domingo, 31 de maio de 2009

Brasil, mostra tua face!, por Nelson Fossatti*

If you drive car I’ll tax the street, If you try to sit I’ll tax the seat, If you get too cold I’ll tax the heat, If you take a walk I’ll tax your feet. (George Harrinson – Beatles).

Se você dirige um carro eu cobrarei imposto da rua, Se você tentar se sentar eu cobrarei impostos do assento, Se você ficar com muito frio eu cobrarei impostos do aquecimento, Se você sair para caminhar eu cobrarei impostos de seus pés... A face do Brasil se contextualiza através do setor público, privado e participação da sociedade. Neste ano, parte da sociedade, 25,6 milhões, 13% de cidadãos, pagou seus devidos impostos, embora 190 milhões, como um todo, o façam de forma indireta, uma carga tributária que representa 39% do PIB, um terço do orçamento da União, que beira trilhões de reais. Impostos se destinam a investimentos, a pagar dívidas e salários. Parece não haver muita transparência quanto à remuneração de parlamentares, que trabalham três dias/semana na catedral das leis, na distante Brasília.

Um estranhamento? Não, mas este é o único país onde se pergunta quanto alguém ganha por mês, quando se deveria perguntar quanto ganha por ano. Sabe-se que um parlamentar percebe por mês apenas R$ 16,5 mil, se for por ano a conta é surrealista, ultrapassa R$ 1 milhão. Soma-se ao salário, verba de gabinete de R$ 50.815, verba indenizatória, cota postal/telefone, auxílio moradia, material gráfico e passagens aéreas até R$ 15 mil que foram “bem utilizadas” por 261 deputados, artistas, sogras, eventuais. Outros parlamentares ousaram comercializar suas cotas de viagem em agências aéreas para engordar o salário do mês. A solução para aumentar o salário dos parlamentares foi dada em 2005 na campanha da eleição do deputado Arlindo Chinaglia, o atual presidente se elegeu com o objetivo de lutar por uma remuneração igual à de desembargadores do STJ de R$ 24,5 mil. Os recursos existem (os tributos bancam este custo), o problema é a época inapropriada. Certamente deverá acontecer em véspera do Natal, Carnaval ou na época do grande evento nacional, Copa do Mundo. O Congresso atual abriga 191 diretorias, mais de 19 mil funcionários. Destes, 1.960 cargos de natureza especial (CNEs) e secretários parlamentares com salários que passam de R$ 8 mil/ mês, ainda uma incógnita. Mas ali se trabalha, a Constituição/88, que ao completar 20 anos produziu, em relação a “impostos”, mais taxas, e mais contribuições, já sofreu 13 emendas, 32 leis complementares, 496 leis ordinárias e milhares de medidas provisórias decretos e normas complementares.

O IBPT revela que, após a promulgação da Carta Magna/88, foram criadas 296 mil normas tributárias, hoje merecem atenção das instituições apenas 3,2 mil. É bom lembrar entre 67 taxas/impostos, alguns continuam onerosos ao cidadão, energia elétrica 45,81%, telefone fixo 46,65%, combustível 53%. É o gigantismo tributário que se alimenta da renda de quatro meses e 25 dias do trabalhador e desdenha a incensada “reforma tributária”. Não é de estranhar que o prêmio à legião de servidores do Congresso Nacional seja inimaginável, a casa pagou R$ 4 milhões em horas extras ao pessoal que estava de férias. Há quanto tempo isto acontece? De outro lado, registra-se o esforço da Advocacia-Geral da União (AGU) apontando as 151 autarquias, fundações públicas e agências reguladoras que não conseguem ser efetivas, emitiram autos de infração no valor de R$ 20 bilhões, que ainda não aportaram aos cofres públicos. As agências reguladoras parecem impotentes diante de algumas empresas, perdendo credibilidade frente à impunidade regulatória.

Observa-se o Judiciário, que registra mais de 54 milhões de processos em andamento com previsão de dobrar em 10 anos. Conforme aponta estudo do Ipea, insegurança jurídica reduz em 20% a taxa de crescimento do país, o que torna difícil a vida do empresário, a geração de novos empreendedores. Como realizar investimentos e sobreviver diante de juros, do burocrossauro, da informalidade e da pirataria. Não é possível o cidadão consciente olhar este cenário e permanecer em berço esplêndido, financiando o país da fantasia, patrocinando a “papanja dos parlamentares”, das micaretas, dos trens do forró e das pajelanças em Parintins. Molière diz: “Somos responsáveis não só por aquilo que fazemos, mas somos responsáveis por aquilo que deixamos de fazer”. “O que fazer?” Toda atitude deve ter como base “fatos e dados”. Os fatos dão transparência, os dados nos dão visibilidade. Pode-se justificar pelos fatos a inércia de muitos, mas certamente, quando se tem um elenco de dados públicos e uma consciência cidadã, sobram motivos para as velhas e as novas gerações cobrarem controles, moralidade, ética e respeito à res publica. A presença reitora da mídia livre, dos meios de comunicação, contribuintes, consumidores, usuários e a sociedade não podem conviver com o cancro de privilégios, tampouco com o muro secular do patrimonialismo que tinge as cores do país. Espera-se que o setor público seja mais público que o privado, que a sociedade exerça sua accountabilility e grande parceira, sem receio, possa dizer “Brasil, mostra tua face”.

ZERO HORA.com

Você concorda que os excessos do poder público se constituem na principal causa da elevada carga de impostos no país?

*Professor da PUCRS

Alunos do 3ºsérie do Ensino Médio, leiam o artigo, faremos um debate sobre o tema na próxima aula de Sociologia.

Fonte: Jornal Zero Hora - 31 de maio de 2009 - N° 15986

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