domingo, 5 de julho de 2009

Senado: o papelão e o papel, por Percival Puggina*

Engana-se quem considera que o maior problema do Senado esteja no recente papelão, vale dizer, nas embrulhadas (que, em verdade, são pacotes muito bem concebidos) e nos descontroles que só se viabilizaram porque foram competentemente controlados por quem sabia como agir. O maior problema do Senado vem de antes e subsistirá a essa crise porque ninguém lhe está dando importância: o Senado não atende à principal razão de sua existência.

A única justificativa para que sustentemos aquela Casa é a representação igualitária dos Estados. No entanto, a federação virou ficção, a União passou a se intrometer em tudo, já abocanha dois terços das receitas públicas do país e nossos senadores estão nem aí. Como disse alguém, vivem no paraíso sem precisar morrer. Fato: estamos – Estados e municípios – há muitos anos cedendo autonomia em troca de presentinhos federais. Fato: docilmente, trocamos o ouro da liberdade por espelhinhos que a União nos disponibiliza mediante nossos próprios recursos, levando-os de caminhão e os devolvendo em carrinho de mão. Fato: empobrecemos nesses negócios de índio, com a displicente aceitação da Câmara Alta da República.

O que afirmo encontra sua face mais visível nas peregrinações de membros do governo federal aos Estados e municípios, distribuindo recursos e obras que suscitam gratidão, claro, contanto que não se leve em conta o fato de que estão repondo no bolso da unidade federada, com uma das mãos, pequena fração do que foi, antes, tirado dali com a outra. Recentemente, a cúpula do governo federal veio a Porto Alegre lançar o Território da Paz, um projeto social que inclui aquilo que faz o sucesso de certos programas de auditório – distribuição de dinheiro. Inquestionável êxito de público. Cem pilas por mês para o jovem que aderir.

Você conhece o texto: “Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite etc., etc.”. Pois é. A tolerância nacional em relação ao crescente atrofiamento da federação, sob a omissão do Senado, fez crescer a arrogância. Agora, metem o pé na porta. Na vinda a Porto Alegre, nossos visitantes federais alinharam-se para criticar os brigadianos. Logo a eles, que, valentemente, enfrentam o fogo cerrado da bandidagem e prestam tão significativos serviços à sociedade gaúcha! Quando apresentou o programa, que pretende articular organizações de vários níveis na promoção da paz e do desenvolvimento social em áreas de risco (ora se isso precisa ser assunto federal!), o presidente anunciou que não haveria mais aquela história do PM (autoridade policial estadual) “que entra, bate e sai”, e que os policiais passariam a proteger os moradores (como se isso fosse novidade aqui). Aos hip-hip-hurras e vivas, só faltou uma comemoração com rajada de tiros para o ar dos traficantes da boca do fumo.

Abro parêntesis para explicar por que socialistas, comunistas e marxistas pensam assim sobre segurança pública. Eles estão convencidos de que o homem é bom e de que o mal lhe vem da sociedade. Mas as coisas não se passam desse modo. É quando a sociedade não reprime certos instintos do ser humano que ele se torna o lobo de seu próximo. Portanto, a questão é ideológica. Para as teorias de segurança pública do presidente, precisamos de policiais que subam o morro de sapatilhas, distribuindo flores e cantando “Se esta rua, se esta rua fosse minha”. – Alô, senadores, reajam! Devolvam-nos, por favor, a federação!

*Escritor

Fonte: Jornal Zero Hora - nº 16021 - 05 de Julho de 2009.

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