O que é denuncismo, essa palavra mágica com que os pilantras esperneiam para defender-se, quando alguma denúncia os atinge? Esse “ismo” final definirá alguma nova doutrina, tipo socialismo, liberalismo, comunismo ou integralismo? Nada disso!
O termo “denuncismo” é novo, não existia até bem pouco. Foi inventado por aqueles que se sentiam feridos (ou nus) ao aparecerem suas fraudes ou atropelos. Assim, impingiam a ideia de que a denúncia é uma doença, uma espécie de cardiopatia grave na vida em sociedade. Denunciar a pilantragem e a distorção da normalidade, ou o roubo e a violência truculenta, já não seria um dever nem uma imposição da solidariedade humana, mas uma “enfermidade a repelir”. E, como na farmacologia da vida não há antibióticos nem pílulas mágicas, o remédio passou a ser “denunciar o denuncismo”.
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Dias atrás, lá do Cazaquistão, o presidente Lula da Silva considerou a atual maré de escândalos no Senado como fruto da “política do denuncismo”. Pôs em dúvida, até, a existência de contratações secretas, ignorando que o próprio presidente do Senado as admitira.
Entende-se que Lula da Silva seja fiel a Sarney e ao PMDB. Afinal, esse partido (sustentáculo do governo no Congresso) ocupa os ministérios mais importantes e manda no país. Mas é no mínimo esquisito que o presidente deixe de ser o “grande árbitro” e se atire a repetir essa tolice do “denuncismo”, como se fosse falante papagaio amestrado.
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Na barafunda de podridão em que submerge o Senado, a frase com que José Sarney defendeu-se, em discurso, define tudo: “A crise não é minha, a crise é do Senado”. É certo. Os escândalos estouraram há anos, quando o senador-presidente Antonio Carlos Magalhães violou a votação eletrônica. Ou, depois, ao revelar-se que uma grande empresa de obras pagava as contas dos amoricos de Renan Calheiros, então presidente da excelsa Alta Câmara.
O que fizeram os demais senadores, além de discursos para contentar a revolta da opinião pública? Nada! Nem mesmo aqueles poucos pessoalmente inatacáveis (como Artur Virgílio, Aloizio Mercadante, Cristovam Buarque e Jarbas Vasconcelos) tentaram penetrar no cipoal de safadezas que, como ruminações, ecoavam pelos corredores do Congresso.
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Denunciar a podridão ajuda a apodrecer? Ou leva a nos livrar do podre e impedir que se torne ainda mais nauseabundo?
Em nossa “democracia representativa”, o Legislativo é o poder mais visível: representa diretamente os cidadãos e pode ser acompanhado dia a dia. Mas ninguém, isoladamente, pode fiscalizar sequer os labirintos do Senado, recanto onde 81 senadores são servidos e guardados por 7 mil funcionários regiamente remunerados. Só os senadores podem fazê-lo.
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Por que não se diz que “são nulos” os atos? Será porque, ao serem nulos em si, os implicados devem ser responsabilizados pelo crime? Os que assinaram, por corrupção e abuso de poder; os beneficiários, por corrupção passiva, devendo devolver as quantias recebidas, sejam empresas ou pessoas físicas.
Enfim, onde se refugia a realidade? Pode a verdade coabitar com a mentira? Se o denuncismo é uma esquisitez (outra palavra que não existe, mas perfeitamente inteligível), opto pelo “verdadismo”, para que, no futuro, uma medida provisória, aprovada pelo Congresso, não nos obrigue a denunciar a verdade como horripilante.
Fonte: Jornal Zero Hora - 21 de junho de 2009 - N° 16007.
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