quarta-feira, 14 de abril de 2010

Zumbis craquelados, por Greyce Ávila*



As crianças e os jovens de hoje têm toda uma parafernália tecnológica a seu dispor. Até os desprovidos de berços rendados adejam nas lan houses, como moscas no doce. Existem, ainda, os totalmente esquecidos, os marginalizados, a quem falta tudo. São os zumbis craquelados à espera da pedra e da morte.

Há os que cobram e brigam e xingam. Pais, avós, professores, vizinhos, rivais, todos agredidos por pensamentos, palavras, obras e omissões. Com licença, por favor, muito obrigado, nem pensar. Afinal não pediram para nascer. “Lutam por seus espaços!”, dizem uns; “Têm personalidade forte!”, iludem-se outros. Respeito e limites, palavrinhas mágicas esquecidas.

E já nem falo na total falta de espiritualidade na vida das pessoas. Vai longe o tempo em que as famílias iam à missa, ao culto, ao terreiro, não importa o credo. Tempo em que o almoço de domingo era encontro sem desculpa, beijos com molho de macarronada e abraços doces como sobremesa.

Não basta a borracha na consciência que troca o computador e o celular todos os anos, que dá o tênis de marca, mesmo colocando em risco a vida do próprio filho, numa tentativa de compensar o não ser com o ter.

Num mundo onde grassam violência, drogas, pedofilia e tantas outras pragas, onde o som mais bonito é o barulho da chave na fechadura quando os filhos chegam em casa ou o toque do telefone quando, maiorzinhos, dão o sinal de que chegaram bem, o esmeril é necessário. Nossos jovens são diamantes brutos, são joias que transformamos em cascalho. São telas destinadas a obras de arte. Mas que tintas fornecemos? Viram borrões desconexos, pichamos nosso futuro.

Alguém já disse que a grande indagação não deve ser que planeta deixaremos para os nossos filhos e, sim, que filhos estamos deixando para o planeta.

Passamos do “nada pode” para o “tudo pode”. Não conseguimos alcançar o equilíbrio. O meio-termo.

Antes eram repressões, repreensões, proibições. “Isto não se faz!”. “Isto não se diz!”. “Coma, beba, faz bem para a saúde!”. “Não coma, não beba, vai te dar dor de barriga!”. “Varre a casa, lava a louça, já és uma moça!”. “Não, não podes sair, não passas de uma pirralha!”.

Ufa! Foi difícil! Mas valeu a pena.

Nas ruas da minha vida, foram raros os brilhantes. Não dariam para ladrilhar meio quarteirão. Sobrou paralelepípedo, isso sim. Mas não perdi tempo atirando o pau no gato, não briguei nem feri o cravo. Eu não nasci para ser rosa despetalada. Não marchei, não fui presa pro quartel e minha canoa não virou. Não caí, não fui acudida por meu pai ou meu irmão (até mesmo porque nunca me chamei ou me chamaram Teresinha de Jesus) e àquele que dei a mão, logo, logo, mandei passear.

E, hoje, ao olhar uma criança, sempre penso e, se puder, eu digo: não tenhas medo do boi da cara preta, a cuca não vai te pegar, não te chamas sambalelê e não és pobre, pobre, pobre de marré, marré, marré. Ao contrário, com estudo, disciplina, tolerância e respeito pelo outro, mantendo esperança, autoestima e um caráter íntegro, até podes chegar a ser rico, rico, rico de marré de si!

A solução está no equilíbrio dos cinco sentidos. Olho no olho, disposição de ouvir, dialogar, cheirar, tocar nossas crias, acarinhando-as ou, se necessário, perdoem-me os conselheiros tutelares e os psicólogos de plantão, dando-lhes umas boas palmadas. O que realmente importa não é a quantidade de tempo que passamos com nossos filhos, mas, sim, a qualidade do nosso afeto. Do contrário, à primeira dificuldade, ao primeiro “não” dito pelo mundo lá fora, o traficante lhe dirá “sim”. Futuros zumbis craquelados. Nossos filhos não merecem isso!


*Escritora

Fonte: Jornal Zero Hora
Imagem em: pplware.sapo.pt/.../

Um comentário:

  1. Querida amiga Marise.

    Hoje a minha visita é para agradecer.
    Nestes dias que celebro a minha vida,
    tenho certeza de que a mesma
    não teria o brilho de hoje,
    se não fossem os amigos e amigas
    que a tornam valiosa
    mesmo que distantes.

    A ti gostaria de dizer obrigado:
    Obrigado pelas visitas ao meu blog.
    Obrigado pelas palavras semeadas.
    Obrigado por sentir os meus textos
    com os olhos do coração.

    Sou eternamente grato a vida,
    por mais estes presentes
    que de modo gentil
    deixas em minha vida,
    fazendo de mim uma pessoa melhor,
    e pleno de felicidade.

    Lindos dias de vida para ti.

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