“Para aqueles que se habituaram à posse de admiração pública, ou mesmo à esperança de conquistá-la, todos os demais prazeres empalidecem e definham.” Adam Smith (1759)
No dia em que conheci essa frase, logo procurei guardá-la em meus alfarrábios. Pensei comigo que, hora ou outra, ela acabaria sendo útil. Agora, ao ver os episódios que se sucedem no Senado, fui recuperá-la. E, de fato, parece que a assertiva resume bem o que está ocorrendo: o presidente Sarney como que se acostumou com a admiração pública de um modo que não consegue mais viver sem ela. Trata-se de uma patologia político-moral: sem o poder, ele empalideceria e definharia.
Mas esse caso não se restringe ao plano da vaidade pessoal. Estamos diante de um típico exemplo de apropriação do Estado pelo interesse particular, o que na ciência política se chama de “patrimonialismo”. Em outras palavras, é uma confusão entre o público e o privado. Típica herança do Brasil Colônia, essa postura faz com que as coisas do povo sejam tratadas como propriedade do político-monarca: casas, cargos, carros, memoriais, seguranças, gasolina, passagens... Sarney já não sabe o que é seu, o que é dos seus, ou o que é dos brasileiros. Deve ter dúvida, até mesmo, se ele próprio não é o Brasil, institucionalizado ad eternum que se imagina.
E o presidente Lula – talvez o mais legítimo mandatário popular do nosso tempo – milita em defesa de Sarney: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”, disse ele, de pronto, lá de longe, assim que a crise eclodiu. Isso mesmo, com essas exatas palavras! Ele – o Lula do povo, do pau-de-arara, o Lula operário, ativista social, lutador da igualdade – verbalizava e referendava um grave vício moral da nossa política. O tratamento igual dos cidadãos perante a lei, pelas palavras do presidente da República, definitivamente, virou um conceito relativo em nosso ordenamento.
Há, portanto, claramente, na visão da atual elite política brasileira, os cidadãos de primeira e de segunda classes. De um lado, lá em cima no pedestal, aqueles que experimentaram o gosto da admiração pública e não querem largá-la por nada, como sugeriu Adam Smith. De outro lado, cá embaixo, os cidadãos comuns, os Lulas de hoje, que trabalham e pagam impostos, que são julgados segundo os rigores da lei. Do lado de lá, uma minoria bem servida. Do lado de cá, uma maioria correndo atrás da máquina. Do lado de lá, os que viajam faceiros. Do lado de cá, os que quitam a viagem. Do lado de lá, os que empregam uma geração inteira. Do lado de cá, os que pagam os salários da família alheia.
Estamos diante, sem dúvida, de um dos maiores achatamentos morais da história brasileira. E o Lula, de tantos méritos – bem maiores do que eu mesmo supunha, especialmente na gestão econômica –, consegue prestar um grande serviço à desmoralização do debate nacional e ao arrefecimento da reação popular. Ovacionado por quase 80% do eleitorado, tudo o que diz vira ouro, ganha legitimidade. E nós, os comuns, eis que permanecemos condenados ao status quo, ao chão desta institucionalidade pseudodemocrática. Pior que a crise política, como se vê, é a incapacidade de reação da nação. Além de comuns, parece que perdemos as forças.
No dia em que conheci essa frase, logo procurei guardá-la em meus alfarrábios. Pensei comigo que, hora ou outra, ela acabaria sendo útil. Agora, ao ver os episódios que se sucedem no Senado, fui recuperá-la. E, de fato, parece que a assertiva resume bem o que está ocorrendo: o presidente Sarney como que se acostumou com a admiração pública de um modo que não consegue mais viver sem ela. Trata-se de uma patologia político-moral: sem o poder, ele empalideceria e definharia.
Mas esse caso não se restringe ao plano da vaidade pessoal. Estamos diante de um típico exemplo de apropriação do Estado pelo interesse particular, o que na ciência política se chama de “patrimonialismo”. Em outras palavras, é uma confusão entre o público e o privado. Típica herança do Brasil Colônia, essa postura faz com que as coisas do povo sejam tratadas como propriedade do político-monarca: casas, cargos, carros, memoriais, seguranças, gasolina, passagens... Sarney já não sabe o que é seu, o que é dos seus, ou o que é dos brasileiros. Deve ter dúvida, até mesmo, se ele próprio não é o Brasil, institucionalizado ad eternum que se imagina.
E o presidente Lula – talvez o mais legítimo mandatário popular do nosso tempo – milita em defesa de Sarney: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”, disse ele, de pronto, lá de longe, assim que a crise eclodiu. Isso mesmo, com essas exatas palavras! Ele – o Lula do povo, do pau-de-arara, o Lula operário, ativista social, lutador da igualdade – verbalizava e referendava um grave vício moral da nossa política. O tratamento igual dos cidadãos perante a lei, pelas palavras do presidente da República, definitivamente, virou um conceito relativo em nosso ordenamento.
Há, portanto, claramente, na visão da atual elite política brasileira, os cidadãos de primeira e de segunda classes. De um lado, lá em cima no pedestal, aqueles que experimentaram o gosto da admiração pública e não querem largá-la por nada, como sugeriu Adam Smith. De outro lado, cá embaixo, os cidadãos comuns, os Lulas de hoje, que trabalham e pagam impostos, que são julgados segundo os rigores da lei. Do lado de lá, uma minoria bem servida. Do lado de cá, uma maioria correndo atrás da máquina. Do lado de lá, os que viajam faceiros. Do lado de cá, os que quitam a viagem. Do lado de lá, os que empregam uma geração inteira. Do lado de cá, os que pagam os salários da família alheia.
Estamos diante, sem dúvida, de um dos maiores achatamentos morais da história brasileira. E o Lula, de tantos méritos – bem maiores do que eu mesmo supunha, especialmente na gestão econômica –, consegue prestar um grande serviço à desmoralização do debate nacional e ao arrefecimento da reação popular. Ovacionado por quase 80% do eleitorado, tudo o que diz vira ouro, ganha legitimidade. E nós, os comuns, eis que permanecemos condenados ao status quo, ao chão desta institucionalidade pseudodemocrática. Pior que a crise política, como se vê, é a incapacidade de reação da nação. Além de comuns, parece que perdemos as forças.
Fonte: Jornal Zero Hora - nº 16017 - 01 de Julho de 2009.
"Típica herança do Brasil Colônia, essa postura faz com que as coisas do povo sejam tratadas como propriedade do político-monarca" - suponho que possa haver outras causas, pois em Portugal (que não foi colónia) essa atitude é frequente entre os políticos.
ResponderExcluirMas parece que aí como aqui as consequências são semelhantes. Talvez a pior dessas consequências seja o facto da descredibilização dos políticos poder levar à descredibilização da democracia.
Cumprimentos.