domingo, 21 de junho de 2009

Denúncia da verdade, por Flávio Tavares*

O que é denuncismo, essa palavra mágica com que os pilantras esperneiam para defender-se, quando alguma denúncia os atinge? Esse “ismo” final definirá alguma nova doutrina, tipo socialismo, liberalismo, comunismo ou integralismo? Nada disso!

O termo “denuncismo” é novo, não existia até bem pouco. Foi inventado por aqueles que se sentiam feridos (ou nus) ao aparecerem suas fraudes ou atropelos. Assim, impingiam a ideia de que a denúncia é uma doença, uma espécie de cardiopatia grave na vida em sociedade. Denunciar a pilantragem e a distorção da normalidade, ou o roubo e a violência truculenta, já não seria um dever nem uma imposição da solidariedade humana, mas uma “enfermidade a repelir”. E, como na farmacologia da vida não há antibióticos nem pílulas mágicas, o remédio passou a ser “denunciar o denuncismo”.

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Dias atrás, lá do Cazaquistão, o presidente Lula da Silva considerou a atual maré de escândalos no Senado como fruto da “política do denuncismo”. Pôs em dúvida, até, a existência de contratações secretas, ignorando que o próprio presidente do Senado as admitira.

Entende-se que Lula da Silva seja fiel a Sarney e ao PMDB. Afinal, esse partido (sustentáculo do governo no Congresso) ocupa os ministérios mais importantes e manda no país. Mas é no mínimo esquisito que o presidente deixe de ser o “grande árbitro” e se atire a repetir essa tolice do “denuncismo”, como se fosse falante papagaio amestrado.

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Na barafunda de podridão em que submerge o Senado, a frase com que José Sarney defendeu-se, em discurso, define tudo: “A crise não é minha, a crise é do Senado”. É certo. Os escândalos estouraram há anos, quando o senador-presidente Antonio Carlos Magalhães violou a votação eletrônica. Ou, depois, ao revelar-se que uma grande empresa de obras pagava as contas dos amoricos de Renan Calheiros, então presidente da excelsa Alta Câmara.

O que fizeram os demais senadores, além de discursos para contentar a revolta da opinião pública? Nada! Nem mesmo aqueles poucos pessoalmente inatacáveis (como Artur Virgílio, Aloizio Mercadante, Cristovam Buarque e Jarbas Vasconcelos) tentaram penetrar no cipoal de safadezas que, como ruminações, ecoavam pelos corredores do Congresso.

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Denunciar a podridão ajuda a apodrecer? Ou leva a nos livrar do podre e impedir que se torne ainda mais nauseabundo?

Em nossa “democracia representativa”, o Legislativo é o poder mais visível: representa diretamente os cidadãos e pode ser acompanhado dia a dia. Mas ninguém, isoladamente, pode fiscalizar sequer os labirintos do Senado, recanto onde 81 senadores são servidos e guardados por 7 mil funcionários regiamente remunerados. Só os senadores podem fazê-lo.

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Agora, depois do estouro da fortaleza secreta, vários senadores exigem apurar “as irregularidades”. Não há, porém, “irregularidades”, mas crimes. Os atos secretos são nulos em si: ao não aparecerem no Diário Oficial, formalmente, não existem.

Por que não se diz que “são nulos” os atos? Será porque, ao serem nulos em si, os implicados devem ser responsabilizados pelo crime? Os que assinaram, por corrupção e abuso de poder; os beneficiários, por corrupção passiva, devendo devolver as quantias recebidas, sejam empresas ou pessoas físicas.

Enfim, onde se refugia a realidade? Pode a verdade coabitar com a mentira? Se o denuncismo é uma esquisitez (outra palavra que não existe, mas perfeitamente inteligível), opto pelo “verdadismo”, para que, no futuro, uma medida provisória, aprovada pelo Congresso, não nos obrigue a denunciar a verdade como horripilante.


*Jornalista e escritor

Fonte: Jornal Zero Hora -
21 de junho de 2009 - N° 16007.

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