quinta-feira, 2 de julho de 2009

Corrupção e vidraça, por Humberto Ávila*

É comum escutar reclamações de passageiros relativamente aos danos causados às suas bagagens. Malas “tinindo de novas”, quando despachadas, são entregues amassadas aos passageiros. O que acontece com as bagagens entre o avião e a esteira localizada no terminal de desembarque é um grande mistério. Como ninguém sabe por quem nem como as bagagens são transportadas, não só tendem a menosprezar o trabalho dos funcionários, como não conseguem entender como uma tarefa supostamente tão simples pode eventualmente danificá-las, além de demorar tanto para ser concluída.

Faz alguns anos que essa situação foi alterada no aeroporto de Porto Alegre. A grande e sólida parede que separava o local de desembarque da área de transporte de bagagens foi substituída por um enorme e transparente vidro. O que antes era feito às escondidas passou a ser feito às escâncaras. E, porque tudo pode ser agora visto, tudo se alterou. A atitude dos funcionários mudou. Como seu difícil trabalho passou a ser enxergado, eles se sentiram valorizados. E aqueles poucos que outrora eventualmente jogavam com raiva as malas agora jeitosamente as colocam nas esteiras. O comportamento dos passageiros também se alterou. A singela tarefa de meramente retirar malas do avião e levá-las até as esteiras revelou-se uma trabalheira “que só vendo”. São centenas, quando não milhares de malas, de todos os tamanhos e formas. E, claro, pesos – de pequenas valises transportando “penas” a malas que parecem carregar “tijolos”. Os passageiros, que se incomodam com a singela – esta sim – tarefa de levar suas bagagens até o carro, passaram a respeitar, quando não mesmo a admirar, o penoso trabalho dos funcionários que vivem de carregar as malas dos outros. E descobriram que os danos provocados nas bagagens, que se tornaram cada vez mais raros, são muitas vezes produzidos pelo seu normal deslocamento durante os voos.

Se uma lição, uma só, dentre as tantas que hão de ser aprendidas, tivesse que ser tirada dos recentes escândalos envolvendo o Congresso Nacional, ela seria esta: sobram paredes e faltam vidros na atuação do poder público no Brasil. A partir do momento em que as atividades se tornarem transparentes, de modo que se saiba o que se faz com a coisa pública, quem faz e como se faz, tudo irá mudar. Chegou o momento de abrir as janelas e deixar o sol entrar. Ou, como diz a música do grupo Nenhum de Nós: “Amanhã eu vou abrir a casa. Vou deixar a luz do sol entrar. Uma vida inteira é demais pra esperar”.


*Professor da UFRGS e advogado

Fonte: Jornal Zero Hora - nº16018 - 02 de Julho de 2009.

2 comentários:

  1. A substituição da parede opaca pela parede de vidro poderá ser generalizada para outras áreas, além da política? Para a educação, por exemplo?

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  2. Carlos,
    Excelente observação, tudo seria diferente educação. Por exemplo teriamos professores e alunos de verdade, e não seria esse faz de conta.
    Abraços,
    Marise.

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