sexta-feira, 24 de abril de 2009

Autoridade política

A tradição, o carisma e as leis

Renato Cancian*

Um dos pensadores mais proeminentes das ciências humanas foi Max Weber (1864-1920). Considerado um dos fundadores da sociologia, sua vasta obra é composta por estudos sobre vários temas sociais. Aqui, será abordado um tema de importância crucial para o entendimento da legitimidade da autoridade política.

Que razões predispõem um grupo social, uma comunidade ou uma sociedade composta por um conjunto de indivíduos ou cidadãos a reconhecer como legítima a autoridade detentora do poder político e a obedecer a seus mandos e ordens? O sociólogo alemão sustenta que existem somente três tipos de dominação legítimas: a tradicional, a carismática e a legal.

A autoridade política tradicional

A dominação tradicional se assenta na crença cotidiana da santidade das tradições e costumes vigentes desde muito tempo. Segundo essas tradições, quem detém a autoridade política é chamado de senhor ou patriarca. Os que estão sob suas ordens são considerados súditos.

A obediência dos súditos ao senhor é baseada na devoção aos hábitos costumeiros. A tradição determina o conteúdo das ordens e os limites do poder da autoridade política. Mas, em geral, deixa espaço para o arbítrio do senhor e permite que ele tome decisões de acordo com sua vontade pessoal.

A dominação tradicional corresponde às formas pré-modernas de agrupamento social. Suas variações mais comuns são os sultanatos árabes, os principados feudais e as comunidades tribais africanas.

A autoridade política carismática

Seu esteio é a devoção afetiva ou veneração à pessoa portadora de dotes relacionados com feitos mágicos ou sobrenaturais, revelações, heroísmo, poder intelectual ou oratória. O carisma pode ser considerado uma qualidade pessoal incomum que predispõe seu dono a exercer algum tipo de liderança.

Os que obedecem ao líder carismático são chamados de seguidores ou apóstolos - e o fazem em razão da devoção puramente emotiva. Esse líder aparece como o grande profeta, o sábio, o herói guerreiro e o demagogo.

Juazeiro e Canudos

Historicamente, a dominação carismática tem sido fonte de grandes
transformações sociais. No Brasil, inúmeros movimentos e revoltas armadas foram provocados por líderes desse tipo.

No período da Primeira República destacam-se os movimentos messiânicos (de caráter religioso) promovidos pelos beatos Padre Cícero, que comandou a revolta de Juazeiro (1911), e Antônio Conselheiro, que chefiou a revolta de Canudos (1896).

De todas as formas de dominação, a carismática é a mais instável e
transitória. A obediência dos dominados se mantém apenas enquanto durarem as qualidades excepcionais da autoridade política - enquanto subsistir o carisma. Quando ele acaba, a crença na legitimidade da autoridade política é seriamente abalada.

A autoridade política legal

Também conhecida como dominação burocrática, ela se assenta na aceitação, por parte dos dominados, das normas e estatutos que foram criados e podem ser modificados mediante regras formais.

A legitimidade da dominação legal se fundamenta no direito, isto é, nas leis. São elas que estabelecem as regras para a nomeação da autoridade política e fixam a competência e os limites do seu poder de mando e obediência.

Os que obedecem são considerados cidadãos. Os cidadãos obedecem à pessoa que detém o poder de mando em virtude das leis que lhe outorgam autoridade.

Burocratização inevitável

O Estado moderno, com sua extensa estrutura burocrática (polícia, forças armadas, repartições administrativas), funciona com base na dominação legal, que predomina no mundo atual. Os quadros de funcionários públicos são selecionados por um critério racional com base em exigências de qualificação e competências profissionais.

O ideal do profissional que ocupa um cargo burocrático é a "disciplina do serviço". A burocracia é o modo mais eficiente para a execução de serviços rotineiros que caracterizam a estrutura administrativa do Estado moderno.

A burocratização é um processo "inexorável". Weber a concebe como inevitável e crescente, em razão de sua adequação ao padrão de sociabilidade característico da modernidade.

Mas a estrutura político-administrativa do Estado não conta apenas com burocratas para os serviços especializados. Nas democracias modernas, os cargos mais elevados da administração pública são preenchidos pela seleção de representantes em eleições periódicas: prefeitos, vereadores, governadores, senadores e presidente. Também há os que são nomeados para cargos de confiança.

Comando político

De acordo com Weber, a burocracia é acéfala: ela deve, portanto, ter um comando político que oriente suas atividades. Os burocratas pertencentes a um determinado órgão não se questionam por que desempenham tal tarefa, nem avaliam sua importância ou finalidade. Orientam-se por regras hierárquicas, códigos disciplinares e objetivos
predefinidos.

A interferência da política na esfera burocrática pode ser benéfica. Ela equilibra a racionalidade inerente ao aparato burocrático e o orienta para que possa se prestar à consecução de outros objetivos.

É preciso salientar que sociedades lidam com esse problema de modos diversos. Se compararmos países como França, Brasil e Estados Unidos, poderemos notar que a questão dos cargos políticos nos órgãos estatais e governamentais recebe tratamento diferenciado.

*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política - 1972-1985".

Fonte: http://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u18.jhtm

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