sexta-feira, 31 de julho de 2009

Democracia, igualdade e eleições, por Deoclécio Galimberti*

Todos os governos se dizem do regime democrático, não obstante as diferenças comportamentais dos detentores do Executivo. Governantes há que se apresentam como salvadores do povo, concedendo favores a alguns em detrimento de muitos, aproveitando-se disso para burlar as leis e são considerados “da esquerda”, enquanto outros, que dispensam tratamento isonômico e se esmeram no cumprimento das leis, são tidos como “da direita”.

Mas, como escreve Norberto Bobbio, desde os primevos tempos, Aristóteles já advertia que “não há coisa mais estulta e mais insolente que uma multidão incapaz”, questionando seus discípulos: “Como governar bem aquele que não recebeu instrução nem conheceu nada de bom e de conveniente e que desequilibra os negócios públicos intrometendo-se sem discernimento, semelhante a uma torrente caudalosa?” (in Dicionário de Política, Edunb, 5ª ed., v. I, p. 121). Infelizmente, a descrição ainda faz amálgama com o que hoje observamos em alguns países do Oriente Médio, muitos africanos e numa minoria do continente americano.

Na realidade, o fator preponderante do regime democrático é a igualdade, cujo fundamento filosófico é a identidade social de todos os homens. Porém, qual faca de dois gumes, a igualdade tanto serve para atender às aspirações democráticas quanto para ser explorada por demagogos irresponsáveis. Figurou dentre as reivindicações da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Sempre refletiu uma irresistível aspiração de justiça. Porém, com o decorrer do tempo, seu significado foi deturpado e está perdendo seu efetivo sentido, a ponto de muitos governantes tratarem os desiguais como iguais, ao que Rui Barbosa, há quase cem anos, verberou sua repulsa, afirmando no parlamento e na cátedra que “tratar com desigualdade a iguais, ou desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante e não igualdade real” (in Elogios Acadêmicos e Orações de Paraninfo, ed. 1924, p. 359).

Diante da corrupção por que atravessa nosso país, com escândalos de toda ordem, desde o mensalão até a retirada de dinheiro com cartão corporativo sem prestação de contas, e tendo em vista as eleições que se avizinham, parece ter sentido e seria prudente se nas futuras eleições fosse proporcionado o maior leque possível de candidatos, com representantes de todas as classes sociais, inclusive representantes militares, de vez que, em nenhum momento histórico, nossas Forças Armadas sofreram tantas acusações quanto no atual governo. Nosso povo já possui maturidade suficiente para discernir o bem do mal e chegou a hora de não mais ser enganado por corruptos e incompetentes.


*Doutor em Direito

Fonte: Jornal zero Hora - Edição nº 16048 - 31 de julho de 2009.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dois advogados gaúchos contra 2 senadores e 3883 servidores

ISTO ESTÁ ACONTECENDO NO BRASIL DE HOJE E PRECISA SER DIVULGADO E ACOMPANHADO POR QUEM TEM O MÍNIMO INTERESSE EM SANEAR O PAÍS.

QUEM SABE, SEJA O INÍCIO DO CAMINHO DA MORALIZAÇÃO DESSA ZONA EM QUE SE TRANSFORMARAM OS 'PODERES' DA REPÚBLICA!

DOIS ADVOGADOS GAÚCHOS CONTRA DOIS SENADORES E 3.883 SERVIDORES DO SENADO FEDERAL
(07.04.09)

Os advogados gaúchos Irani Mariani e Marco Pollo Giordani ajuizaram, na Justiça Federal, uma ação que pretende discutir as horas extras pagas e não trabalhadas, no Senado, e outras irregularidades que estão sendo cometidas naquela Casa.

A ação tramita na 5a. Vara da Justiça Federal de Porto Alegre e tem como réus a União, os senadores Garibaldi Alves e Efraim Morais e "todos os 3.883 funcionários do Senado Federal, cuja nominata, para serem citados, posteriormente, deverá ser fornecida pelo atual presidente do Senado Federal, senador José Sarney".

O ponto nuclear da ação é que durante o recesso de janeiro deste ano, em que nenhum senador esteve em Brasília, 3,8 mil servidores do Senado, sem exceção, receberam, juntos, R$ 6,2 milhões em horas extras não trabalhadas - segundo a petição inicial.

Os senadores Garibaldi e Efraim são, respectivamente, o ex-presidente e o ex-secretário da Mesa do Senado. Foram eles que autorizaram o pagamento das horas extras por serviços não prestados.

A ação popular também busca "a revisão mensal do valor que cada senador está custando: R$ 16.500,00 (13º, 14º e 15º salários); mais R$ 15.000,00 (verba de gabinete isenta de impostos); mais R$ 3.800,00 de auxílio moradia; mais R$ 8.500,00 de cotas para materiais gráficos; mais R$ 500,00 para telefonia fixa residencial, mais onze assessores parlamentares (ASPONES) com salários a partir de R$ 6.800,00; mais 25 litros/DIA de combustível, com carro e motorista; mais cota de cinco a sete passagens aéreas, ida e volta, para visitar a 'base eleitoral'; mais restituição integral de despesas médicas para si e todos os seus dependentes, sem limite de valor; mais cota de R$ 25.000,00 ao ano para tratamentos odontológicos e psicológicos".

Esse conjunto de gastos está - segundo os advogados Mariani e Giordani - "impondo ao erário uma despesa anual em todo o Senado, de:
- R$ 406.400.000,00; ou
- R$ 5.017.280,00 para cada senador.
Tais abusos acarretam uma despesa paga pelo suado dinheiro do contribuinte em média de:

- R$ 418.000,00 por mês, como custo de cada senador da República".

Mariani disse ao 'Espaço Vital' que, " como a ação popular também tem motivação pedagógica, estamos trabalhando na divulgação do inteiro teor da petição inicial, para que a população saiba que existem meios legais para se combater a corrupção". Cópia da peça está sendo disponibilizada por este site. A causa será conduzida pela juíza Vânia Hack de Almeida. (Proc. nº 2009.71.00.009197-9)

AÇÃO POPULAR Nº 2009.71.00.009197-9 (RS)

Data de autuação: 31/03/2009
Juiz: Vania Hack de Almeida

Órgão Julgador: JUÍZO FED. DA 05A VF DE PORTO ALEGRE

Órgão Atual: 05a VF DE PORTO ALEGRE

Localizador: GAB03B

Situação: MOVIMENTO-AGUARDA DESPACHO

Valor da causa: R$6.200.000,00

Assuntos:

1. Adicional de horas extras
2. Horas Extras

AUTOR: IRANI MARIANI

Advogado: IRANI MARIANI

AUTOR: MARCO POLLO GIORDANI

Advogado: IRANI MARIANI

RÉUS: 1 - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

2 - GARIBALDI ALVES FILHO

3 - EFRAIM DE ARAUJO MORAIS

4 - FUNCIONARIOS DO SENADO FEDERAL

REPASSE A TODOS, PARA QUE O BRASIL INTEIRO FIQUE ATENTO E ACOMPANHE ESTA INICIATIVA. SE DEPENDER DA "GRANDE MÍDIA", NINGUÉM FICARÁ SABENDO DE NADA. MORALIZAR O LEGISLATIVO É UMA TAREFA HERCÚLEA, PELA QUAL TODOS NÓS DEVEMOS DAR O MELHOR DE NÓS MESMOS, OU EM BREVE TEREMOS ESSA NOSSA FRÁGIL DEMOCRACIA SUBSTITUÍDA POR UM REGIME SOCIALISTA DITATORIAL QUALQUER, IRONICAMENTE PARA A MAIORIA, CRIADO EXATAMENTE POR AQUELES QUE SEMPRE CRITICARAM O REGIME MILITAR.

EXISTEM MUITA FORMAS DE CRIME ORGANIZADO....

Fonte: Recebi por e-mail do Prof. Mauro de Porto Alegre.

Mensagem para refletir... no dia do Amigo


Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=L6wuCrrQOO0

charges - o Senado do Vale das Antas

Fonte: Geraldo Passo Fundo
e-mail: geraldopassofundo@terra.com.br

sábado, 18 de julho de 2009

Entrevista XINRAN XUE "Vocês não entendem a China"

A escritora que criou um programa de rádio para mostrar os problemas das mulheres chinesas diz que o mundo critica seu país sem levar em conta suas raízes culturais


Thaís Oyama

Ernani d’Almeida
William R. Voss
"Os ocidentais cometem o mesmo erro do governo chinês: acham que é só modernizar as ruas para modernizar o país"

Por quase uma década, Xinran Xue, hoje com 51 anos, recebeu mais de uma centena de cartas tristes por dia. Apresentadora de um programa de rádio voltado para mulheres, ela tornou-se depositária de ouvintes que lhe confiaram suas pequenas e grandes tragédias – abafadas, quando não provocadas, pelos anos de totalitarismo comunista. Algumas dessas experiências, Xinran havia sofrido na própria pele: seus pais foram presos durante a Revolução Cultural e ela passou a infância num quartel da Guarda Vermelha. Em 2002, publicou seu primeiro livro: As Boas Mulheres da China (lançado no Brasil pela editora Companhia das Letras), que reúne histórias que não puderam ir ao ar e outras que ela colheu em entrevistas – sempre feitas com uma única unha pintada de vermelho. "As chinesas não gostam de falar de sua vida. Mas são curiosas, e a unha vermelha sempre inicia uma conversa", explica. De passagem pelo Brasil, Xinran falou a VEJA.

Para escrever seu mais recente livro, Testemunhas da China, a senhora esteve diversas vezes na província de Xinjiang, onde quase 200 pessoas morreram nas últimas semanas em decorrência de conflitos étnicos. Como é a convivência entre os han (etnia majoritária na China) e os uigures (etnia majoritária em Xinjiang)?
Atualmente, há muitos casais han-uigur, como resultado da política de governo que estimulou a migração de chineses han para a região. Mas as duas etnias são culturalmente muito diferentes. Os uigures sentem-se mais identificados com os muçulmanos dos países vizinhos do que com o resto da China. Têm uma mentalidade tribal, enquanto os han estão mais conectados à família. Honestamente, nós não os entendemos muito bem. Acho que nunca tentamos. É um pouco parecido com a maneira como o Ocidente enxerga o Oriente.

"Pergunte a um japonês se ele pode questionar o imperador ou a um sul-coreano se a filha pode contrariar o pai. Também na China há aspectos que não são políticos, mas culturais"

Não seria a maneira como o Ocidente enxerga a China? Não estou falando só da China. Acho que há desconhecimento também em relação ao Japão, à Coreia do Sul, a Cingapura, à Malásia – lugares que têm as mesmas raízes culturais que a China. Ainda que em países como o Japão e a Coreia do Sul você enxergue um verniz ocidental, se você entrar nas casas dos japoneses e dos coreanos, verá que não existe igualdade de direitos entre homens e mulheres e que eles não assimilaram preceitos democráticos. Pergunte a um japonês se é possível questionar o imperador. Pergunte a um sul-coreano se uma filha pode contrariar o pai. Pergunte em Cingapura se alguém pode contestar o governo. Também no regime chinês, há aspectos que não são políticos, mas culturais.

Mas em nenhum desses países tais comportamentos implicam as consequências que têm na China. Concordo. Não existe liberdade de religião na China, não existe liberdade de expressão, não existe liberdade de imprensa. Nosso sistema jurídico está longe de ser independente e os direitos individuais mais básicos são desrespeitados. Mas não se pode esquecer que a China perdeu 100 anos por causa da guerra civil e do ideário comunista. Não podemos simplificar a história. Quando vemos uma árvore cujas folhas estão machucadas e cujos galhos estão doentes, não basta dizer: vamos limpar as folhas e os galhos. É preciso lembrar que essa árvore tem raízes, ainda que não possamos vê-las. É preciso tempo para que as coisas mudem.

A senhora quer dizer que é cedo demais para que a democracia chegue à China? Vou repetir uma lição que recebi de uma camponesa de Hunan, região onde nasceu Mao Tsé-tung. Entrevistei-a em 1995, quando já era jornalista, achava que sabia tudo, mas na verdade era ainda muito ingênua. A mulher trabalhava num campo de arroz. Perguntei a ela o que escolheria se eu lhe oferecesse três coisas: liberdade e democracia; marido e filhos; ou terra e dinheiro. Ela me olhou como quem diz: "Ah, você está tentando me enganar!". Respondeu que terra e dinheiro pertencem aos homens, não às mulheres. Sobre marido e filhos, disse: "Marido é quem manda em tudo e os filhos são a minha rotina", querendo dizer que aquilo ela já tinha. Então, perguntou: "Mas quanto é a garrafa de liberdade?". Eu fiquei atônita: "Como assim?". Ela repetiu: "Quanto custa essa garrafa de óleo que você quer vender?". Foi aí que eu entendi: em chinês, a pronúncia da palavra óleo (you) é muito parecida com a de liberdade (ziyou). Ela achou que eu estava querendo lhe vender óleo.

Quando ela entendeu que a senhora se referia a liberdade, o que achou da oferta? Mas ela não entendia essa palavra! Eu tive de explicar-lhe o que era e o fiz da forma que considerei mais simples. Disse algo como: "Bem, liberdade é você ter o direito de contrariar o seu marido quando você acha que ele fez algo errado. Liberdade é você ter o direito de dizer: ‘Eu quero algo para mim, não para o meu marido ou para os meus filhos – um vestido bonito, uma comida gostosa ou um dia de descanso’". Achei que, colocando desse modo, ela fosse entender. Em vez disso, olhou para mim e respondeu: "Que mulher tola você é! Isso não existe". Eu falei sobre liberdade, que é uma palavra muito mais fácil. Imagine se eu tivesse falado sobre democracia...

Dito assim, parece que a democracia é algo que o Ocidente tenta impingir aos chineses, sem que eles queiram. Não, não. Eu concordo totalmente com a ideia ocidental de liberdade e democracia e sei que nós precisamos disso. Mas a questão é que há trinta anos esse conceito não existia na China. Os atuais governantes não foram educados à luz desse conceito. O mesmo se pode dizer dos professores. É ainda muito recente a geração de professores que aprendeu inglês e, portanto, tem acesso a pontos de vista do Ocidente. Acredito que, às vezes, os ocidentais cometem o mesmo erro que os governantes chineses, que pensam que basta modernizar as ruas para modernizar o país.

"A Guarda Vermelha entrou em casa e fez uma fogueira com tudo o que dizia ser ‘reacionário’: livros, brinquedos e até minhas tranças, ‘um penteado burguês’. A guarda cortou-as e jogou-as no fogo"

A senhora mora desde 1997 na Inglaterra. Não tem problemas para entrar na China? Tenho muitos problemas. Recentemente, eles deram um visto de dois anos a meu marido, que é inglês, e negaram o visto para mim. Isso me doeu muito. Quando finalmente consegui o visto, em novembro do ano passado, uma oficial chinesa tentou me barrar na alfândega. Ela abriu meu passaporte e disse: "Por que você é contra a China? Eu vi você na BBC, e a BBC odeia a China". Eu lhe perguntei se havia entendido o que eu dissera na TV e ela respondeu que isso não importava: o que importava é que eu não deveria ter falado com pessoas que odeiam a China.

A senhora resolveu deixar seu país num momento em que apresentava um programa de rádio de enorme sucesso, no qual era permitido que centenas de chinesas falassem pela primeira vez de seus problemas. O que motivou a decisão? Ouvir aquelas mulheres e acompanhar o desenrolar de suas histórias, muitas vezes trágico, deixou-me emocionalmente exaurida. Fiquei doente, tinha de tomar remédios para dormir. Os telefonemas, os relatos de abusos, os suicídios, as cartas de suicídio que elas deixavam para mim... Eu me sentia tão impotente! Ainda tenho aquelas vozes na minha cabeça. Aqui no Brasil, encenaram capítulos do meu livro As Boas Mulheres da China. Apesar de as atrizes falarem em português, uma língua que não entendo, o que eu ouvia eram as mulheres chinesas chorando. Isso me aniquila. Sei que é porque eu misturo o sofrimento delas com a minha própria história. Diante da encenação, não consegui me controlar. Normalmente, consigo – ao menos durante o dia. Mas, à noite, os pesadelos voltam.

Que tipo de pesadelo a atormenta? São tantos... Durante a Revolução Cultural, meus pais foram presos, acusados de ser capitalistas porque haviam trabalhado com estrangeiros e falavam inglês. Os guardas vermelhos entraram em casa e fizeram uma fogueira com tudo o que diziam ser "reacionário" ou "burguês": livros do meu pai, meus brinquedos e até minhas tranças. Eu usava duas tranças, amarradas com fitas. A guarda gritou que era um penteado burguês. Cortou-as e jogou-as no fogo também. Depois disso, fui levada, com meu irmão mais novo, para um quartel da Guarda Vermelha. Vivi lá por seis anos e meio. Como nossos pais eram considerados reacionários, éramos chamados de "crianças negras" e não podíamos brincar com as outras. Dormíamos no chão. Muitas noites, os guardas vinham, no escuro, pegavam uma criança e a levavam para o quarto ao lado. Era a hora dos abusos, dos espancamentos... Eu ouvia o choro e os gritos e ficava tão assustada que meu corpo todo tremia. A cada noite eu achava que seria a minha vez. Era aterrorizante. Acho que escapei porque era muito pequena. Até hoje, quando meu marido está viajando, não durmo sem colocar minha bolsa, minhas chaves, tíquetes de avião, qualquer coisa assim, ao lado da cama. Faço isso para não entrar em pânico quando acordar no meio da noite – para lembrar que não estou mais lá e quem eu sou agora. Não consigo me livrar disso. Procurei psicólogos, mas não funcionou. Acho que eles eram ocidentais demais para me entender.

O que, por exemplo, eles não entendiam? Bem, faz parte do tratamento você falar tudo. E isso eu ainda não consigo. Nem ao meu filho contei tudo o que aconteceu comigo durante a Revolução Cultural.

Por quê? Porque acho que, se eu contar, não terei mais condição de continuar vivendo.

Seu irmão passou pela mesma experiência na infância. Como ele vive hoje? Sinto que ele desistiu de tudo. Vive em Pequim, não tem confiança nele, não faz nada. Sei que sofre muito, embora não fale. Nunca mais o vi chorar desde aquele episódio do frango. (Ela relata a história em seu primeiro livro: o irmão tinha pouco mais de 2 anos quando, por ocasião de uma celebração nacional, serviram frango assado no quartel da Guarda Vermelha em que ambos viviam. Ao ver os outros comendo, o irmão começou a chorar, gritando que também queria. Alguém, furtivamente, deu-lhe um pedaço, mas um guarda viu a cena, arrancou a carne das suas mãos, atirou-a ao chão e pisoteou-a. Gritou: "Filhotes de cachorros imperialistas não comem frango!")

Seus pais já leram seus livros? Não. E minha mãe nunca perguntou o que aconteceu comigo durante esse período em que ficamos separadas. Não tem coragem, e eu também não tenho. Em 2004, sentamos uma diante da outra durante horas, mas não conseguimos falar sobre isso. Sei que esse silêncio se repete em muitas famílias. E é um dos motivos pelos quais muitos jovens chineses não sabem sequer o que foi a Revolução Cultural.

O regime comunista de Mao Tsé-tung teve efeitos devastadores na vida de muitas pessoas, como a senhora. E na China, que marcas ele deixou? Acho que a China, hoje, é como um quadro de Picasso: tem nariz, olhos, boca, mas tudo está fora do lugar. Ficou isolada por tanto tempo e, agora, tudo está surgindo de uma vez. Talvez uma resposta melhor seja esta: antes dos anos 80, a China era um garoto sujo e esfomeado. Nunca teve a chance de tomar um banho quente, de vestir uma roupa limpa, de forrar o estômago. Se você oferece a esse menino, em uma mão, um pão duro e velho, e na outra mão, um cardápio com nomes de pratos desconhecidos e maravilhosos, qual dos dois ele vai preferir?

O primeiro? Certamente. Ele está faminto! O cardápio pode ter comidas deliciosas, mas ele não entende o que está escrito lá e não consegue esperar para que aquele papel se transforme em comida. E não adianta alguém dizer que ele tem de comer um prato do cardápio porque é melhor para ele. Antes de dizer isso, as pessoas têm de entender a urgência dos chineses.


Fonte: Revista Veja - Edição 2122 - 22 de Julho de 2009.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Para que servem as revoluções? Por Moacyr Scliar

Na data de hoje, há 220 anos, uma multidão enfurecida invadia a fortaleza da Bastilha, em Paris, libertando os poucos prisioneiros que ali se encontravam (quatro falsários, dois nobres acusados de comportamento imoral e um suspeito de assassinato), apossou-se de armas e munições e decapitou o diretor, o Marquês de Launay, cuja cabeça, espetada num pau, desfilou pela cidade, conduzida por uma exultante multidão. O 14 de julho passou a ser a data-símbolo da Revolução Francesa, um movimento que nasceu da fome, da miséria, do desespero, e do contraste entre esta situação e aquela de uma classe de ricos e nobres que, em palácios como Versalhes, gozavam a vida sem se preocupar com a massa. Maria Antonieta nunca disse, a propósito dos famintos, que, se não tinham pão, poderiam comer bolos; mas não por acaso a frase lhe foi atribuída: correspondia a um tipo de alienação que ultrapassava qualquer limite de sensatez.

Sensata, a revolução não foi. Não era de esperar que o fosse, mas o que aconteceu ultrapassou qualquer expectativa. O regime do Terror decapitou milhares de cabeças, graças à máquina do doutor Guillotin (não sei se hoje alguém consultaria esse médico), incluindo as cabeças coroadas, mas também a de gênios como Antoine Lavoisier – cerca de 17 mil executados: uma canaleta teve de ser construída para conduzir o sangue que jorrava da máquina. Em 1804, Napoleão coroava-se imperador, restabelecendo, pois, a monarquia.

A Revolução Francesa estabeleceu um modelo. Em 1917, os bolcheviques derrubavam o governo tzarista na Rússia, e Lenin anunciava o nascimento de uma nova sociedade. Um sonho que Stalin se encarregou de sepultar: os campos de concentração transformaram-se numa versão mais sutil, mas nem por isso menos sinistra, do terror revolucionário francês. Com a queda do Muro de Berlim sumiu o comunismo e apareceu a máfia russa, herdeira dos corruptos e espertalhões que, no governo da finada URSS, haviam aprendido a se beneficiar da situação.

Revolução é, como sabemos, um termo vago, que pode se aplicar inclusive a golpes militares e à tomada do poder por caudillhos. Mas a Revolução Francesa e a Revolução Russa realmente correspondiam à intenção, inspirada inclusive por ideais generosos, de uma mudança profunda da situação social. Pergunta: será que revoluções estão condenadas ao fracasso? Será que elas contêm em si próprias o germe da autodestruição?

Não. Bem ou mal, revoluções cumprem um papel. As revoluções servem para advertir àqueles que têm poder, riqueza e/ou inteligência de que as coisas precisam mudar. Não é todo mundo que se dá conta disso. O Brasil teve escravidão durante muitos séculos e os donos de escravos achavam aquilo perfeitamente natural. Durante muito tempo o regime de trabalho – para homens, mulheres e crianças – era de 14 horas diárias, e os donos de indústria achavam aquilo perfeitamente natural. Durante muito tempo mulheres não puderam votar, e políticos achavam aquilo perfeitamente natural. Mas a possibilidade de revolução, de virada de mesa, serve como advertência e inspira pensamentos como aquele “Façamos a revolução antes que o povo a faça”, do governador mineiro Antonio Carlos. Entregar os anéis para não perder os dedos (ou a cabeça) pode ser uma troca vantajosa.


Fonte: Jornal Zero Hora - nº16030 - 14 de julho de 2009.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Comunicado

Orgulho de ser brasileiro?, por Paulo Vellinho*

Os japoneses definem cidadania como “aquela sensação de arrepio que a gente sente quando escuta o hino nacional ou assiste ao hasteamento da bandeira”.

Esta sentença ouvi em 1963, no Japão. Desde então, fico pensando em quando o brasileiro atingirá tal grau de sublimação dos seus sentimentos em relação à sua pátria.

Infelizmente, vejo cada vez mais distante esse desejado momento, pois cada vez mais a nossa autoestima (refiro-me aos brasileiros conscientes e responsáveis) distancia-se em vez de aproximar-se.

Imaginando o Brasil como um piano de cauda, vejo com pesar o sacrificado povo brasileiro carregando esse instrumento enquanto uma minoria corporativada, e irresponsável e até desonesta, não só senta-se em cima, como ainda pula e dança sobre o piano e consequentemente sobre os que o carregam.

O que mais me entristece, para não dizer revolta, é a indiferença dos parasitas que roubam ou desperdiçam impunemente os cofres da nação e ainda por cima, quando detectados e pegos “com a boca na botija”, provocam um agito nacional, orquestrando-se em uma estranha solidariedade causada pelo medo ou comprometimento, pois aparentemente nos escândalos denunciados todos têm o seu “rabo preso”.

Eles se julgam e se absolvem “dentro de seu próprio circo”, virando as costas para a sociedade perplexa e revoltada com os desatinos irresponsáveis que provocam.

Vejamos o nosso Senado, ator principal das atuais manchetes da nossa valorosa imprensa, que aliás eles procuram ridicularizar ou desmoralizar ao denominar trama midiática a revelação de suas safadezas.

Mais frustrante é que, passado o episódio efervescente, com o tempo baixa a fervura, amornam-se as reações e... esquecem-se os fatos, mas persistem suas razões, impunemente.

Pergunta-se e tem-se direito de perguntar: o que aconteceu com o escândalo das passagens aéreas... das horas extras indevidas e pagas... com o escândalo dos 181 diretores do Senado... os 10 mil funcionários, menos de 4 mil concursados e o restante terceirizado... os Renans Calheiros ...os Romeros Jucás... os Severinos... e o próprio presidente do Senado, que se assemelha a um robô e que aparentemente nada sente, mas tudo faz... manifestando-se com a maior “cara de pau”, tão dura, que até causou uma revolta dos “pica-paus” por sentirem-se impotentes de picá-la, tal a sua dureza, e tudo com ares comoventes de um anjo injustiçado.

Vejamos: ao registrar alguns fatos reais do nosso Congresso (imagine-se o quanto mais existe debaixo do tapete) e face à impunidade, concluo que é uma ingenuidade a “sensação de arrepio” dos japoneses, a não ser quando o frio do nosso inverno apanha-nos desabrigados, causando-nos arrepios.

No Japão tradicional e ainda hoje, os ladrões públicos ou privados que ainda têm vergonha fazem o “haraquiri”, enquanto no Brasil usufruem do dinheiro mal havido colocando-o nos paraísos fiscais ou esnobando os do “andar de baixo” com sua impunidade e demonstração de riqueza... e ainda fazendo-o com soberba.

Mais ainda, precisamos remover as imundícies que estão debaixo dos tapetes das instituições públicas e privadas, federais, estaduais e municipais, punindo-as com a Justiça, sem brechas para o escape dos seus responsáveis. Somente então, poder-se-á tirar o ponto de interrogação do “orgulho de ser brasileiro”.

*Empresário

Fonte: Jornal Zero Hora - Nº 16024 - 10 de Julho de 2009

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Saiba como a nova lei eleitoral prejudica o livre uso da internet na política brasileira

A Câmara aprovou ontem (8.jul.2009) um projeto de lei eleitoral que contém muitas restrições ao livre uso da internet na política. Trata-se também de um claro atentado à liberdade de expressão no país. Saio excepcionalmente das férias para comentar.


A lei ainda precisa ser aprovada pelo Senado até setembro para ter validade na eleição de 2010. Ou seja, em tese, ainda há tempo de corrigir as aberrações que podem ser introduzidas na web brasileira –contrariando o que se faz de mais moderno nos países desenvolvidos: liberar completamente a internet.

Os deputados fizeram um bom serviço vendendo para parte da mídia e idéia de que vão “liberar” o uso da internet na política. Aqui e aqui, as reportagens oficiais da Câmara. É uma inverdade afirmar que haverá liberação.

Os deputados equipararam a internet às emissoras de rádio e de TV. Quase tudo ficará restrito.

Vale também registrar que a atual legislação geral já contém o maior dos absurdos: proibir que qualquer ser humano se declare candidato antes de 5 de julho do ano da eleição. No Brasil, antes dessa data, não se pode fazer campanha, arrecadar fundos, nada. Nos EUA, como comparação, Barack Obama e seus adversários ficaram quase 2 anos em campanha.

A seguir, material publicado hoje pela Folha (reportagem completa aqui, para assinantes) resumindo como será a “jabuticaba” digital que os congressistas estão preparando para a política brasileira em 2010.


A internet mais restrita nas eleições no Brasil

Produção de conteúdo, jornalístico ou não, em sites, blogs etc.:

Como é hoje: há algumas restrições, mas mais liberdade em relação às normas do rádio e da TV. Debates, por exemplo, não são proibidos pela lei na internet.

Como pode ficar: a internet passa a ser considerada igual a emissoras de rádio e de TV. As mesmas regras serão integralmente aplicadas para “provedores de conteúdo e de serviços multimídia, bem como às empresas de comunicação social na Internet, nos conteúdos disponibilizados em suas páginas eletrônicas”.

Debates, antes não regulados para a internet, passam a ser autorizados apenas quando “assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados e facultada a dos demais”. Ou seja, é necessário que todos os candidatos concordem em participar para viabilizar o encontro (na realidade, a nova lei fala em 2 terços dos candidatos, o que não ajuda muita coisa em se tratando de internet).

Obs.: segundo o relator do projeto, Flávio Dino (PC do B-MA), sua intenção seria apenas a de aplicar essas regras restritivas aos grandes portais, blogs e sites com finalidade comercial. Mas como os sites e blogs de pessoas físicas, sem fins lucrativos, estão hospedados em provedores e portais comerciais, a distinção e a fiscalização ficam quase impossíveis.

Doação por meio da internet

Como é hoje: tema não está regulado, mas no entendimento do presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, a lei 9.504, de 1997, já contempla essa modalidade de doação em seu artigo 23, pois no parágrafo 4º estão descritas como as “doações de recursos financeiros” poderão ser efetuadas diretamente na conta bancária de campanha aberta pelos políticos com essa finalidade única. No inciso 1 desse parágrafo está escrito que as doações podem ser por meio de “cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos”.

Na internet, doações por meio de cartões de débito ou crédito equivalem a “transferência eletrônica de depósitos”. O dinheiro vai diretamente para a conta bancária do candidato. O recibo da operação, exigido por lei, é o extrato bancário do candidato que vai identificar com nome, CPF e número do cartão quem foi o depositante de cada valor.

Essa modalidade de financiamento não foi usada por duas razões principais até agora: a) nenhum candidato apresentou esse tipo de proposta exatamente como descrito acima aos 27 TREs ou ao TSE e b) a Justiça Eleitoral foi conservadora e não se antecipou para regular o assunto.

Como pode ficar: a nova lei torna explícita a possibilidade de políticos receberem doações por meio da internet durante as campanhas. Essa modalidade não é extensível aos partidos políticos e a períodos não eleitorais.

Obs.: bem intencionada, a decisão dos deputados é tautológica. A lei atual já permite as doações, desde que o sistema montado pelos candidatos interessados seja claro e seguro o suficiente para garantir a identificação de todos os doadores que fizerem transferência de recursos pela internet.

Propaganda na internet

Como é hoje: é proibida, em todas as suas formas, exceto no site do próprio candidato.

Como pode ficar: continuará sendo proibido comprar espaços publicitários em portais, sites, blogs, redes de relacionamento etc. Mas será aceitável, apenas a partir de 5 de julho do ano da eleição, que o próprio candidato faça propaganda em seu site (cujo registro terá de ser comunicado à Justiça Eleitoral) que terá necessariamente de estar hospedado em “provedor de serviço de Internet estabelecido no país”.

Também está autorizado esse tipo de propaganda (desde que gratuita) em sites de partidos e coligações (sempre comunicando previamente à Justiça Eleitoral), “por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato” e “por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados de candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural”.

Obs.: o problema é que essa propaganda fica toda sujeita às mesmas regras da propaganda eleitoral em rádio e TV. Há severas punições para os sites, blogs etc. que forem alvo de ações por parte de políticos que se sintam ofendidos, como está descrito no item a seguir, sobre “direito de resposta”.

Direito de resposta

Como é hoje: como em qualquer outro meio. Quando alguém se sente ofendido, busca reparação diretamente no site responsável ou vai à Justiça. Pela sua agilidade, a internet tem a tendência de publicar as reparações com mais rapidez.

Como pode ficar: a lei passa a determinar, de maneira bem rigorosa, que internet também fica sujeita à modalidade de direito de resposta política. Esses processos são julgados rapidamente, por determinação legal. Portais, sites, blogs e outros meios na internet ficam obrigados a divulgar a mensagem do político “no mesmo veículo, espaço, local, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce usados na ofensa, em até quarenta e oito horas após a entrega da mídia física com a resposta do ofendido”.

Mais dois detalhes restritivos: “A resposta ficará disponível para acesso pelos usuários do serviço de Internet pelo tempo não inferior ao dobro em que esteve disponível a mensagem considerada ofensiva” e “os custos de veiculação da resposta correrão por conta do responsável pela propaganda original”.

Obs.: essas medidas terão grande efeito inibidor da liberdade de expressão na internet, cuja característica principal é o caráter pessoal e irreverente de blogs e sites pessoas físicas. O relator do projeto, Flávio Dino (PC do B-MA), disse estar tentando diferenciar o sites e portais comerciais da imensa maioria da comunidade na internet que apenas usa a rede para expressar opiniões pessoais. Mas como todos os sites e blogs estão hospedados em provedores comerciais, essa distinção e fiscalização se tornam quase impossíveis.

Blogs, redes de relacionamento social etc.

Como é hoje: é proibido ao candidato ter esse tipo de ferramenta em sua campanha. Pessoas físicas também estão proibidas de fazer campanha pelos políticos.

Como pode ficar: foi difundida a tese de que tudo seria liberado. Não é verdade. Na prática, como vão valer as regras do rádio e da TV para a internet, qualquer pessoa corre o risco de ver interditado seu site, blog ou comunidade em redes de relacionamento se algum político se sentir ofendido. Por exemplo, a proposta de lei proíbe o uso de “recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”. Também está proibido “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação”.

Obs.: será impossível haver liberdade de expressão e informação para os milhares de blogs e sites se for necessário evitar humor que possa eventualmente “ridicularizar” algum político. Também não será possível fazer um blog a favor de um candidato se a lei proibir “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação”.

Por Fernando Rodrigues


Fonte:Blog do Fernando Rodrigues

A democracia ao estilo brasileiro, por Jorge Carlos Mastroberte*

Para entender um pouco sobre os acontecimentos que dizem respeito à gestão e trato da coisa pública na órbita do Distrito Federal, que diariamente são veiculados na imprensa falada e escrita do país, e que causam estranheza, indignação e perplexidade para alguns, creio ser necessário possuir uma noção prévia sobre as origens, características, estágio econômico e cultural dos heterogêneos centros populacionais que compõem o território brasileiro. Uma visita às páginas que registraram os acontecimentos políticos das últimas décadas do século 20 ajuda a esclarecer como chegamos à situação atual.

Em razão dos diferentes currículos de vida dos representantes eleitos pelo voto depositado nas urnas, oriundos de diversas partes do país, os quais têm que conviver e discutir suas ideias no tocante à melhor forma de gerir a coisa pública em benefício de toda a nação, é normal que ocorra um choque de culturas e modo de interpretação da realidade nacional. A maioria só tem conhecimento sobre os fatos locais da sua região.

A maneira de ver, sentir e agir diante das circunstâncias que se apresentam no dia a dia da vida é própria de cada indivíduo, e com raras exceções não está relacionada com o ambiente em que ele foi criado e passou a ter as primeiras noções do mundo ao seu redor. Na nossa terra natal sempre agimos de determinada forma, com poucas ponderações por parte de terceiros. Por qual motivo haveríamos de mudar justamente agora que estamos no comando? Afinal, foi o povo que nos elegeu para trabalharmos em prol dos seus interesses na Capital Federal.

Para boa parte do povo brasileiro que habita as regiões menos desenvolvidas é irrelevante o regime político em vigor, o que realmente importa para eles é ter comida, água potável, saneamento básico e luz elétrica. Quem vai receber os votos depositados nas urnas serão os candidatos que prometerem atender a essas expectativas.

O contexto político de algumas regiões do Estado brasileiro em muito se assemelha com o que está acontecendo na Venezuela de Hugo Chávez. Tudo se justifica se for para ajudar os campesinos. Os incomodados que se retirem ou serão retirados.

Em Brasília, não são muitos os grandes empreendimentos privados que possam pagar bons salários. A solução para ajeitar os afilhados é arrumar um “cargo inominado” para fazer qualquer coisa que justifique o desembolso de caixa. O empecilho é a malvada da imprensa, que fica divulgando coisas secretas.

As regiões do Brasil onde a economia e a cultura locais da população estão próximas de atingir patamares de Primeiro Mundo é de onde são arrecadados aproximadamente 70% dos tributos federais, que há décadas escutamos dizer que são destinados para o desenvolvimento e ajuda às populações que habitam as regiões menos desenvolvidas. A realidade daquelas localidades continua a mesma de anos atrás. Quem já era rico ficou mais ainda. As populações carentes continuam trabalhando sol a sol para ter o que comer.

Para tentar mudar este quadro, existem alguns caminhos, um deles nada fácil de ser efetivado, embora não impossível, pois ensejaria mudanças no texto constitucional no que tange à forma de participação dos Estados no número de deputados e senadores. O outro caminho que se mostra viável é a população participar e exigir maior transparência, autonomia e efetividade na aplicação das receitas públicas. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio dos representantes eleitos ou diretamente se assim desejar. Os cidadãos não podem ficar à mercê dos interesses partidários.

*Auditor público do TCE-RS

Fonte: Jornal Zero Hora - nº16024 - 08 de Julho de 2009.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O escândalo da sinceridade - por Martha Medeiros

Pode parecer apenas mais uma frase de efeito, mas eu a tomo como filosófica. É do dramaturgo, ator e escritor Domingos Oliveira, a quem tanto admiro. Ele diz: “A única coisa que ainda escandaliza hoje em dia é a sinceridade”.

Abro o jornal e leio sobre supostos escândalos políticos (federais, estaduais) que me mantêm apática, pois é tanta enrolação, disputa de poder e trocas de favores, que o máximo que consigo sentir é desprezo e desinteresse. Escandalizada, não fico. O escândalo pressupõe uma novidade. E, hoje, a única novidade está em ser sincero. O vice-presidente José Alencar, em função de suas inúmeras cirurgias, passou a ser a avis rara da política nacional, conquistando simpatia não por seus atributos profissionais, que já nem costumam ser avaliados, mas por ser um sujeito que parece real.

A sinceridade não é anestésica, não estimula reticências, não teatraliza as relações humanas, não debocha da credulidade alheia, não falsifica impressões. A sinceridade é de vanguarda. É tão soberana, que emudece a todos. É tão inesperada, que impede retaliações. A sinceridade é o ponto final de qualquer discussão.

Quer deixar alguém perplexo? Fale a verdade. Aja com verdade.

Saindo da esfera política e passando para o reino do entretenimento: o velório de Michael Jackson se transformou num show por uma questão de coerência com a vida espetaculosa do cantor. Tudo relacionado a Michael virava um fenômeno midiático. O que ele tinha de mais sincero era seu extraordinário talento musical, que nos últimos tempos foi ofuscado por um rosto de mentira e uma vida pateticamente construída em um parque de diversões. Os fãs de Michael Jackson estão sofrendo de verdade? Não se sofre pela ausência daqueles com quem não tivemos relação pessoal. Sentimos compaixão, sentimos respeito pela trajetória artística, homenageamos quem fez a trilha sonora de uma fase da nossa vida, mas sofrimento mesmo devem ter sentido aqueles que adquiriram ingressos para o funeral e depois tentaram revendê-los pela internet por um valor superfaturado. São os cambistas da tristeza showbiz.

A dramatização de certas atitudes virou a normalidade operante. Ninguém mais acredita no que os outros dizem, tenta-se apenas ler as entrelinhas, que é por onde pode escapar algo verdadeiro. Por outro lado, enquanto tantos se esforçam para parecer o que não são, as pessoas consideradas sábias admitem serenamente que de nada sabem. O “não sei” passou a ser uma comovente surpresa. Os melhores filmes, as melhores peças, os melhores livros tratam sobre a nossa ignorância, não sobre a nossa genialidade.

Admitir fraquezas, reconhecer erros, viver de acordo com a própria essência, buscar ajuda nas horas difíceis, voltar atrás, sentir apenas o que se sente de fato, valorizar a discrição, conviver bem com a relatividade de tudo. Extra, extra! Eis aí os escândalos deste novo século.

Fonte: Jornal Zero Hora - nº16024 - 8 de Julho de 2009.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Causas estruturais da corrupção no Brasil

A corrupção é o tema central do debate político contemporâneo no Brasil. O caso de corrupção no PT[1] obteve tamanho espaço na mídia brasileira como, até então, somente durante o processo de Impeachment de Fernando Collor de Melo havia acontecido. O governo Lula está, desde então, mergulhado em sua maior crise: tanto o Ministro da Casa Civil, José Dirceu, como o presidente do partido, José Genoíno, e o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci tiveram de renunciar a seus cargos. Embora a maioria dos acusadores esteja envolvida em corrupção (o que lhe confere uma baixa confiabilidade), poucas provas concretas tenham sido apresentadas e o caso, na realidade, envolva o PT e não diretamente o governo Lula, foi intencionalmente difundida uma imagem de que esse governo seria o mais corrupto da história do Brasil. Nas intenções da discussão vigente, portanto, é possível visualizar uma tentativa por parte da oposição e da mídia conservadora de desestabilizar politicamente o governo Lula, com o objetivo de impedir sua reeleição em 2006.

A novidade no atual debate contemporâneo brasileiro é que, agora, não somente os partidos conservadores, como já é de antigo conhecimento, estão envolvidos em corrupção, mas mesmo o PT, que, até então, era considerado isento desse problema. Com o envolvimento do PT se fala de uma “democratização” da corrupção no Brasil, ou seja, agora todos foram atingidos, o que explica a satisfação de políticos corruptos com a atual situação, pois o PT se beneficiou por muito tempo da sua tradição de ter governado sem corrupção. O contexto no Brasil nos remete aos seguintes questionamentos, que procuraremos abordar no presente texto: 1) por que a corrupção está tão profundamente arraigada no Brasil? 2) quais são as razões para isso? Como foi possível que também o PT tenha sido atingido pela corrupção? Metodologicamente iniciamos com a análise do conceito de corrupção e o seu entendimento no Brasil, para, em seguida, apresentar o sistema político brasileiro na relação com o tema e, finalmente, centrar nossa abordagem em aspectos da cultura política brasileira, com o objetivo de compreender o contexto atual do debate sobre a corrupção no Brasil.

1. O conceito de corrupção

Existem no Brasil muitas palavras para caracterizar a corrupção: cervejinha, molhar a mão, lubrificar, lambileda, mata-bicho, jabaculê, jabá, capilê, conto-do-paco, conto-do-vigário, jeitinho, mamata, negociata, por fora, taxa de urgência, propina, rolo, esquema, peita, falcatrua, maracutaia, etc. A quantidade de palavras disponíveis parece ser maior no Brasil e em países onde a corrupção é visualizada cotidianamente. Originalmente, a palavra corrupção provém do latim Corruptione e significa corrompimento, decomposição, devassidão, depravação, suborno, perversão, peita. A corrupção, entretanto, dependendo do contexto, nem sempre assume uma conotação negativa. Ela constitui, por exemplo, a base para o desenvolvimento da linguagem: a língua portuguesa resultou de um “corrompimento”, da modificação do latim, cuja variante brasileira é ainda mais dinâmica e viva (mais corrompida, portanto) do que o português de Portugal. Na linguagem política contemporânea, no entanto, a corrupção sempre assume uma conotação negativa, o que, visto numa perspectiva histórica, não foi sempre assim. Historicamente, a corrupção esteve associada ao conceito de legalidade, ou seja, corrupto era caracterizados aquele que não seguia as leis existentes. Mesmo determinados termos extremamente negativos que atualmente são usados para designar formas de corrupção, como a peita, o nepotismo e o peculato, não tinham essa conotação até há poucas décadas atrás: a peita estava instituída como um pacto entre os fidalgos e a plebe nos regimes monárquicos para garantir o pagamento de tributos do povo aos nobres; o nepotismo era reconhecido como um princípio de autoridade da Igreja na Idade Média, segundo o qual os parentes mais próximos do Papa tinham privilégios sociais aceitos pela sociedade da época; o termo peculato, originalmente, indica que o gado constituía a base da riqueza de determinados grupos sociais privilegiados e, posteriormente, a expressão “receber o boi” passou a ser usada para designar “troca de favores”, pois o gado servia como uma forma de moeda em certas regiões rurais. O termo peculato, atualmente utilizado para caracterizar favorecimento ilícito com o uso de dinheiro público, continua com essa referência histórica de que para ter acesso a determinados privilégios é necessário um favor em forma de contrapartida.

No Brasil se associa a esse contexto histórico a assim chamada Lei de Gérson, ou seja, o comportamento de querer “tirar vantagem em tudo”, pressupondo que os sujeitos aguardam o máximo possível de benefícios, visando exclusivamente o beneficio próprio. Esse tipo de comportamento, contudo, se adapta perfeitamente ao “espírito capitalista”, como pré-condição esperada dos seres humanos numa sociedade centrada nos valores da economia de mercado. Adam Smith, por exemplo, caracterizava esse comportamento como a melhor forma de contribuir com o progresso social (Smith, 1990).

É claro que a corrupção é mais antiga que o capitalismo, mas ela encontra neste modo de produção condições ideais para sua continuidade. Através da instituição da dominação forçada do capital sobre o trabalho[2], a qual permite aos capitalistas a apropriação privada da mais valia gerada pelo trabalho de outros seres humanos, uma das formas mais básicas de corrupção passou a ser reconhecida legalmente na sociedade capitalista. Nesse sentido, a forma moderna da corrupção precisa ser compreendida no contexto da injustiça fundamental presente em todas as sociedades de classes: a injustiça no acesso aos meios de produção, que constitui a origem da desigualdade social e está em frontal contradição com os ideais de democratização, justiça social e solidariedade entre os seres humanos. É por isso que, historicamente, a corrupção é proporcionalmente maior em sociedades com maior injustiça social: onde o contraste entre ricos e pobres é maior. A ausência e a dificuldade no acesso a bens e serviços facilita a privatização de setores públicos e sua transformação em mercadoria, tendo como resultado o seu uso/abuso em benefício privado. Nesse contexto, por exemplo, bens e serviços públicos passam a ser usados como mercadorias em troca de votos em períodos eleitorais e parlamentares votam a favor de determinadas leis se houver a possibilidade de, com isso, aumentar recursos no orçamento para as regiões onde se concentra o maior número de seus eleitores (através das famosas “Emendas Parlamentares”).

A corrupção é um fenômeno mundial e, de acordo com a declaração final do IV Fórum Global de Combate à Corrupção, realizado de 7 a 10 de junho de 2005 em Brasília, ela impõe “ameaças à democracia, ao crescimento econômico e ao Estado de Direito”. De acordo com esse entendimento, o IPC (Índice de Percepção da Corrupção)[3] serve de parâmetro internacional para investimentos do Banco Mundial, supostamente para impedir que os créditos internacionais sejam utilizados de forma indevida por governos corruptos e para comprometer governos a tomar medidas de combate à corrupção. Por outro lado, essa forma de proceder vem sendo usada como argumentação para justificar o subdesenvolvimento de países pobres. Nos países mais pobres, especialmente na África, há uma ampla aceitação da tese de que a corrupção origina o subdesenvolvimento, como se a existência da estrutura social injusta nestes países fosse meramente o resultado de “maus governos”. Com essa linha de argumentação são omitidas as causas estruturais e históricas da corrupção, por um lado, e, por outro, a responsabilidade dos países colonizadores (os quais continuam sendo beneficiados através da dependência e subordinação de muitos países pobres) passa a ser transferida à população oprimida ou a seus governos, como se estes fossem os “culpados pelo seu subdesenvolvimento”.

A percepção do tamanho da corrupção e da sua amplitude, entretanto, está pouco vinculada à existência do IPC, se comparada à importância dos meios de comunicação, do acesso a informações, da transparência de governos e, não por último, do próprio combate à corrupção. Governos que tomam medidas efetivas de combate à corrupção contribuem de forma decisiva para que a opinião pública se ocupe desta temática e identifique ações corruptas como um problema. No Brasil, historicamente, a maioria dos casos de corrupção se tornaram públicos somente em função de conflitos privados. Por isso, o país está confrontado com uma situação completamente nova, pois, no governo Lula, as denúncias de corrupção resultaram de um confronto político: políticos subornados foram à imprensa apresentando-se como “vítimas” à opinião pública, com o objetivo de atacar o PT, reforçar a oposição e impedir a reeleição de Lula. Isso explica a satisfação de políticos de direita no país, alguns deles (como Jorge Bornhausen[4]) acreditam inclusive, terem a oportunidade de, finalmente, poderem “acabar com essa raça” (referindo-se ao PT). A corrupção segue servindo de instrumento político na campanha eleitoral, coerente com a estratégia das elites brasileiras corruptas de apresentá-la à sociedade como um “problema endógeno da cultura brasileira”. A naturalização da corrupção, ou seja, a tentativa de apresentá-la como sendo algo natural e óbvio (utilizando expressões típicas de que “ela sempre existiu”, “todos são corruptos e corrompíveis”, “precisamos saber conviver com a corrupção, assim como convivemos com as estações do ano”), reduz a possibilidade de combater efetivamente ações corruptas, embora estas sejam construídas por seres humanos e, por isso mesmo, poderiam ser justamente controladas e modificadas pela ação humana.

2. O sistema político brasileiro

No debate teórico sobre a corrupção no Brasil podem ser visualizadas, no mínimo, duas grandes correntes de pensamento: a) alguns cientistas políticos partem do pressuposto de que a corrupção brasileira é uma herança do patrimonialismo ibérico; b) outros autores apresentam a ausência de uma história feudal no país como um elemento importante para descrever a falta de separação entre as esferas públicas e privadas, o que seria similar ao patrimonialismo oriental. Em nosso entendimento, entretanto, o desenvolvimento do Brasil está marcado por um processo de modernização e de manutenção do patrimonialismo, ambos ocorrendo ao mesmo tempo. Isso significa que continua existindo uma estrutura de dependência[5] do país em consonância com a manutenção do status quo das elites no país. Por isso, pode-se falar de uma modernização conservadora no Brasil, pois não se trata de uma nova ordem e sim de mudanças pontuais que, em última instância, contribuem para a consolidação da estrutura social injusta e desigual. O conceito de “modernização”, portanto, é constantemente influenciado por elementos econômicos, sociais, políticos e culturais que constituem a base de um debate acerca de diferentes processos de modernização possíveis ao país, diante dos quais os diferentes atores políticos estão confrontados. O desigual acesso aos meios de produção, desde os tempos da colonização, constitui a base do patrimonialismo brasileiro, uma corrupção original que se expressa no âmbito político e que pode ser encontrada de forma semelhante também em outros países latino-americanos. Uma importante particularidade de todo o continente sul-americano é a coexistência entre modos de produção pré-capitalistas e semi-capitalistas, embora o capitalismo tenha se desenvolvido como predominante e sobre ele se concentre prioritariamente a maioria dos estudos e análises críticas. Por isso, particularmente no Brasil, é possível constatar um desenvolvimento capitalista de forma desigual e dependente, com um acesso à modernidade sem que tenha havido uma ruptura com o seu passado patrimonialista.

Nesse sentido, não há um Estado de Direito consolidado no Brasil, e muito menos se poderia falar da existência de um Estado de bem-estar social. O Estado neopatrimonial surgido em decorrência do desenvolvimento desigual e dependente do país serve prioritariamente aos interesses de grandes proprietários de terras, empresários e outros representantes do capital. Trata-se, portanto, de um Estado autoritário e centralizado. Nós defendemos a tese de que quanto mais autoritário e centralizado estiver organizado o poder, maior será a probabilidade de se confundir o interesse público (res publica) com interesses privados. Muitos crimes no Brasil surgem no interior da própria estrutura do Estado e estão com ela conectados, de forma que a criminalidade muitas vezes é incentivada por estruturas estatais (especialmente no interior de setores da polícia e do Poder Judiciário). A maioria dos políticos é eleita como representante de poderosos interesses na sociedade e concorre visualizando a possibilidade de ter acesso a benefícios da estrutura do Estado. Inclusive criminosos se candidatam em eleições com a finalidade de serem protegidos pela imunidade parlamentar, constituindo a assim chamada “bancada do crime” que, de acordo com Francisco Weffort, já chegou a atingir 10% do Congresso Nacional.

A falta de transparência, a exclusão da maioria da população das decisões políticas mais importantes, a baixa participação política da sociedade civil e a impunidade com relação à corrupção são as conseqüências do sistema político brasileiro, constituindo um ciclo vicioso que facilita ações corruptas. Soma-se a isso a tendência de crescente profissionalização da política, o que aumenta o custo das campanhas eleitorais e a dependência de candidatos de empresários dispostos a “investir em seu futuro”. Também não devemos subestimar que o interesse de obter um cargo público como troca de favor em governos aumenta significativamente em tempos de altas taxas de desemprego. Somente no governo federal brasileiro há em torno de 25 mil cargos de confiança que podem ser “trocados” dependendo do resultado de cada eleição. Especialmente o sistema eleitoral brasileiro contribui para que a corrupção seja vista como parte integrante da política. A ausência de limites no financiamento privado de campanhas eleitorais aumenta a probabilidade de um futuro beneficiamento de empresas com dinheiro público e o fato da maioria dos partidos políticos não terem um programa político claramente definido os transforma em instrumentos políticos a serviço de grandes empresários. O voto na pessoa (motivado por critérios e influências pessoais), a ausência de fidelidade partidária, a constante troca de partidos e a constituição de alianças políticas antes das eleições são fatores que aumentam significativamente a tendência de transformar votos em mercadorias. Soma-se a isso o sigilo bancário que facilita a “lavagem de dinheiro” e as concessões de meios de comunicação a políticos, aumentando o potencial de manipulação da opinião pública. A experiência política brasileira demonstra claramente que a tão propalada democracia representativa não é democrática nem representativa, pois não existe a soberania popular, não há a responsabilidade dos eleitos com relação aos eleitos, e inexistem mecanismos de controle dos eleitos após as eleições, um contexto no qual o combate efetivo à corrupção se torna realmente muito difícil.

3. A cultura política

Mesmo que a corrupção no Brasil esteja principalmente relacionada ao sistema político e ao modelo de desenvolvimento econômico, é possível visualizar uma linha de continuidade entre a vida cotidiana e a corrupção. Essa percepção vem sendo constantemente estimulada por parte de jornalistas e políticos conservadores, os quais apresentam a corrupção como uma espécie de “lei da natureza”. Roberto Pompeu de Toledo escreveu em 1994 na Revista Veja: “Hoje sabemos, sem sombra de dúvida, que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições”. Adib Jatene, Ministro da Saúde no governo Collor, afirmou em 1992: “Quem faz o Orçamento da República são as empreiteiras”. Maria Helena Guinle, socialite carioca, em uma entrevista concedida à Revista Interview, se referia a Collor como sendo uma “uma pessoa fascinante”, que “se veste bem, sabe falar” e que, como presidente, “só nos orgulhava”. Mesmo após todas as provas terem sido apresentadas e o ex-presidente ter sido afastado do cargo através do processo de Impeachment, Guinle não deixou de defender Collor, desta vez com a seguinte argumentação: “Deslizes acontecem a vida inteira. No momento em que você ocupa um cargo que te favoreça de alguma forma, acho até um pouco de burrice não aproveitar a situação”. Mário Amato, ex-presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), disse, categoricamente, que “somos todos corruptos”. Essas declarações demonstram que há uma relativa tolerância com a corrupção no Brasil ou, no mínimo, uma atitude de compreensão para com os corruptos, o que acaba apoiando-os e reforçando-os em suas atitudes.

Um dos elementos culturais mais importantes da corrupção no Brasil é o acima referido patrimonialismo. A cultura patrimonialista concebe as estruturas públicas como áreas privadas, o que está estreitamente imbricado com a história de desenvolvimento do Brasil, marcada pela apropriação privada e pela dependência. No período colonial os 10% mais ricos possuíam dois terços da riqueza do país. Naquele período sequer se falava da existência de uma ética geral, pois a ética ficava restrita ao âmbito familiar. Atualmente os 10% mais ricos possuem 50% das riquezas geradas no país. Será que isso poderia ser interpretado como um sinal de que há mais de 500 anos o país está no caminho errado? De acordo com a opinião hegemônica da elite brasileira, porém, os grandes problemas sociais do Brasil há séculos, como a fome, a concentração de riquezas, a crescente desigualdade social, a privatização do setor público e, não por último, a corrupção, jamais foram encarados como obstáculos ao desenvolvimento do país. Segundo as elites, trata-se de “promover mudanças para que tudo fique como está”. Diretamente relacionados à concepção patrimonialista da cultura política das elites brasileiras se situam os fenômenos do coronelismo e clientelismo, os quais constituem a base histórica do populismo e do assistencialismo no país. O coronelismo está baseado no poder político de grandes proprietários rurais (os coronéis), exercido através da estrutura de dependência da propriedade da terra sobre os trabalhadores rurais. Amizade e parentesco assumem uma importância decisiva nas relações sociais predominantes nas fazendas, assim como a subordinação dos oprimidos em forma de fidelidade e reconhecimento em troca de proteção patriarcal e do acesso a determinados “privilégios”. O clientelismo é a versão urbana do coronelismo, uma vez que a maioria dos proprietários rurais era também advogado ou médico, tratando seus eleitores, tradicionalmente, como “clientes”. Tanto o coronelismo como o clientelismo estão, historicamente, fortemente vinculados ao desenvolvimento brasileiro, pois a assim chamada economia de mercado foi, originalmente, controlada pelos proprietários de terra. Em seus territórios de influência os coronéis foram constituindo pequenos “reinos de poder” nos quais sentiam orgulho ao mostrar “seu povo” publicamente, como símbolo do seu poder local e regional. Apesar da “modernização” capitalista do país ficou conservado um equilíbrio na distribuição de poder entre os grandes proprietários industriais e rurais na maioria dos Estados da federação. O presidente Getúlio Vargas, como liderança rural carismática e populista, foi quem melhor soube se adaptar a essa realidade. Com sua estratégia de combinar interesses do povo com os dos grandes proprietários rurais e industriais, Getúlio governou o Brasil por 15 anos. Para evitar maiores conflitos políticos com o povo, o getulismo ficou marcado pela manipulação da classe trabalhadora, instituindo importantes políticas sociais e extinguindo a autonomia das organizações sociais e populares existentes no período. O getulismo é a base do populismo e do assistencialismo no Brasil, propondo concessões sociais para conservar o poder ou, em outras palavras, a política de “entregar os anéis para poder seguir conservando os dedos”.

Um outro elemento importante da cultura política brasileira é a tendência de não encarar determinados crimes (como, por exemplo, o contrabando e a corrupção) como problemas se o seu objetivo é visto como positivo ou justificável. Assim, a corrupção passa a ser tolerada e pessoas corruptas são, tendencialmente, encaradas como espertas ao invés de serem caracterizadas como criminosas, o que também está fortemente relacionado à forma sensacionalista como os escândalos de corrupção geralmente são apresentados à opinião pública. Essa forma de encarar determinadas situações é comumente chamada de “jeitinho brasileiro”, como sendo a “criatividade de encontrar uma saída para tudo”. De acordo com pesquisas de opinião, no entanto, a maioria do povo brasileiro condena a corrupção: 83% afirma, por exemplo, que jamais venderia seu voto; ao mesmo tempo, porém, 73% dos entrevistados acredita que seus compatriotas o fariam, um sinal evidente da predominância da idéia de que a maioria das pessoas no país seja corrupta. Também as justificativas de caráter pessoal assumem uma importância central no debate sobre a corrupção no Brasil. A referência à amizade é geralmente mais forte do que à idéia de responsabilidade política dos eleitos. Trata-se de um acordo de reciprocidade, do reconhecimento da idéia de que os seres humanos dependeriam uns dos outros e, por isso, a confiança e a lealdade deveriam ser vistas como os valores mais importantes para a convivência. A confiança é, muitas vezes, caracterizada como o cimento das relações interpessoais, assim como a solidariedade e a predisposição à ajuda, valores que, muitas vezes, são corrompidos ao servirem de base à justificação de atitudes corruptas. Nessa lógica, instituições públicas passam a ser utilizadas com a finalidade de retribuir favores pessoais e boas relações são usadas como instrumento de intermediação para obter benefícios e privilégios, já que estão baseadas na intimidade, na confiança mútua, numa maior facilidade de comunicação e acesso a pessoas em cargos importantes. Nessa concepção, a corrupção, assim como a vida, são encaradas como um intercâmbio, como um constante processo de “trocas” entre pessoas. Nessa perspectiva, vale a pena investir em boas relações com políticos e funcionários públicos, o que, obviamente, tem seu preço político: concessões econômicas são trocadas por concessões políticas e as dificuldades inerentes à concessão dos benefícios esperados aumentam proporcionalmente o preço político na relação de “troca”.

O PT pagou um preço político alto. Trata-se, acima de tudo, de poder e governabilidade. Ao invés de constituir alianças políticas com vistas à implementação de reformas sociais previstas em seu programa, o PT constituiu alianças com o objetivo de alcançar poder. O meio se transformou em fim e os pragmáticos do partido, aparentemente, posam como vitoriosos na disputa interna sobre os rumos do PT. Em nosso entendimento, isso não pode ser caracterizado como traição, pois não partimos do pressuposto de que Lula ou o PT tenham sido modificados ou cooptados pelo “aparelho de poder do Estado”. O contrário é mais provável: não por ter poder no governo, mas exatamente para obter poder, para poder governar, é que o PT está abandonando seu programa. Esse processo de abandono programático está em curso desde o início da década de 1990 e, gradativamente, foi constituindo uma estratégia política para a maioria da direção do partido, tendo seu auge na eleição de Lula em 2002: progressivamente, o partido abriu suas portas para filiações em massa, integrando novos membros sem qualquer relação com a tradição do PT; abriu espaço para a filiação de parlamentares, que começaram a ver no PT melhores chances individuais para se eleger; introduziu as eleições diretas para a direção partidária em todas as suas instâncias, reduzindo a importância do debate interno; aumentou os investimentos em marketing e profissionalização da estrutura partidária; e, não por último, reduziu drasticamente a formação política e o debate programático (Pont, 2003). Como no presidencialismo há a tendência de um presidente com minoria parlamentar se ver obrigado a construir alianças com outros partidos para poder governar, os acordos políticos representam um importante meio para alcançar maior governabilidade. Considerando que a maioria dos partidos no Brasil conquista votos, normalmente, de forma corrupta no período eleitoral, supostamente com o objetivo de aumentar seu poder político, é muito provável que os acordos políticos entre partidos e parlamentares também sejam marcados pela corrupção. Isso, porém, não pode, de forma alguma, servir de justificativa ao PT, pois, na maioria das situações em que o partido governou até hoje, ele não pôde contar com uma maioria parlamentar. Mas não era somente por contar com uma minoria parlamentar que o PT priorizava a mobilização da sociedade civil com vistas à implementação de reformas sociais em benefício da maioria da população. A mobilização social constituía o elemento central da sua estratégia de construção de hegemonia política, baseada na compreensão de que o poder precisa ser conquistado num processo de contra-hegemonia, no qual a participação e a auto-organização dos trabalhadores permitem o avanço na tomada de consciência política da população.

Essa é a mudança fundamental do PT com o governo Lula, o qual não se dispõe a avançar na democracia participativa (seguindo a exitosa experiência do partido com o Orçamento Participativo), correndo o risco constante de degenerar politicamente e eticamente ao se adaptar à lógica corrupta da democracia representativa brasileira. Para o Brasil esse processo de degeneração representa um enorme retrocesso na história de democratização do país, pois o PT incorporava, até então, como único partido programático existente, a grande esperança de transformações sociais, as quais poderiam ser conduzidas de forma democrática (de baixo para cima) através de uma crescente mobilização social. A degeneração política do PT, através da sua adaptação cada vez maior à tradição historicamente autoritária, populista e fisiologista da política brasileira, é profundamente lamentável porque desta forma o partido abandona seu papel de protagonista e de portador de esperanças em transformações sociais construído duramente nas últimas décadas. E a degeneração ética do PT, que também está em curso, contribui decisivamente para uma maior naturalização da corrupção, o que dificulta ainda mais a construção de medidas efetivas de combatê-la.

Referências bibliográficas:

Córdova, Armando/Michelena, Hector Silva. Die wirtschaftliche Struktur Lateinamerikas. Drei Strudien zur politischen Ökonomie der Unterentwicklung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1971.

Córdova, Armando. Strukturelle Heterogenität und wirtschaftliches Wachstum. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1973.

Marx, Karl. Der Bürgerkrieg in Frankreich. MEW, Band 17. Berlin: Dietz Verlag, 1971.

Pont, Raul. Hoffnung für Brasilien. Beteiligungshaushalt und Weltsozialforum in Porto Alegre. Entwicklung der PT und Lulas Wahlsieg. Köln: Neuer ISP Verlag, 2003.

Smith, Adam. Untersuchung über Wesen und Ursachen des Reichtums der Völker. Band I. Düsseldorf: Verlag Wirtschaft und Finanzen, 1990.

por ANTÔNIO INÁCIO ANDRIOLI


http://www.espacoacademico.com.br/064/64andrioli.htm
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