sexta-feira, 9 de julho de 2010

Há vagas. Sobra lei, por Paulo Vanzetto Garcia*

A diferença entre o remédio e o veneno é a dose ministrada. É difícil encontrar a quantidade certa, atingir o ponto ideal. O mesmo acontece com o progresso humano, o que é bom numa época pode ser danoso mais adiante. Com as mudanças aceleradas nas relações trabalhistas, fruto das novas tecnologias, é difícil fazer distinções claras entre capital e trabalho, como até meados do século passado. As forças que pendiam mais para um lado hoje são quase equivalentes, pesando mais para um ou outro, conforme as circunstâncias. O patrão pode correr maiores riscos, mas ele é dependente do conhecimento de seus colaboradores e das mudanças aceleradas do mercado.

Como lidar com esta nova realidade, ou este carro rápido, veloz e cheio de bugigangas tecnológicas – se quisermos fazer uma imagem comparativa – com um caminho cheio de obstáculos legais? Nossa legislação, por motivos de formação democrática e com receio de recaídas autoritárias, talvez, tentou garantir-se contra retrocessos de uma maneira tal, que engessou as possibilidades de transformação, conforme a evolução democrática e da economia. A Constituição e as leis foram fortemente influenciadas pelos temores dos tempos de exceção, alterando artificialmente as correlações de forças, como se fosse possível, hoje, fazer um operário trabalhar sem o descanso devido, entre outros casos. As chamadas “conquistas sociais” do tempo do início da industrialização brasileira são defendidas de maneira revolucionária, como se tivessem sido baixadas após um movimento guerrilheiro. Discutir eficácia, no mundo atual, de algum destes dogmas senis, equivale a um ato tão lesivo quanto o de cortar a barba de Fidel, ou a uma afronta herege, punida com a excomunhão.

Por mais que os defensores ferrenhos da legislação ultrapassada se apeguem à imobilidade, os fatos terminarão se impondo, tornando-os minoria apenas barulhenta. Países desenvolvidos são desburocratizados, com regras simples e ágeis. Entraves e obstáculos são facilmente compreendidos e retirados, sem muitas discussões ideológicas. Na onda de desenvolvimento que os brasileiros estão experimentando, começamos a perceber as distorções que normas trabalhistas vetustas e obsoletas podem gerar.

A construção civil é um bom exemplo. Podemos dizer que enfrentamos, hoje, um bom problema, na falta de mão de obra. Nossas empresas estão buscando operários até fora do país. Carros de som percorrem as ruas da cidade tentando atrair interessados: trabalhadores, tragam suas carteiras de trabalho, nós queremos assiná-las. Entretanto, numa equação sombria e marginal, ao mesmo tempo em que buscamos pessoal para contratação formal, com todas as garantias, centenas de milhares de homens, todos os dias, saem de suas casas para executar funções informais, sem segurança alguma, sem nenhum custo adicional que não seja o pagamento direto ao trabalhador.

Em 2010, ainda carregamos uma CLT da década de 30, um avanço à época, quando o Brasil, recém saído da República Velha, ainda mantinha um perfil quase escravocrata. Uma legislação obsoleta e ultrapassada, que prejudica o bom trabalhador, nivelando todos por baixo. Nossa recente democracia ainda não permitiu continuidade de tempo para formar líderes que não carregassem os vícios nem os traumas da ditadura. Com isso, pretender modernizar uma pseudoconquista trabalhista é quase uma ofensa mortal, trata-se de uma afronta ideológica. Mas, ainda vai chegar o tempo em que o trabalhador vai mandar a ideologia às favas e adotará o pragmatismo das democracias perenes, se expressando melhor individualmente, ou através de sindicatos menos dependentes do paternalismo estatal. Ou seja, mais autênticos, refletindo a realidade.


*Engenheiro, presidente do Sinduscon-RS

Fonte: Jornal Zero Hora

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