais do que simples máquina, segundo a sua dignidade2.


_________________


1 A indicação de página do Berlinische Monatschrift se reporta à seguinte nota da frase: “É conveniente sancionar ulteriormente o vínculo conjugal por meio da religião, do Sr. Preg. Zöllner: “Que é esclarecimento [Aufklärung]?” Essa pergunta, tão importante quanto “Que é a verdade?”, deveria ser respondida antes de se começar a esclarecer [aufklären]! Contudo, ainda não a vi respondida em parte alguma.

2 No periódico semanal Notícias de Büsching, com data de 13 de setembro, leio hoje, 30 de setembro, o anúncio do Berlinische Monatschrift deste mês, no qual foi publicada a resposta do Sr. Mendelssohn à mesma pergunta. Ainda não a tenho em mãos; se a tivesse, teria sustado a presente resposta, que agora só pode constar aqui como tentativa de mostrar até que ponto o acaso terá feito coincidirem os pensamentos.

Fonte: http://serpensar.vilabol.uol.com.br/esclarecimento.htm#_ftn2

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