“A propaganda abolicionista, com efeito, não se dirige aos escravos.(…) A emancipação há de ser feita entre nós, por uma lei que tenha os requisitos, externos e internos, de todas as outras. É, assim, no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade”. (Joaquim Nabuco. O Abolicionismo)
“A sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento o trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo”. (Florestan Fernandes. A Integração do Negro na Sociedade de Classes)
Considerado do ponto de vista institucional, isto é, sob a ótica do Estado, a participação política dos negros e negras foi historicamente neutralizada, ora por mecanismos de cooptação (principalmente nas regiões mais atrasadas do Brasil), ora pela repressão. O próprio movimento abolicionista realizou-se em seu nome e com objetivos colaboracionistas, colocando senhor e escravo no mesmo patamar: vítimas iguais de um mesmo sistema. Aos escravos foi negado o direito de ser agente de transformação da sua própria história. Então, veio a abolição, mas a causa da liberdade permaneceu irresoluta: ao escravo liberto não foram facultadas as condições econômicas e sociais para o usufruto da plena liberdade.
As condições históricas da inserção do negro na sociedade brasileira são elementos facilitadores do controle e exclusão política. Escravos na colônia e no império, sustentáculos do desenvolvimento econômico brasileiro durante décadas, foram jogados no seio de uma sociedade fundada em bases secularmente racistas. Libertos foram preteridos do mercado formal de trabalho em nome de um projeto elitista de branqueamento do país. Tiveram que disputar com o imigrante europeu até mesmo as mais modestas oportunidades de trabalho livre, como a de engraxate, jornaleiro ou vendedor de frutas e verduras, transportadores de peixe e carregadores de sacas de café, etc. as mulheres negras garantiram a sobrevivência da família trabalhando, ontem como hoje, como domésticas, faxineiras, babás, doceiras, cozinheiras, lavadeiras e outras atividades similares. As melhores ocupações ficaram com seu concorrente direto: o europeu.
Desconsiderado econômica, social e culturalmente, o negro, a exemplo dos brancos pobres, foi excluídos do jogo político das oligarquias que dominavam a república velha. Esta situação não foi modificada com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder: manteve-se o critério de que a política é uma atividade restrita às elites. E isto foi ainda mais aprofundado durante o Estado Novo: cabia às camadas inferiores do povo, sendo a raça negra sua maioria, contentar-se com a função submissa de colaborar para a harmonia e a manutenção da ordem social, condições para o progresso e o desenvolvimento econômico brasileiro.
É verdade que no curto período denominado pelos sociólogos e historiadores como populista, os trabalhadores e trabalhadoras foram alçados à posição de coadjuvantes no cenário da política brasileira do período pós II Guerra Mundial até o golpe militar de 1964. É fato também que a política oficial não podia mais desconsiderar estes sujeitos históricos (por isso a necessidade do golpe militar).
Mas, uma análise mais cuidadosa nos mostrará que, apesar dos avanços na participação política, inclusive dos negros, e mesmo na forma como os governos populistas encaravam a questão social, estávamos longe de colocar a questão racial como um tema central da política brasileira. Aliás, a admissão da questão racial adquiriu até mesmo ares de antipatriotismo Com efeito, a forma corriqueira de negar a existência do racismo e de todas as suas conseqüências é simplesmente fazer de conta de que não temos este problema. Consequentemente, os negros continuavam excluídos.
Nos anos da redemocratização, a questão racial foi de novo relegada a um plano secundário: afinal, tratava-se de libertar o país do jugo da ditadura. Se não podemos nos surpreender com a atitude historicamente preconceituosa do pensamento dominante, é interessante observar como os partidos e organizações políticas de esquerda, que defendem idéias igualitárias e contra todo tipo de opressão, também terminam por negligenciar a questão racial.
Eurocêntrica em sua fundamentação teórica, a esquerda brasileira teve como parâmetro um determinismo economicista que reduz todas as relações sociais às determinações de classe, ou seja, vêem o trabalhador e a trabalhadora, negro ou branco, negra ou branca, sob a lente do conflito Capital X Trabalho. Passa-lhe despercebido que o homem e a mulher não são apenas agentes econômicos, mas seres sociais e, ao mesmo tempo, específicos.
Uma esquerda enviesada por tal reducionismo tende a passar ao largo de questões como o racismo. Impregnada pela ideologia racista dominante, não compreende o papel e a importância desta ideologia enquanto elemento reprodutor e estruturante das desigualdades em nossa sociedade. Por conseqüência, transforma a questão racial em mera questão relativa às ‘minorias’.
Em suma, se considerarmos o âmbito institucional, a situação do negro e da negra parece estática. É verdade que hoje eles podem escolher de quatro em quatro anos quem os governarão pelo próximo período. É verdade também que temos canais de participação política e mesmo a possibilidade dos negros e negras tornarem-se senadores/as da república e/ou ministros.
Ainda é pouco e antes constitui a exceção que confirma a regra. Quantos vereadores negros e negras temos em nossas câmaras municipais? E nas prefeituras? Qual a porcentagem de deputados negros e negras nos estados e no Congresso Nacional? E no senado? E se considerarmos as direções dos partidos políticos, mesmo os de esquerda? Será diferente nas direções sindicais? Em todos os casos veremos que a participação da raça negra segue a mesma lógica observável nos demais setores da sociedade: no mercado de trabalho, no acesso à educação superior etc., as estatísticas demonstram que o negro e a negra são minoritários e tratados como inferiores.
Contudo, a despeito das adversidades em que a luta anti-racista foi historicamente submetida, inclusive através do isolamento político, o negro e a negra sempre resistiram. Há uma história política não institucional que nem sempre é contada. A começar por Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência de um povo que luta pela vida em liberdade. Esta experiência histórica, em geral desconhecida, mesmo no ensino formal, representou uma radical contestação à ordem dominante, subvertendo a ideologia dominante quanto à boçalidade e indolência dos trabalhadores negros.
A resistência negra também se fez presente na organização de suas entidades: como a Frente Negra Brasileira nos anos 20/30 (colocada na ilegalidade em 1937 por Getúlio Vargas); o Movimento Negro Unificado, organizado em 1978; a emergência do Movimento de Mulheres Negras que, em 1995, interferiram nos fóruns nacionais e internacionais que preparavam a Conferência Beijin 95 no sentido de incluir a questão racial na pauta das discussões feministas. Os negros resistiram ainda através da formação de associações comunitárias negras, do candomblé, das escolas de samba, da imprensa negra, da participação em movimentos e partidos políticos.
As diversas formas de resistência convergiram para que o negro e a negra se impusessem enquanto sujeitos políticos potenciais. Lutam pelo reconhecimento público da questão racial. Sabem que a assimilação do diferencial de raça enquanto elemento constitutivo da reprodução da desigualdade e do acesso aos chamados direitos de cidadania é de fundamental importância para o combate a todas as formas de racismo e a construção de uma sociedade realmente democrática.
A política racial, através da ação direta dos negros e negras, tem sido o caminho mais fecundo para a defesa de uma população que, em sua maioria, é mantida à margem da política institucional. Os negros e negras aprenderam que só assim é que conquistaram seu espaço, inclusive nas instituições do Estado (incluindo-se aí os partidos políticos). Em outras palavras, a participação política dos negros e negras é necessariamente diferenciada.
Quando se é negro e negra não basta, por exemplo, lutar pela cidadania participando de um partido político de esquerda. É preciso definir a qualidade desta cidadania e, simultaneamente, organizar-se enquanto setor diferenciado no interior deste partido. E isso ocorre porque a luta contra o racismo ainda não foi suficientemente abraçada por todos aqueles que, independente da cor, acreditam e lutam por uma sociedade plenamente democrática e justa.
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Oi Marise...
ResponderExcluirPuxa, muito bom esse texto, obrigada por compartilhar conosco. Eu gostaria de dar uma opinião pessoal se você me permite. Eu penso que a cor da pele não significa nada...o que importa é a capacidade de se destacar dentro da sociedade e eles mesmo devem colocar em suas mentes que não há preconceito ( que aliás, muitas vezes vem deles mesmos) e que tudo isso já passou foi passado..hoje as coisas são muito diferentes. Sonho um dia nunca mais ouvir falar desse assunto pois somos todos providos de inteligencia e capacidade...basta que saibamos usar e esquecer que o côr da pelo "era"um simples detalhe.'
Ah...fico contente por você ter uma irmã de nome Marcia tambem..com certeza ela deve ser uma pessoa especial pra você e sempre que quiser me faça companhia em meu cantinho...me faz sentir muito bem e feliz.
Bjs e linda semana pra você
Marcia