“... Quid non mortalia pectora cogis
Auri sacra fames!
A que não obrigas os corações humanos,
Ó execranda fome de ouro!”
(Virgílio, Eneida. Livro III)
Confesso que o meu pobre latim tropeçava até mesmo na tradução de “auri sacra fames”, pois me inclinava por traduzir “sacra” como “sagrada”, até descobrir, com a ajuda do dicionário latino, que Virgílio usou a palavra com o sentido de abominável, execrável, infame. Convertida a “sagrada fome de ouro” em “execrável fome de ouro”, munia-se o articulista de uma epígrafe honrosa para fustigar a corrupção pretérita e presente.
Fique claro, desde logo, que o poeta não escreveu em Brasília do século 21, mas na Roma anterior a Cristo, e que, portanto, a abominável cobiça pelo dinheiro é vício dos mais antigos, que não foi inventado na Pindorama e antecede o uso de cuecas e de meias como veículos de transferência de grana.
É frequente que me perguntem se a corrupção administrativa era tão agressiva e ostensiva no passado como se apresenta nos tempos contemporâneos. Talvez não fosse tão afrontosa. Mas, em termos mais discretos, nunca deixou de existir, porque a canalhice humana é tão antiga quanto o Velho Testamento.
Sucede que a corrupção varia na razão direta da intervenção estatal na economia, e na ordem, também direta, da dimensão dos orçamentos públicos. Quanto mais intensas e próximas as relações entre políticos e empresários, maiores são as possibilidades de superfaturamento, de fraude às concorrências, de fiscalização omissa, e, logicamente, da propina que acompanha tais eventos. E quanto maiores os orçamentos da administração direta ou das autarquias e fundações públicas, maior o campo oferecido aos peculatos, às concussões, aos subornos e a todo o leque de crimes contra a máquina pública.
O tema em que tenho insistido é que os administradores do passado, mesmo alguns que granjearam fama de incorruptíveis, tinham seus pecados, e mesmo quando não tivessem a ousadia de sujar as próprias mãos, não resistiam às razões de favorecer os amigos e os aliados políticos. A “razão de Estado”, a “conveniência da administração” e o famoso “bem público”, tinham costas largas para justificar favorecimentos pessoais, concorrências fantasiosas e outros expedientes inconfessáveis.
Abro um relatório da Diretoria de Viação Terrestre, da Secretaria de Obras Públicas, de 1912, e leio a observação sem disfarces do engenheiro J.L. de Faria Santos a propósito da estrada de Venâncio Aires a Soledade, então em construção: “Merece notar-se a coincidência de serem esta estrada e a de Porto Alegre a Belém Velho, construídas por empreitada mediante concorrência pública, mais caras e de inferior qualidade às que temos feito por administração”. Vale dizer: o Estado construía mais barato e melhor do que seus afortunados empreiteiros! Isto podia escrever um exemplar funcionário, sem medo de contestação.
A propósito do senador Pinheiro Machado, um dos heróis da República, o criterioso historiador Joseph Love escreveu que “pairava ao seu redor um ar inconfundível de corrupção”. E isto ao tempo da República Velha, quando não começara a maciça intervenção estatal na economia.
Auri sacra fames!
A que não obrigas os corações humanos,
Ó execranda fome de ouro!”
(Virgílio, Eneida. Livro III)
Confesso que o meu pobre latim tropeçava até mesmo na tradução de “auri sacra fames”, pois me inclinava por traduzir “sacra” como “sagrada”, até descobrir, com a ajuda do dicionário latino, que Virgílio usou a palavra com o sentido de abominável, execrável, infame. Convertida a “sagrada fome de ouro” em “execrável fome de ouro”, munia-se o articulista de uma epígrafe honrosa para fustigar a corrupção pretérita e presente.
Fique claro, desde logo, que o poeta não escreveu em Brasília do século 21, mas na Roma anterior a Cristo, e que, portanto, a abominável cobiça pelo dinheiro é vício dos mais antigos, que não foi inventado na Pindorama e antecede o uso de cuecas e de meias como veículos de transferência de grana.
É frequente que me perguntem se a corrupção administrativa era tão agressiva e ostensiva no passado como se apresenta nos tempos contemporâneos. Talvez não fosse tão afrontosa. Mas, em termos mais discretos, nunca deixou de existir, porque a canalhice humana é tão antiga quanto o Velho Testamento.
Sucede que a corrupção varia na razão direta da intervenção estatal na economia, e na ordem, também direta, da dimensão dos orçamentos públicos. Quanto mais intensas e próximas as relações entre políticos e empresários, maiores são as possibilidades de superfaturamento, de fraude às concorrências, de fiscalização omissa, e, logicamente, da propina que acompanha tais eventos. E quanto maiores os orçamentos da administração direta ou das autarquias e fundações públicas, maior o campo oferecido aos peculatos, às concussões, aos subornos e a todo o leque de crimes contra a máquina pública.
O tema em que tenho insistido é que os administradores do passado, mesmo alguns que granjearam fama de incorruptíveis, tinham seus pecados, e mesmo quando não tivessem a ousadia de sujar as próprias mãos, não resistiam às razões de favorecer os amigos e os aliados políticos. A “razão de Estado”, a “conveniência da administração” e o famoso “bem público”, tinham costas largas para justificar favorecimentos pessoais, concorrências fantasiosas e outros expedientes inconfessáveis.
Abro um relatório da Diretoria de Viação Terrestre, da Secretaria de Obras Públicas, de 1912, e leio a observação sem disfarces do engenheiro J.L. de Faria Santos a propósito da estrada de Venâncio Aires a Soledade, então em construção: “Merece notar-se a coincidência de serem esta estrada e a de Porto Alegre a Belém Velho, construídas por empreitada mediante concorrência pública, mais caras e de inferior qualidade às que temos feito por administração”. Vale dizer: o Estado construía mais barato e melhor do que seus afortunados empreiteiros! Isto podia escrever um exemplar funcionário, sem medo de contestação.
A propósito do senador Pinheiro Machado, um dos heróis da República, o criterioso historiador Joseph Love escreveu que “pairava ao seu redor um ar inconfundível de corrupção”. E isto ao tempo da República Velha, quando não começara a maciça intervenção estatal na economia.
Fonte: Jornal Zero Hora
Imagem: Taringa !
Eterna corrupção.O que doi mais é chamá-la de eterna. Eternas deviam ser as paixões, os amores, as amizades, a solidariedade, a partilha, não essa coisa nojenta. E doi ainda mais ver a polícia pisoteando com cavalos, pessoas que estavam numa manifestação pacífica, dentro da ordem, contra a corrupção. Depois dizem que a ditadura acabou.Essa infelizmente tambem é eterna. Um abraço e ótima semana
ResponderExcluirQuerida amiga.
ResponderExcluirPenso que o pior do que esta corrupção que vemos, é o nosso espírito acostumar-se com ela.
E não só com ela, mas com a falta de educação, de respeito, de cuidado com a vida...
Tuas postagens tem o mérito de sempre elevar o nosso poder de entender a vida que nos rodeia.
Semana de muita ternura para ti.