A Câmara aprovou ontem (8.jul.2009) um projeto de lei eleitoral que contém muitas restrições ao livre uso da internet na política. Trata-se também de um claro atentado à liberdade de expressão no país. Saio excepcionalmente das férias para comentar.
A lei ainda precisa ser aprovada pelo Senado até setembro para ter validade na eleição de 2010. Ou seja, em tese, ainda há tempo de corrigir as aberrações que podem ser introduzidas na web brasileira –contrariando o que se faz de mais moderno nos países desenvolvidos: liberar completamente a internet.
Os deputados fizeram um bom serviço vendendo para parte da mídia e idéia de que vão “liberar” o uso da internet na política. Aqui e aqui, as reportagens oficiais da Câmara. É uma inverdade afirmar que haverá liberação.
Os deputados equipararam a internet às emissoras de rádio e de TV. Quase tudo ficará restrito.
Vale também registrar que a atual legislação geral já contém o maior dos absurdos: proibir que qualquer ser humano se declare candidato antes de 5 de julho do ano da eleição. No Brasil, antes dessa data, não se pode fazer campanha, arrecadar fundos, nada. Nos EUA, como comparação, Barack Obama e seus adversários ficaram quase 2 anos em campanha.
A seguir, material publicado hoje pela Folha (reportagem completa aqui, para assinantes) resumindo como será a “jabuticaba” digital que os congressistas estão preparando para a política brasileira em 2010.
A internet mais restrita nas eleições no Brasil
Produção de conteúdo, jornalístico ou não, em sites, blogs etc.:
Como é hoje: há algumas restrições, mas mais liberdade em relação às normas do rádio e da TV. Debates, por exemplo, não são proibidos pela lei na internet.
Como pode ficar: a internet passa a ser considerada igual a emissoras de rádio e de TV. As mesmas regras serão integralmente aplicadas para “provedores de conteúdo e de serviços multimídia, bem como às empresas de comunicação social na Internet, nos conteúdos disponibilizados em suas páginas eletrônicas”.
Debates, antes não regulados para a internet, passam a ser autorizados apenas quando “assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados e facultada a dos demais”. Ou seja, é necessário que todos os candidatos concordem em participar para viabilizar o encontro (na realidade, a nova lei fala em 2 terços dos candidatos, o que não ajuda muita coisa em se tratando de internet).
Obs.: segundo o relator do projeto, Flávio Dino (PC do B-MA), sua intenção seria apenas a de aplicar essas regras restritivas aos grandes portais, blogs e sites com finalidade comercial. Mas como os sites e blogs de pessoas físicas, sem fins lucrativos, estão hospedados em provedores e portais comerciais, a distinção e a fiscalização ficam quase impossíveis.
Doação por meio da internet
Como é hoje: tema não está regulado, mas no entendimento do presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, a lei 9.504, de 1997, já contempla essa modalidade de doação em seu artigo 23, pois no parágrafo 4º estão descritas como as “doações de recursos financeiros” poderão ser efetuadas diretamente na conta bancária de campanha aberta pelos políticos com essa finalidade única. No inciso 1 desse parágrafo está escrito que as doações podem ser por meio de “cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos”.
Na internet, doações por meio de cartões de débito ou crédito equivalem a “transferência eletrônica de depósitos”. O dinheiro vai diretamente para a conta bancária do candidato. O recibo da operação, exigido por lei, é o extrato bancário do candidato que vai identificar com nome, CPF e número do cartão quem foi o depositante de cada valor.
Essa modalidade de financiamento não foi usada por duas razões principais até agora: a) nenhum candidato apresentou esse tipo de proposta exatamente como descrito acima aos 27 TREs ou ao TSE e b) a Justiça Eleitoral foi conservadora e não se antecipou para regular o assunto.
Como pode ficar: a nova lei torna explícita a possibilidade de políticos receberem doações por meio da internet durante as campanhas. Essa modalidade não é extensível aos partidos políticos e a períodos não eleitorais.
Obs.: bem intencionada, a decisão dos deputados é tautológica. A lei atual já permite as doações, desde que o sistema montado pelos candidatos interessados seja claro e seguro o suficiente para garantir a identificação de todos os doadores que fizerem transferência de recursos pela internet.
Propaganda na internet
Como é hoje: é proibida, em todas as suas formas, exceto no site do próprio candidato.
Como pode ficar: continuará sendo proibido comprar espaços publicitários em portais, sites, blogs, redes de relacionamento etc. Mas será aceitável, apenas a partir de 5 de julho do ano da eleição, que o próprio candidato faça propaganda em seu site (cujo registro terá de ser comunicado à Justiça Eleitoral) que terá necessariamente de estar hospedado em “provedor de serviço de Internet estabelecido no país”.
Também está autorizado esse tipo de propaganda (desde que gratuita) em sites de partidos e coligações (sempre comunicando previamente à Justiça Eleitoral), “por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato” e “por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados de candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural”.
Obs.: o problema é que essa propaganda fica toda sujeita às mesmas regras da propaganda eleitoral em rádio e TV. Há severas punições para os sites, blogs etc. que forem alvo de ações por parte de políticos que se sintam ofendidos, como está descrito no item a seguir, sobre “direito de resposta”.
Direito de resposta
Como é hoje: como em qualquer outro meio. Quando alguém se sente ofendido, busca reparação diretamente no site responsável ou vai à Justiça. Pela sua agilidade, a internet tem a tendência de publicar as reparações com mais rapidez.
Como pode ficar: a lei passa a determinar, de maneira bem rigorosa, que internet também fica sujeita à modalidade de direito de resposta política. Esses processos são julgados rapidamente, por determinação legal. Portais, sites, blogs e outros meios na internet ficam obrigados a divulgar a mensagem do político “no mesmo veículo, espaço, local, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce usados na ofensa, em até quarenta e oito horas após a entrega da mídia física com a resposta do ofendido”.
Mais dois detalhes restritivos: “A resposta ficará disponível para acesso pelos usuários do serviço de Internet pelo tempo não inferior ao dobro em que esteve disponível a mensagem considerada ofensiva” e “os custos de veiculação da resposta correrão por conta do responsável pela propaganda original”.
Obs.: essas medidas terão grande efeito inibidor da liberdade de expressão na internet, cuja característica principal é o caráter pessoal e irreverente de blogs e sites pessoas físicas. O relator do projeto, Flávio Dino (PC do B-MA), disse estar tentando diferenciar o sites e portais comerciais da imensa maioria da comunidade na internet que apenas usa a rede para expressar opiniões pessoais. Mas como todos os sites e blogs estão hospedados em provedores comerciais, essa distinção e fiscalização se tornam quase impossíveis.
Blogs, redes de relacionamento social etc.
Como é hoje: é proibido ao candidato ter esse tipo de ferramenta em sua campanha. Pessoas físicas também estão proibidas de fazer campanha pelos políticos.
Como pode ficar: foi difundida a tese de que tudo seria liberado. Não é verdade. Na prática, como vão valer as regras do rádio e da TV para a internet, qualquer pessoa corre o risco de ver interditado seu site, blog ou comunidade em redes de relacionamento se algum político se sentir ofendido. Por exemplo, a proposta de lei proíbe o uso de “recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”. Também está proibido “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação”.
Obs.: será impossível haver liberdade de expressão e informação para os milhares de blogs e sites se for necessário evitar humor que possa eventualmente “ridicularizar” algum político. Também não será possível fazer um blog a favor de um candidato se a lei proibir “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação”.
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