domingo, 22 de agosto de 2010

Indiretas já!, por Flávio Tavares*

Quatro anos atrás, em 2006, L.F. Verissimo fez uma irônica advertência à campanha eleitoral da época: tantas são as “pesquisas” de intenção de voto, que a eleição parece algo supérfluo, escreveu. Agora, em 2010, a constatação de sua verve de pensador profundo (que extrai grandes verdades das coisas simples) continua presente e até avança.

Mais do que a eleição em si, as “pesquisas” dominam a atenção. Imprensa, rádio e TV destacam previsões de “institutos”, como num torneio de adivinhação. O eleitor, bombardeado por essa tosca futurologia, não avalia os candidatos e só mira o apregoado final. Os novos cartomantes igualam a eleição a aposta em carreira de cavalos.

Assim, noutro ambiente e com outros meios, retrocedemos, em parte, às eleições indiretas da ditadura, que nem eleições eram, mas nomeações impostas, convalidadas pelo tal “colégio eleitoral”. Em 1985, a campanha pelas “diretas já” mobilizou milhões de jovens que jamais haviam votado para presidente e governador. Queriam exercer um direito essencial – votar livremente, sem interferências.

Restabelecida a eleição direta, outro tipo de interferência leva, agora, a um retrocesso. Sem saber, absortos pelas “pesquisas”, estamos todos envolvidos em convalidar novo e bizarro tipo de eleição indireta.

Antes, o Congresso escolhia o presidente da República. Agora, quem busca ter essa tarefa são os “institutos” de pesquisa, que nem institutos são, mas empresas destinadas ao lucro. Não são instituições científicas de pesquisa, como as universidades, por exemplo. Ao contrário, são empresas que usam tudo (de artifícios à verdade) para chegar ao que foi encomendado pelo cliente contratado por dinheiro.

Como as “pesquisas” chegam aos resultados? Qual o método ou a metodologia de escolha dos entrevistados? Pode-se saber? Ou é segredo, como a fórmula da Coca-Cola?

Nem sequer sabemos quem nos “representa”. Antes, pelo menos, sabíamos que o deputado fulano e o senador beltrano escolhiam por nós e em nosso nome. Agora, somos “representados” por anônimos. Gente desconhecida que vota antecipadamente por nós, que nos “representa” sem nos representar. E, assim, nos comanda.

Não há nada de científico em que 2 mil pessoas escolham em nome de 120 milhões de eleitores. Onde foram selecionadas essas pessoas? Quem são? Quem de nós conhece alguma delas?

Nessa simplificação numérica, quem está em perigo é o sistema democrático. Todos os candidatos deveriam rebelar-se contra essa forma de explorar a sensibilidade do eleitor e transformá-lo em mosca que esvoaça direto ao mel.

A eleição em si é a única pesquisa. Foi instituída para pesquisar a preferência popular.

Agora, corre-se o risco de que a eleição vire o oposto do que deve ser e, em vez de comandar o processo de escolha, passe a ser comandada pela “pesquisa antecipada”. Ou seja, a pesquisa substitui-se à eleição.

A finalidade da campanha eleitoral é que o eleitor conheça o candidato pelo que pensa hoje e pelo que fez ontem, para que o passado seja fiador do futuro. A campanha eleitoral só tem sentido para fazer crescer o nível do eleitor, libertando-o da condição de objeto, de máquina que aperta botões de outra máquina – a urna eletrônica.

Fora disso, já ninguém precisará sair à rua para pedir indiretas já! Como advertia nosso L.F. Verissimo, a eleição torna-se supérflua quando a “pesquisa” é quem guia.

*Jornalista e escritor

Fonte: Jornal Zero Hora

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