O povo do Rio Grande do Sul, o gaúcho, tem sem dúvida uma história marcante. Com uma integração tardia ao resto do país, seja do ponto de vista econômico, seja do acesso territorial, teve de travar inúmeras batalhas, muito bem descritas por Erico Verissimo, para construir suas fronteiras e decidir entre uma identidade, ou portuguesa, ou espanhola. Sua história, entretanto, não é apenas marcada pela luta na demarcação de duas fronteiras (Uruguai e Argentina), mas também no que diz respeito à construção de seu espaço político – e simbólico – com relação ao próprio Brasil. Nesse sentido, foram muitas as vezes em que o Estado teve de tomar frente para deter desmandos na política nacional.
A identidade “gaúcha” traduz a história de bravura de um povo que aprendeu a constituir-se e a reconhecer-se com uma dupla autonomia: a autonomia com relação às suas fronteiras e a autonomia (mesmo que relativa) com relação à identidade-Brasil. Daí a razão pela qual temos a impressão de que o povo sul-rio-grandense percebe-se primeiramente como “gaúcho” e posteriormente como brasileiro, ao contrário da maior parte dos outros Estados da federação.
Foi o processo histórico de formação do povo do Rio Grande do Sul e da consequente construção da identidade gaúcha – duas coisas diferentes – que fizeram emergir a autopercepção de que “o gaúcho é politizado”. É interessante, entretanto, observar que raramente se fala que o povo “sul-rio-grandense é politizado”, isto é, quando se fala em politização, fala-se de uma identidade, de um simbólico, de uma representação histórica sobre o povo do Rio Grande do Sul. Fala-se sobre aquilo que no passado pôde de fato ter significado politização. Quando observada a política praticada no Rio Grande do Sul nas últimas décadas, isto é, quando se acompanha a relação entre Estado e sociedade civil pelo ponto de vista da democracia representativa: partidos políticos, parlamento, sindicatos, corporações, agremiações etc., é notória a não politização do povo sul-rio-grandense. Isto parece ter ficado mais claro ainda no que diz respeito ao governo Yeda Crusius e o recente pacote para Brigada Militar e professores.
Contemporaneamente, as chamadas democracias consolidadas esforçam-se pela construção de consenso. Na dinâmica dos processos políticos atuais, internos ou externos, cuja interdependência do local, do regional e do global rearticulam-se o tempo todo no que diz respeito às diferentes dimensões do social – cultura, política, economia –, a politização não é sinônimo de posturas antagônicas: ou direita, ou esquerda; ou Estado, ou sociedade civil; ou capitalismo, ou bem-estar social. Ainda é muito reforçada na cultura do Rio Grande do Sul a ideia de que ser politizado é ser de esquerda (no sentido tradicional do termo) ou colocar-se num dos polos de qualquer relação de antagonismo. Não, não é! Nos dias de hoje, a politização requer diálogo, muito diálogo e composição para que a lógica da diferença busque ser transposta, minimizada entre representantes, Estado e representados.
Politização nas sociedades de hoje, cujas “diferenças” não apenas buscam expressar-se, mas são incentivadas por múltiplos representantes a fazê-lo, não comporta mais a simplista ideia de que “si hay gobierno soy contra”. Numa democracia representativa, a construção de consenso entre governo e representantes (diferentes corporações de classe) deve ser condição de exigência de todo representado, o cidadão, uma vez que tanto um quanto o outro estão a seu serviço. Nesse sentido, se pensarmos no “gaúcho” como a construção simbólica que tem representado um passado de bravura e glória, a ideia de politização pode até fazer sentido, mas se pensarmos no povo do Rio Grande do Sul e na sua tendência a polarizações e dificuldade em construir consenso, a expressão “o gaúcho é politizado” constitui-se em mera retórica.
* Professor de Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Fonte: Jornal Zero Hora
A identidade “gaúcha” traduz a história de bravura de um povo que aprendeu a constituir-se e a reconhecer-se com uma dupla autonomia: a autonomia com relação às suas fronteiras e a autonomia (mesmo que relativa) com relação à identidade-Brasil. Daí a razão pela qual temos a impressão de que o povo sul-rio-grandense percebe-se primeiramente como “gaúcho” e posteriormente como brasileiro, ao contrário da maior parte dos outros Estados da federação.
Foi o processo histórico de formação do povo do Rio Grande do Sul e da consequente construção da identidade gaúcha – duas coisas diferentes – que fizeram emergir a autopercepção de que “o gaúcho é politizado”. É interessante, entretanto, observar que raramente se fala que o povo “sul-rio-grandense é politizado”, isto é, quando se fala em politização, fala-se de uma identidade, de um simbólico, de uma representação histórica sobre o povo do Rio Grande do Sul. Fala-se sobre aquilo que no passado pôde de fato ter significado politização. Quando observada a política praticada no Rio Grande do Sul nas últimas décadas, isto é, quando se acompanha a relação entre Estado e sociedade civil pelo ponto de vista da democracia representativa: partidos políticos, parlamento, sindicatos, corporações, agremiações etc., é notória a não politização do povo sul-rio-grandense. Isto parece ter ficado mais claro ainda no que diz respeito ao governo Yeda Crusius e o recente pacote para Brigada Militar e professores.
Contemporaneamente, as chamadas democracias consolidadas esforçam-se pela construção de consenso. Na dinâmica dos processos políticos atuais, internos ou externos, cuja interdependência do local, do regional e do global rearticulam-se o tempo todo no que diz respeito às diferentes dimensões do social – cultura, política, economia –, a politização não é sinônimo de posturas antagônicas: ou direita, ou esquerda; ou Estado, ou sociedade civil; ou capitalismo, ou bem-estar social. Ainda é muito reforçada na cultura do Rio Grande do Sul a ideia de que ser politizado é ser de esquerda (no sentido tradicional do termo) ou colocar-se num dos polos de qualquer relação de antagonismo. Não, não é! Nos dias de hoje, a politização requer diálogo, muito diálogo e composição para que a lógica da diferença busque ser transposta, minimizada entre representantes, Estado e representados.
Politização nas sociedades de hoje, cujas “diferenças” não apenas buscam expressar-se, mas são incentivadas por múltiplos representantes a fazê-lo, não comporta mais a simplista ideia de que “si hay gobierno soy contra”. Numa democracia representativa, a construção de consenso entre governo e representantes (diferentes corporações de classe) deve ser condição de exigência de todo representado, o cidadão, uma vez que tanto um quanto o outro estão a seu serviço. Nesse sentido, se pensarmos no “gaúcho” como a construção simbólica que tem representado um passado de bravura e glória, a ideia de politização pode até fazer sentido, mas se pensarmos no povo do Rio Grande do Sul e na sua tendência a polarizações e dificuldade em construir consenso, a expressão “o gaúcho é politizado” constitui-se em mera retórica.
* Professor de Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Fonte: Jornal Zero Hora
Oi Marise...
ResponderExcluirNossa como é bom vir aqui... aprendo tanto, me empolgo com a leitura ao ponto de ter longas conversas com meu esposo a respeito do que li..isso faz tão bem!! Obrigada por nos presentear com textos tão bons e que nos estimula a pensar e querer cada vez mais aprender.
Marise vou visitar o blog da sua filha.
Acho que já vi uma vez e quero parabenizá-la por incentivar a escrita assim... tal mãe , tal filha né?
Bjs carinhosos
Márcia