terça-feira, 27 de outubro de 2009

O regresso do marxismo?

Leszek Kolakowski foi um filósofo polaco forçado a abandonar o seu país em 1968. Daí que as suas obras mais conhecidas tenham sido publicadas no estrangeiro. Viveu a maior parte do seu exílio em Londres, o que não deixa de ser curioso para um filósofo católico ex-marxista. A sua obra mais conhecida é Main Currents of Marxismo, a sua história do marxismo em três volumes. Publicada originalmente em Paris, em 1976, e dois anos mais tarde em Inglaterra, pela Oxford University Press, é considerada um monumento da cultura humanística moderna. Kolakowski, um filósofo, um historiador de filosofia e um pensador católico, aos 27 anos foi acusado de “se desviar da ideologia marxista-leninista”. Em 1966, numa conferência na Universidade de Varsóvia, foi repreendido oficialmente como sendo o “principal ideólogo do chamado movimento revisionista”.

A importância da sua obra não vem de ser uma história do socialismo, que não é. O autor presta pouca importância a contextos políticos ou organizações sociais. A obra é sim uma narrativa de ideias coerentes e muito profundas acerca da ascensão e queda de teorias e teóricos que moldaram todo o século XX. Para ele, a importância do marxismo não vem das suas proposições sobre a luta de classes, tão-pouco pela procura de um desmoronamento inevitável do capitalismo; mas vem, isso sim, pela mistura de uma ilusão romântica com um determinismo histórico intransigente. O que distingue esta obra de outras semelhantes sobre o marxismo é a perspectiva polaca de Kolakowski, que autoriza uma leitura moral da história do século XX: “O Diabo faz parte da nossa experiência. A nossa geração já viu o suficiente dele para levar a mensagem extremamente a sério. O mal, eu afirmo, não é contingente, não é a ausência, ou deformação, ou a subversão da virtude (ou seja o que for que pensemos como seu oposto), mas um facto obstinado e irremissível”.

Karol Wojtyla, o polaco João Paulo II, ficou na história, de entre outras razões, por ter desempenhado um papel crucial no colapso e queda da União Soviética. Em especial pelo apoio determinante que deu ao Solidariedade. Durante o seu papado foi anfitrião de uma série regular de “conversas” na sua residência de Castelgandolfo. Os convidados eram sociólogos, filósofos, historiadores e o propósito era debater os problemas do mundo. Debateram “A Europa e a Sociedade Civil”, “Sobre a Crise”, “A Europa e a Descendência” e “A Sociedade Liberal”, entre outros. Leszek Kolakowski foi um dos convidados e esteve presente.

A importância extraordinária deste filósofo também se deve ao facto dele ter detectado o imenso abismo moral que se abriu entre os intelectuais “do Leste” e os “ocidentais”. Enquanto os primeiros, devido à sua vivência do comunismo, se afastavam, os segundos faziam enormes esforços para “salvar o socialismo das deficiências do marxismo, para salvar o marxismo dos fracassos do comunismo e para salvar o comunismo dos seus próprios crimes”. Mas ele também adverte: “Karl Marx pode ter sido um profeta falhado e os seus discípulos uma clique de tiranos, mas o pensamento marxista e o projecto socialista exerceram um domínio sem paralelo sobre algumas das melhores mentes do século passado”. E a questão permanece em aberto.

É que, como diz Kolakowski, todos aqueles que nos últimos anos se precipitaram sobre o cadáver do marxismo e proclamaram a vitória da democracia e do mundo livre, deveriam permanecer atentos. A chamada “seriedade moral da convicção de Marx de que o destino do nosso mundo, como um todo, está ligado à condição dos seus membros mais pobres e desfavorecidos” continua como a mais influente “reacção às múltiplas deficiências das sociedades capitalistas e de tradição liberal”.

Querem um exemplo? A chamada “Questão Social”, que para os contemporâneos de Marx não era mais do que a forma de tratar e anular enormes disparidades de riqueza e de pobreza, e vergonhosas desigualdades de saúde, educação e de oportunidades, está de volta à agenda internacional. Crescimentos económicos díspares, eliminação de actividades industriais pela abertura de mercados, padrões repugnantes na redistribuição da riqueza global, desemprego e especulação financeira desenfreada, são alguns dos problemas sem resposta. Nestas condições, como dizia Jacques Attali, conselheiro político do Presidente François Mitterrand, “a caveira pode sorrir de novo …”

Por: Luís Quintino


Fonte: Jornal Labor - Portugal - 22-10-2009 - Recebi por e-mail do Colega e Amigo Mauro de Porto Alegre - RS.

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